Já se sentiu
como se a vida estivesse tediosa e sem sabor? Sim? E o que você fez? Saiu para
o shopping, comprou um acessório novo, trocou de amor? Então, o que achou? Isso
resolveu? Não? Pois já pensou em assassinar alguém e se tornar um canibal
homicida? Não? Pois Donald pensou. Prossiga e veja o que aconteceu com ele.
Título original: Microwave massacre
Lançamento: 1983 (EUA)
Duração: 76 minutos
Direção: Wayne Berwick
“O massacre do microondas"
A estafa de um modo de vida que se esgota
Um caso curioso. O massacre do microondas
(Microwave massacre) é sem dúvidas um filme horrível. Isso é obvio - lendo o
título já é possível notar. Entretanto, se fizermos um (grande) esforço e olharmos
além dos corpos decepados, das piadas prontas, das atuações medonhas das
“atrizes” pornôs, da falta de uma trama minimamente estruturada, da ausência de
proporção de tempo, do machismo, dos personagens mal trabalhados que nada
acrescem a história, das obviedades, das atuações ruins, da trilha sonora
fraca, dos estereótipos, dos figurinos cafonas, do final sem sentido - em suma:
do fato de que o filme não merece mesmo ser assistido, encontraremos algumas sutilezas
interessantes que um telespectador desatento deixa de perceber.
Um microondas assassino?
A trama é surreal e conta a história de
Donald, um trabalhador braçal insatisfeito com sua vida e casamento, que após
matar a esposa num surto de raiva, decide guardar o cadáver na geladeira.
Porém, ao mais tarde confundi-lo com comida, acaba se tornando um canibal
homicida que seduz mulheres a fim de devorá-las, metafórica e literalmente.
Se o microondas não mata,
por que se chama “O massacre do microondas”, ora?
A questão é bem interessante. Ao contar a
história de um assassino o filme esconde um fundo crítico que não é de se
desprezar. Trata-se de uma metáfora a respeito da possibilidade de satisfação
no mundo contemporâneo. Donald, antes de ser um canibal homicida, é mais uma
pessoa insatisfeita cercada por todas as promessas de felicidade dos anúncios
publicitários: geladeiras, televisores, quitutes e (como não poderia deixar de
ser) microondas. Preso num universo insípido, ele tem que responder a rituais
cotidianos sem sentido - o trabalho chato, os jantares desgostosos com a esposa
- e viver uma vida da qual não retira qualquer satisfação. Sua solução é beber até cair e tentar compartilhar algo com outros, o que nunca
dá certo. Até que num surto ébrio de raiva, acaba matando a esposa e experimenta
o gosto de seu cadáver. No entanto, o ato de provar o proibido, de degustar um
vício que vai contra todos os valores o que guiavam até então, não faz com que
o personagem sinta nojo de sua ação, mas que a incorpore como um novo hábito. A
partir dali ele abandona o seu antigo eu, substituindo-o pelas novas facetas que
descobre nas mulheres que mata e nas... Iguarias que experimenta.
Sutilmente o diretor constrói um fiel
retrato do homem burguês, aqui pintado a base de sangue e saliva. O filme
trabalha, por um lado, com a perspectiva da vida levada pela sujeição à
conjuntura e, por outro, pela abertura ao vício como maneira de insubmissão a
isso. Somente quando Donald abandona o mundo dos carnês, da falta de sexo, do
almoço requentado no microondas é que vai reencontrando o prazer por estar vivo...
E assim se explica o título. Podemos, então, colocar à questão: é possível que o
vício seja uma alternativa à vida medíocre? A contemporaneidade parece sugerir
um sim, afinal, a fluoxetina, a maconha, a infidelidade e os escapismos
habituais estão aí para ficar, independentemente das tentativas de combatê-los
com auto-ajuda, polícia e moral. Por outro lado, o filme diz que não: no final o
protagonista é apunhalado por aquilo mesmo que desperta o seu prazer. Sinceramente,
não sei. Digam-me vocês.
