Para comemorar o dia dos carpinteiros
e marceneiros (que ocorreu dia 19) o Café com Tripas invoca o trash
sangrento não daqueles que usam facas ou revólveres, mas sim meios mais
proletários. Se você achava que assassinar
alguém com uma serra elétrica era radical, aguarde para ver “Assassino da
furadeira”. Não espere ver um homicida elegante ou estilizado, pois esse aqui
usa quaisquer meios em mãos para expressar o que sente - e ele sente muito
ódio.
Título
original: Driller
killer
Lançamento: 1979 (EUA)
Duração: 96 minutos
Direção: Abel Ferrara
Lançamento: 1979 (EUA)
Duração: 96 minutos
Direção: Abel Ferrara
O assassino da furadeira
Sujeira e sangue debaixo
das unhas
Este não é exatamente um mau filme.
Falta-lhe um pouco de coesão e um bocado de coerência, no entanto, isso não elimina
suas qualidades, embora as obscureça. Por detrás do enredo esquisito e da falta
de um argumento convincente se escondem algumas propostas ousadas e
inteligentes, que dão a forte impressão de que o filme não é tão ruim quanto
tenta ser.
Pincéis, tintas e uma furadeira
A trama se debruça sobre a história de
Reno, um pintor falido que divide um apartamento nos subúrbios da cidade com
sua namorada e uma amiga drogada. Nesse meio tempo ele vê sua vida decair
gradativamente, afundando-se em dívidas e carregando ódio por estar numa
condição indesejável. A fúria que sente passa a ser direcionada não como uma
força produtiva para mudar sua vida, mas como um furor destrutivo voltado para
aqueles que como ele teriam decaído irreversivelmente: Reno passa a matar
mendigos com uma furadeira.
Ai meu deus que coisa horrível
Pois é.
Porém, a história não se volta
principalmente para os assassinatos, tampouco para os motivos que teriam levado
o protagonista a isso. O diretor não está preocupado em nos explicar esmeradamente
o que se passa, mas em nos inserir na experiência de vida do protagonista.
Destarte, esqueçam a morte para se fazer justiça, a revolta por motivos sociais
ou a vingança como redenção. Nada disso importa. Aqui há somente o ato cru e nu
de matar e morrer sem dignidade.
Por sinal, os trunfos do filme se
escondem justamente nessa falta de explicação, sendo que, a certa altura,
passamos a nos perguntar se Reno precisava mesmo de um motivo para matar, já
que em sua queda ele vai se dando conta de que já cometia atrocidades antes
mesmo de chegar ao fundo do poço. Afinal, a decadência nos torna monstros ou só
precisamos dela para externar o que há de podre em nós? A civilização é um
embuste? Somos selvagens em carruagens
mais modernas?
Aliás, esse questionamento da natureza humana, diga-se de
passagem, é um velho conhecido dos filmes trash, não constituindo, pois, uma
grande novidade ao ser apresentado. O que há de interessante nisso é a apropriação
feita pelo diretor, escolhendo para protagonizar esse drama um homem que veste
e cheira a entropia. No entanto, a história olha para mais para a situação de
Reno - como ela piora o empurrando para suas taras – do que para ele
propriamente. Conforme suas dívidas aumentam e o mundo lentamente se decompõe, o
pintor passa a perder acesso aquilo que antes lhe divertia - como drogas e
festas – percebendo que, alem dessas coisas, não lhe resta mais nada em sua
vida que o distraia de notar a porcaria que ela é. Deste modo, pouco importa
que ele mude ou tente o novo: a decadência é o próprio percurso de existir. De
nada vale mudar a si para viver no mundo podre de sempre.
Barulhos
Sem deixar de mencionar, o som faz parte
de toda a simbologia da história, que já inicia com o aviso: “esse filme deve
ser assisto com o volume alto”. Deste modo, o áudio pesa bastante no
significado de cada cena, seja pelo ruído da furadeira, os gritos de dor das
vítimas ou o rock ruim que embala a história como um todo. A propósito, no
correr da história uma banda se muda para o apartamento vizinho ao do pintor,
passando a tocar alto e incomodar Reno, quase como se fosse sua própria
consciência lhe alertando acerca de sua condição miserável. O fato de que ele
não age contra os músicos mostra que entende que, de algum modo, a música
desafinada não vem dos outros, mas de sua própria cabeça.
Furos
Porém, leitor, não espere por Romero,
David Lynch ou Godard, pois eles não vem para o jantar. O filme tem
vários problemas de ligação entre cenas e de puro amadorismo, de modo que, no
geral, é algo bem monótono, comportando coisas desnecessária que nada
acrescem a história, servindo apenas para confundir o telespectador com cenas
sujas nas quais ficamos vagueando pelo supérfluo e ignorando o essencial. A
relação de Reno com a religião, por exemplo, é bem pouco explorada. Não sabemos se ela lhe imprime culpa ou esperança – talvez ambas;
talvez nenhuma.
Ademais, a película também não é tão
pesada quanto pode parecer, havendo poucos assassinatos e efeitos não muito impressionantes.
Contudo, isso não subtrai muito dos méritos do filme, que tem cenas
consistentes e sustentáveis por si só. Os assassinatos são bastante criativos e
a cena final é incrível.
Outras coisas
O filme teve alguma influencia no cinema posterior
e no mundo da música, havendo uma banda punk homônima inspirada nele e uma
série de filmes que também se valeu da idéia de um assassino com uma furadeira.
Vale o meu tempo?
Driller killer não é exatamente ruim
ou bom o bastante para merecer uma recomendação, ó leitor único deste blog.
Francamente, ele tentará te entreter com música ruim, sangue e um submundo
decadente cheio de gente feia e mal-lavada que adora um abraço. Se quiser
assistir, assista. Não vou nem recomendar, nem dizer que não presta. Corra o
risco por si mesmo.
Trailer:
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