Aqui no
Café não poderiam faltar Tripas e não há ninguem melhor pra falar dessa
deliciosa iguaria do que os nossos amigos zumbis. Por isso, trouxemos alguns
desses famintos queridos amigos pra tratar um pouco do assunto.
- Então,
senhor Boa Morte, o senhor gosta de Tripas?
-“Braiiinnsssss...”
-“Arrghhhhh...”
-“Arrghhhhh...”
Bom,
pelo visto ele prefere cérebros, mas para deixar essa conversa um pouco mais
dinâmica e interessante, também trouxemos para a postagem de hoje o mortal mais
respeitado entre zumbis, o Deus Sr. George Romero.
Título original: The night of the living
dead
Lançamento: 1968
Duração: 96 minutos
Direção: George Romero
Lançamento: 1968
Duração: 96 minutos
Direção: George Romero
“A noite dos mortos-vivos”
O primeiro, melhor e
inalcançável.
Clássico entre os clássicos “A noite
dos mortos vivos” fez pelos filmes de zumbis o que fizeram o Black Sabbath pelo
heavy metal, Camões pela língua portuguesa e Platão pela filosofia: estabeleceu
a maioria dos clichês e parâmetros os quais aqueles que vieram em seguida só
precisaram aceitar ou negar. Analogias à parte, o fato é que o filme abriu
caminho para todo um gênero que se construiu (bem ou mal) em cima dele. Entretanto,
assisti-lo nos remete a um mundo deveras distante. A história soa estranha a
nossa época e modo de pensar... Sua fotografia, seu roteiro e personagens
parecem ter sido feitos para outro tipo de pessoas, de tal maneira que ao vê-lo
não o acolhemos como parte de nossa cultura e imaginário, mas nos percebemos excluídos
do que ocorre; como crianças debruçadas na janela vendo o mundo ao longe...
Afinal, pessoas, o que mudou de lá para
cá?
Um conto de terror
O filme narra a história de Barbara e
Ben, dois estranhos que após terem sido atacados por mortos vivos, refugiam-se
numa casa antiga. No decorrer dos acontecimentos, outros personagens se unem a
eles enquanto os mortos apertam o cerco em torno do local.
Um mundo sem heróis
Contrariando certa tendência do cinema
americano “A noite dos mortos vivos” é interpretado por personagens e não por
arquétipos. Seus atores não representam sentimentos, signos, nações ou qualquer
ideologia ambulante travestida de gente, mas pessoas de carne, ossos e
angústias¹. Isso é o bastante para que o filme seja repelente
às gerações pós anos 70, criadas num mundo tomado pela propaganda, onde o
mínimo gesto é sempre a máxima expressão de artificialidade. O filme nos empurra
para fora do universo sintético de música eletrônica e relações cibernéticas em
que vivemos, fazendo com que recordemos um tempo mais “ingênuo”, onde um
simples rosto maquiado podia assustar. Ao que parece, o marketing e os filmes não
estavam tão unidos a ponto de não conseguirmos diferenciar uma obra de arte de
uma peça publicitária.
Cinema orgânico
De um modo geral as cenas em si não tem
muita pretensão, sendo feitas por atores que ainda carregam a dramaticidade
característica de um cinema muito próximo do teatro. Não há os estímulos
constantes dos efeitos especiais, do rock pesado, das frases de impacto e da
erotização das mulheres. Nenhuma serra elétrica. Tudo é monótono e precioso,
como se ao ignorarmos o menor gesto, também deixássemos escapar o sentido da trama.
E tal como os personagens que falam uns aos outros e não se entendem - cada
qual preso no seu próprio desespero - não conseguimos nos relacionar com o
filme sem ter a plena consciência de nossa distância e diferenças
inconciliáveis. Não importa o que ele nos diga, pois não seremos capazes de
compreender. “A noite dos mortos vivos” é uma pintura desbotada no fundo do
armário, um retrato de um mundo que se foi. É nosso paradis perdu. Ele soa hoje como a suprema agressão aos agredidos: ao
assisti-lo não nos revoltamos com o que foi feito de nós dados os vícios que a
sociedade do espetáculo nos submeteu. Não. Em verdade, imploramos por
vulgaridade: queremos balas, carros, cigarros, sangue e sexo. Somos fúteis. Amém.
Não é possível fazer as pazes com o
primogênito de Romero: ele cospe no telespectador a cada cena. É quase como se
dissesse: toda crítica e esperança morreram, a nulidade triunfou. Sobraram
vocês, os monstros.
