quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

Resenha: Smiley

            
Hei! Você que está ai na frente da tela lendo esse blog imundo sobre cinema trash, você gosta de ficar navegando na internet, né? É, já imaginava. Já fez amigos virtuais que só conhece por nicks, tipo “GaTiNhO(A) SaFaDo(a)69”, “Anjo do Caos” ou algum nome elfico impronunciável?  Tem entrado nesses sites/fóruns onde pessoas ficam postando coisas que você nunca imaginou que seriam possíveis? Gosta de acessar sites como ChatRoullete pra ficar tirando barato dos outros? Acha muito legal ficar trollando aquela pessoa estranha? Já postou ou fez comentários sem pensar nas consequências que aquilo poderia ter?
Se você respondeu sim para uma ou mais dessas questões... talvez você já tenha feito parte de um assassinato =D



 Smiley
O sorriso triste da internet
           
            Antes de começar a resenha queria fazer um breve desabafo: Smiley não se enquadra muito no gênero trash, mas logo depois de assistir e ver diversos comentários ruins (em muitos sentidos) me senti na obrigação de escrever sobre ele.
Smiley foi um filme que me surpreendeu, antes de assistir li (e ainda leio) diversas criticas negativas, vi-o em listas de piores filmes de 2012, comentários falando que o assassino era totalmente sem motivação, roteiro fraco, falta de originalidade, etc. etc. etc.
            Enquanto assistia “Smiley” milhões de coisas passavam pela minha cabeça relacionando o filme com coisas que vemos no dia a dia da internet. Quando terminou eu me senti triste por ver tantos comentários ruins sobre o filme - será que eu vi muito mais coisas que realmente existiam no filme (apesar de claras relações e discussões que ocorrem durante o filme todo) ou as pessoas simplesmente desligam o cérebro quando assistem a filmes de terror e só se preocupam em liga-lo em filmes taxados como cult?
            Não estou dizendo que a minha interpretação é melhor nem nada disso, pode ser que esteja errado e seja apenas mais um filme de bosta. Mas diante de tantos comentários negativos senti falta de discussões relevantes sobre o filme. Vejo pessoas falando “é um lixo”, “o roteiro é fraco”, “assassino péssimo” entre outras coisas, mas em nenhum momento vejo pessoas explicando o por quê, ou se quer tentando compreender o que o diretor quis passar com o filme...
Concordo que o filme é fraco em diversos aspectos, mas diante de filmes venerados, como “Atividade paranormal”, por exemplo, Smiley é uma obra prima. 




Título original: Smiley
Lançamento: 2012 (EUA)
Duração: 90 minutos
Direção: Michael J. Gallagher





Ashley entra na sala

Após ficar sabendo sobre a lenda urbana de um assassino que é invocado através da internet, Ashley e sua amiga Proxy, “testam” a lenda e acabam matando uma pessoa. Com o sangue em suas mãos, Ashley começa a acreditar que será a próxima vitima do assassino com rostinho feliz.

Sorria



Como boa parte dos filmes do gênero, Smiley começa com uma morte qualquer apenas para apresentar a lenda e seu assassino. A lenda consiste em: se você está no chat e um desconhecido digitar 3 vezes para você a mensagem “I did it for the lulz”, aparece um cara (que tem o rosto em forma de smiley =D) com uma faca atrás de você e te mata.
A história mesmo começa com Ashley indo morar com Proxy, uma garota que conheceu na internet, elas vão dividir a casa por ser mais perto da faculdade. Na primeira noite elas vão a uma festa (Anonymous) organizada por um dos usuários da área /b/ do 4chan. Lá Ashley conhece Zane (quem organizou a festa), Binder (um cara que foi expulso da festa por denunciar posts ofensivos no fórum) e acaba tendo o primeiro contato com a lenda do Smiley quando assiste o vídeo de uma pessoa ser assassinada pelo mesmo. Impressionada com o que viu, a protagonista junto com sua nova amiga decidem mandar a suposta “mensagem assassina” pra algum desconhecido e assim se convencer de que a lenda é apenas mais uma bobagem. Entretanto não é.
            Após matar o desconhecido ela passa a acreditar que será a próxima vitima de Smiley, mas não sabe se a ameaça é real ou apenas fruto da culpa.

I did it for the lulz!
I did it for the lulz!
I did it for the lulz!