Essas paradas que você
falou aí, mano... Então eu tenho que vê a bagaça?
Consideradas essas questões eu não quero
de modo algum passar a impressão de que o filme seja minimamente bom. Ele é muito ruim. É possível enumerar ao
infinito as críticas cabíveis a ele, portanto, só farei três (que, entretanto,
permeiam a obra toda):
Machista pra caramba!
Para começar, as mulheres são retratadas
a partir dos preconceitos usuais, seja como objetos sexuais quando jovens ou
como pessoas ridículas quando envelhecem. Isso está bem expresso logo na
primeira cena: um close nos seios e bunda de uma loira com ares de
universitária que paga mensalidades com programas. A esposa do protagonista é
uma megera caricata que, por mais que tente, já não agrada mais o marido. Não
se coloca em questão que o próprio protagonista é feio, desajeitado e não se
esforça para ser de qualquer maneira que seja mais agradável a esposa. A responsabilidade,
afinal, é sempre da mulher.
Atuações caricatas!
Quanto às atuações e a colocação dos
personagens em cena, o filme lembra programas de humor populares (tão comuns a
nós brasileiros) de comédia pastelão vulgar, como “Zorra total”, “Os trapalhões”,
“A praça é nossa” entre outros. Há piadas prontas, olhadela do protagonista
para a câmera e recursos que teriam um sentido profundo nos filmes do Godard,
mas que aqui não passam de bobagem para tentar fazer rir o telespectador.
Falta de conclusão para certos
personagens (Spoilers)
O final é uma droga te faz pensar se a
vida seria melhor se você não a desperdiçasse com filmes ruins, ficasse menos
tempo na internet, praticasse mais exercícios e fosse vegetariano. Contudo, o
pior de tudo é que não há conclusão para vários personagens. Por exemplo:
participa de toda a história a figura da vizinha gostosa e promíscua. Dentro da
trama sua existência faz todo o sentido: a loira é a antítese do protagonista,
alguém livre das convenções que faz sua situação lhe dar o máximo de
satisfação. E qual é o final da gostosa? Ela morre? Ela casa? Ela engravida? Respondo:
nenhuma das alternativas! Ela não é morta, ela não fica com Donald e nem é
mencionada quando os créditos começam a subir. A personagem é simplesmente
ignorada e não tem nenhum final. E não é a única. Posso citar também a nora de
Donald que descobre o hábito bizarro do genro e é trancada no armário. Que fim ela
tem? Ela morre no armário? Ela entrega o assassino à polícia? Ela dá cobertura
a Donald? Respondo: não! Ela é descoberta meses depois da morte do
protagonista... Presa no armário e ainda
viva! Jesus...
Coisas que aprendi com
“O massacre do microondas”
- Que se você for um assassino e quiser desmaiar sua vítima, basta forçar um pedaço de pão dentro da boca da infeliz.
- Que loiras gostosas são taradas por pedreiros e suas cantadas criativas.
- Que com jeitinho sua esposa pode se acomodar dentro do microondas... De pé.
- Que nos discursos que vemos TV ou em outros lugares o não-dito pode ser tão imundo e ofensivo quanto o que é dito explicitamente. Você discorda? Então vá à mer... seu filho.. da p...
- Que qualquer gordo feio, baixinho e sem atrativos tem chance de se dar bem com as mulheres mesmo sendo pobre. Portanto: saia já da academia e vá à caça!
- Que carne humana é (muito) melhor que Burger King
- Que dizer “eu não diria isso para qualquer uma, mas você tem química” é a formula mágica do amor.
- Que atores medíocres também tem sua vez, opa, essa eu já sabia - não é mesmo, Gianecchini?
- Que cabeças decepadas tem lasers nos olhos.
- E, por fim, que a tradução de “pussy, pussy, pussy” é “pela, pela, pela”.
Trailer
O
meu julgamento sobre “O Massacre”, leitores, é que um filme que se anuncia como
“o pior filme de horror de todos os tempos” definitivamente merece ser visto.
Nenhum comentário:
Postar um comentário