Aspectos técnicos
A escolha pelo cinema preto e branco
privilegia o clima de gravidade e loucura que permeia o filme, além tornar a
fotografia bem bonita. O que o marca, porém, é a freqüente impressão se
assistir algo único e diferenciado. Somos atraídos para dentro da lógica
estranha do filme. Inclusive, mesmo quando os efeitos se mostram fracos - as
vísceras são claramente pedaços de carne e a maquiagem é bem bobinha - já
estamos por demais acostumados com aquele mundo estranho e escuro para acharmos
ridículo o que vemos.
Protagonistas, uma saga
Um aspecto interessante revelado
pelo filme é a criatividade do diretor quanto à escolha de seus protagonistas.
Esse será um dos pontos fortes de toda a filmografia de Romero. Em “A noite dos
mortos vivos” temos um negro tomando decisões difíceis e agindo como líder,
protagonizando um longa-metragem de grande circulação só treze anos depois que
Rosa Parks decidiu não levantar o bumbum para dar lugar a um branquelo nojento.
Em “Dawn of the dead”, o filme seguinte, temos uma mulher atípica (para o cinema até então) no
papel principal: forte, decidida, e que em nenhum momento da trama é usada como
símbolo sexual ou será resgatada pelo príncipe encantado americano. No seu
interior, no entanto, ela é mostrada como pessoa ferida e perto do descontrole,
em suma: humana. Excelente.
A mesma tendência a exibir personagens
com nuances, não modelares, se manterá por toda a filmografia de Romero,
tornando-se um dos triunfos de seu cinema.
10 banalidades sobre o filme
1. Como todos
sabem os “filmes de zumbi” do Romero se valem dos monstros para tratar de
pessoas e não o oposto.
2. “The night of
living dead” não é o primeiro filme que retrata zumbis, mas aquele que definiu
o gênero.
3. Há metáforas à
alienação e sociedade de consumo representadas nos zumbis e na maneira como os
vivos lidam com eles.
4. Apesar dos
efeitos parecerem bobos atualmente, a película foi considerada chocante na
ocasião de seu lançamento.
5. O termo
“zumbi” nunca é pronunciado para designar os monstros.
6. Todo o mundo sabe
o final da história. Para quem não conhece só direi que é interessante.
7. Há quatro
continuações oficiais para esse filme, algumas de valor duvidoso.
8. O filme é
rodado em preto-e-branco quando o cinema já era colorido.
9. Apesar disso,
existe também a versão colorida do filme original.
10. A biblioteca
do congresso dos estados unidos considerou o filme como “historicamente,
culturalmente ou esteticamente importante”, inserindo-o no seu registro de
filmes.
A regravação de 1990
Como bom clássico que é, “A noite
dos mortos vivos” gerou muitos frutos e, até o presente, duas regravações. A
primeira é de 1990, realizada pelas mesmas cabeças geniais que criaram o
primeiro filme (incluindo o diretor). Ela segue de um modo mais livre o
argumento do primogênito, narrando à história de Ben, Barbara, Cooper e outros
que tentam sobreviver à invasão zumbi se isolando dentro de uma velha casa.
Um detalhe interessante de mencionar é o
fato de que, ao lançar o filme original, Romero assegurou que não tinha
qualquer pretensão política posicionando um negro como protagonista, mas que
contratara o ator por sua habilidade de atuação. Supondo que essa afirmação
fosse verdadeira o ator que interpretasse Ben na regravação não precisaria ser
(necessariamente) negro. Entretanto, ele é.
- Ah, não se preocupe, Romero, seu
segredo está bem guardado.
*
O filme tem o mérito de remendar alguns
furos existentes no roteiro original (como o fato de que o filme ocorre à noite
enquanto na TV é sempre dia) e acrescer elementos novos sem desrespeitar a
série. Uma das novidades mais interessantes é a maior participação dada às
mulheres, que no filme anterior pouco influenciavam a resolução da trama. Isso
renova o interesse do telespectador pelo filme, fazendo-o mais contemporâneo, além
de torná-lo imprevisível mesmo para quem viu o primeiro.
Sinto que essa é uma das melhores
refilmagens que já vi. Definitivamente, merece ser assistida, nem que seja para
saber se acontece “aquilo com aquele personagem”...
A regravação de 2006 - A volta dos mortos
3D
Mais trash que seus antecessores, a
versão de 2006 é uma bomba nomeada a partir de um clássico. Baseado livremente
no original, “3D” é desprezível o suficiente para que eu acabe esta resenha em
5, 4, 3, 2, 1... Pronto, acabou.
Trailer:
Excelente resenha e escolha de filme, amigos. Tenho esse guardado num local de honra da minha DVDoteca, e é um clássico completo.
ResponderExcluirParabéns pelo conteúdo. :)
Ah, valeu, cara, Romero é clássico né? Íamos abordá-lo cedo ou tarde. Tentaremos a partir de agora trazer pelo menos um clássico todos os meses, para não ficar só nos filmes "menores". Um abraço.
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