            O filme utiliza diversas referencias do mundo virtual para fazer analogias com as questões que ele aborda no filme, tornando-o muito mais interessante e singular. Antes de pensar no filme em si, é bom prestar atenção e compreender algumas das referencias que o diretor faz. Bom, não entendo muito dessas questões “internetisticas”, então qualquer erro podem me corrigir.
            A nova amiga de Ashley chama-se Proxy, o mesmo nome  utilizado na informatica pra referir-se a “servidor intermediário , ou seja, proxy é o intermédio entre o usuário e o servidor, ele faz a conexão do computador local com a rede externa (com isso é possível acessar conteúdos que não conseguiria normalmente). No filme, Proxy é praticamente a mesma coisa. Ashley no colégio sempre foi “careta”, não saia muito, passava boa parte do tempo estudando, não bebia e usava drogas, etc. Vamos pensar nela como um usuário que utiliza o computador para fazer trabalho e coisas simples da internet. Assim que conhece Proxy, no entanto, ela acaba sendo levada uma festa e lá conhece um “mundo” diferente daquilo que estava acostumada: bebidas, drogas, pessoas viciadas em internet, videos de mal gosto e coisas mais, ou seja, uma área mais “hardcore” da internet.
            Proxy serviu como um intermédio entre a garota estudiosa e uma festa de pessoas anonimas da área /b/ do 4chan - uma espécie de fórum para postagem de imagens e discussões. O site é bastante conhecido por popularizar boa parte dos memes e também estar relacionado a ativismo. A área /b/ é um sub-fórum quase sem regras sobre conteúdo postado, quer dizer, há liberdade para postar quase todo tipo de conteúdo, inclusive coisas de mal gosto.
 Algo interessante de notar é que assim como no fórum, todos na festa, com exceção de Ashley, acabam usando nicks ao invés de nomes, algo que acaba a expondo mais que os outros. Outra coisa é o nome do chat que eles usam “HideAndGo” (Esconda-se e vá), ou seja, fique anônimo e divirta-se, algo bastante comum na internet, onde muitas pessoas só agem de forma anônima, pois assim se sentem mais “poderosas” e são capazes de fazer tudo que não fariam com a identidade exposta.
            Agora vamos para uma das principais coisas do filme, o mote “I did it for the lulz” (“Eu fiz isso pelo lulz). A palavra “lulz” vem da sigla “LOL” que significa “lot of laugh” ou “laugh out loud” que quer dizer algo como “muitas risadas”/”rindo muito alto”. É um termo bastante utilizado na internet (games, chat, fóruns...) para representar risada, zombação  Sendo assim, a mensagem “I did it for the lulz” significa algo como “Eu fiz isso por diverção”/”fiz isso pelas risadas”. Resumindo: as pessoas matam as outras na internet “for the lulz”.
            O filme tem outras referências (muitas que eu não devo ter pego), mas essas já são o suficiente para aproveita-lo e não o tratar como “apenas mais um slasher ruim”.

Diversão virtual e suas consequências

            Logo após causar a morte de alguém, Ashley começa a ter diversos pesadelos bem vívidos com o Smiley e passa a acreditar que está sendo perseguida pelo mesmo. Assim ela começa a duvidar de sua própria sanidade uma vez que muitas pessoas se mostram céticas a história do Smiley, enquanto Zane fortalece a ideia da lenda, deixando-a confusa por não saber quem está certo. E, também, por ter parado de tomar remédios (para transtorno bipolar) recentemente.
            Até o final da trama ficamos tentando descobrir se Ashley está louca de verdade ou se realmente Smiley existe... Ok, o filme é previsível mas vamos fingir que não. Seria possível um assassino que aparece logo depois de você escrever três vezes a mesma frase em um chat? Sim, logo concluímos que ela está louca. Mas por outro lado quem nunca escutou aquela frase clichê “tudo pode ser real se você acreditar”? No filme há discussões sobre isso.
            Durante as aulas da Ashley de “Introdução a razão e a ética” há diversas discussões filosóficas que contribuem para o desenvolvimento do filme, entre as discussões encontramos: ideologias, Navalha de Occam, Principio da entropia, o Mal, entre outras coisas.
            Ok, o que esse monte de discussão tem que ver com o filme?

Smiley se torna real quando as pessoas o tornam real

            Não entrarei em todas as dicussões por dois motivos: 1) ficaria aqui escrevendo eternamente e provavelmente muitos leitores preguiçosos não leriam 2) não sou nem um pouco qualificado pra falar dessas questões muito teóricas, mas farei um apanhado das ideias gerais e tentarei analisar de forma mais simples.
            Na internet, assim como no filme, muitas pessoas acabam adotando a ideologia da “diversão”, melhor dizendo, acham que a internet é um grande playground, que tudo ali não passa de uma grande brincadeira e as coisas que lá acontecem não reflete na vida real. Bom, acontece que nós já estamos cansados de saber que isso não é verdade. Quanta merda não acompanhamos diariamente por causa da internet? Pessoas cometendo suicídio, depressão, gente fingindo ser que não são entre outras coisas. Contudo, por mais merda que aconteça, só cresce a popularidade de humoristas que fazem fama em cima de desgraças e humilhações e que, quando são chamados a se responsabilizar por suas ações, apenas repetem: “era só uma piada.”.
O grande problema é que as pessoas só olham a piada, não vendo a consequência da mesma, do mesmo modo que no filme as pessoas contemplam a lenda por diversão, mas não pensam da dor da pessoa que está do outro lado. Me atrevo a dizer que todos nós (ou grande parte) somos todos mini-assassinos em potencial que cometem crimes para auto-satisfação.
            A questão é que, às vezes, uma brincadeira que parece inocente acaba fugindo do nosso controle e tomando proporções muito maiores do que deveriam. Tanto é que em uma das aulas há uma reflexão exatamente sobre isso. Nossa concepção do mundo, geralmente, se dá por definições pré-definidas, quer dizer, sempre pensamos nas coisas como coisas já “acabadas”, nunca consideramos as mudanças que elas podem ir sofrendo com o tempo como, por exemplo, um organismo vivo. Pensamos em um animal pelas suas características e pelas coisas que a biologia nos ensina e, assim, o tomamos como um organismo que está completo e estável, entretanto, estamos sempre em constante evolução e adaptação. Não entendeu? Ok, pense em um cachorro, nós sempre o concebemos como um bichinho bonitinho de quatro patas que adora brincar e morder (destruir) nossas coisa, entretanto não sabemos como será o cachorro daqui a milhares de anos, afinal somos todos “vítimas” da evolução. Quem sabe os cachorros não aprendem a falar e escravizam os humanos? Nunca saberemos.
            A internet (e a tecnologia) está cada vez mais se assemelhando a um organismo vivo, quase tudo que se faz dentro dela acaba gerando consequências e, de certo modo, tomando “vida própria”. Não sabemos a direção que essas transformações estão tomando, sendo que poderá ocorrer coisas tanto boas quanto ruins. Uma brincadeira virtual entre um grupo de amigos pode atingir milhares de pessoas; aquilo que pertencia a algumas pessoas se torna mundial. Não estou dizendo que as máquinas vão escravizar os humanos (se é que já não fazem), mas que o computador age inconscientemente... Será que alguma hora não agirá conscientemente?
            Em uma discussão durante o filme o professor diz: “O mal é produto da humanidade.(...) Pense nas pessoas e no que elas fazem. Nós somos uma perfeita máquina de suicídio planetário. Tudo que precisa fazer é dirigir, consumir, começar uma família. Não existem maneiras mais eficazes para um ser humano acelerar a extinção planetária. Não precisa fazer nada de espetacular para desempenhas um papel importante no grande projeto humano de destruição do mundo.(...) Você acha que isso é o mal? Estamos apenas fazendo o que sabemos, não é?”
Isso mesmo, você com sua vidinha medíocre é, também, um dos responsáveis por toda a merda do mundo, mesmo sem perceber.

*

Outra coisa que o filme acaba mostrando é a indiferença da policia com crimes virtuais. Geralmente tratam crimes virtuais como coisas que não pertencem a realidade, principalmente em casos como racismo, bullying  e outros que parecem “não valer o esforço”. É muito mais fácil ignorar do que tentar punir os culpados. O problema é que, assim como no filme, isso costuma acabar em morte.

Previsivel mas coerente (Spoiler)


Depois de tudo que escrevi você já deve imaginar o final do filme. Sim, caro leitor, tudo não passa de uma grande brincadeira das pessoas do fórum, ninguém morreu de verdade e apenas criaram um lenda para assustar a nova garota. Mas, como já disse, às vezes, as brincadeiras fogem do controle e matam alguém de verdade.
Ok, o final é algo que você já espera. Em diversos momentos o filme dá dicas sobre isso. Percebemos que o assassino usa mascaras e só em sonhos o Smiley é realmente um bixo feio, que os amigos que drogavam Ashley entre outras coisas... Ok, é previsível  mas teria como fazer um final melhor e continuar coerente?
Vi muita reclamando sobre o final ser previsível, porém não consigo pensar em nenhum outro que seja coeso com aquilo que o diretor quis mostrar durante o filme. Prefiro um final previsível, contudo, que tenha sintonia com todo o contexto, que algo surpreendente  o qual jogue no lixo tudo aquilo que o filme construiu.
Voltando para o enredo, após uma morte real ocorrer, todos aqueles que construíram a lenda continuam levando na brincadeira, tratam como uma vitória do Anonymous (um grupo de usuários que agem anonimamente geralmente associado a “hacktivismo”, muitas das suas atividades estão ligadas a liberdade das pessoas na internet e coisas do tipo, entretanto muitos utilizam do anonimato e da fama do Anonymous pra cometer crimes virtuais para prejudicar ou se esconder atrás da sua ideologia) mesmo o grupo não sendo do Anonymous, ou seja, os “Trolls”, como eles se denominam, são apenas mais um grupo que se aproveitam do Anonymous em algumas questões, mas não compartilham da ideologia “ativista” e fazem coisas não para mudar o estado das coisas, entretanto para se divertir (mesmo que essa diversão seja meio mórbida).
            Logo depois da morte alguém fala: “sendo assim, Smiley também morreu”, afinal tudo foi criado apenas para assustar Ashley, todavia, a internet é um ambiente onde as coisas não morrem, elas continuam se propagando e tomando proporções ainda maiores do que deveriam. Smiley deixa de ser um e passa a ser qualquer um...

“Todos nós somos capazes de fazer os atos mais horríveis, as mais cruéis atrocidades. Simplesmente fazer algo só porque você pode fazer. Mas o que nos previne de fazer o impensável? De cruzar a linha entre a luz e as trevas?
Toda comunidade vive sob um código moral. E quando esse código se quebra. Deve-se acreditar que algumas forças do universo são libertadas. Pontos devem ser marcados. Homenagens colecionadas. Claro... Nunca saberemos com certeza as consequências de nossas ações. Mas de uma coisa sabemos, com certeza. Todas as ações tem consequências. E na luta entre o bem e o mal...Nunca saberemos quem vai rir por ultimo.”

Devo mandar mensagens assassinas pela internet?

            Não amiguinhos, como vocês já viram, mesmo não dando pra sumonar um assassino do outro lado da tela, é possível matar pessoas com a internet, então nada de trollagem. Contudo, quanto a assistir o filme, contrariando 99% das pessoas, eu digo sim. A película, tecnicamente, não surpreende em nada, apenas segue os padrões de outros filmes do gênero da mesma época, mas também não tem nada de terrível. Fora isso, a proposta e as discussões dele são muito bacanas.
            Smiley, apesar de ser um “slasher”, não pode ser visto como tal. Não espere sangue jorrando na sua cara, perseguições alucinantes ou um assassino que irá virar um ícone como Leather Face ou Jason. Assista ao filme com a mente aberta, tentando compreender o significado de cada elemento que está no filme e as reflexões e críticas que o mesmo faz, até mesmo no nome dos personagens existe algo por detrás.
            Infelizmente, Smiley é um filme que já nasceu morto, um trailer que não parecia trazer nada de inovador a não ser um assassino que arrancou risos de muitos e com uma proposta que nem todos compreendem ou sequer tentam compreender. O filme está MUITO longe de ser um clássico, mas merecia um pouco mais de respeito por trazer uma proposta diferentes (mesmo que usando milhões de clichês) em uma época tão ruim para o gênero.

Trailer:
           

3 comentários:

  1. Exatamente como você comentou, não busquei assistir o filme por causa das péssimas críticas. Mas gostei tanto da postagem e dos pontos que ela levantou que procurarei assisti-lo.

    Grande abraço e obrigado pela resenha. 8)

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  2. Cara...uma coisa me chamou a atenção no texto...o uso do anonimato!!!

    Tenho um blog, e sempre que recebo críticas severas, elas foram escritas por pessoas que não se identificam...O anonimato protege os bons e o maus...

    A harmonia da vida em sociedade exige que a gente siga certas regras, que não devem ser esquecidas no mundo virtual!!!

    Ótimo texto, afinal ele conseguiu apagar centenas de comentários negativos que li sobre esse filme, e agora tenho reanimada minha vontade em assisti-lo.

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  3. Opa, vlw Pensador e Noite Sinistra. É sempre bom ver que as resenhas despertam curiosidade sobre os filmes escolhidos. (depois que assistirem falem oq acharam do filme) ;D
    O filme não é ótimo, mas tem umas idéias muito bacanas.

    Pois é Noite, o anonimato é um problema, ao mesmo tempo que é algo interessante pra se ter na internet, ele também serve como uma proteção pra que as pessoas façam o que quiserem e não sejam responsabilizadas. Parece que esse anonimato acaba viciando e as pessoas vão perdendo, cada vez mais, os limites. Tem até uma tirinha do Gus Morais que postamos logo depois da resenha, ele aborda isso.

    Abraços,
    sempre que possível venham tomar uma xícara de Café com Tripas ;D

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