domingo, 10 de março de 2013

Resenha: Frankenhooker - Que pedaço de mulher (Frankenhooker)


            Você tem uma/um namorada(o)/mulher/noiva(o)/marido/amante/peguete/ cabritinha ou qualquer parceira(o) que você ama muito?
Já pensou no que você faria se ela(e) morresse triturada(o) por um cortador de gramas? O quê? Como assim você nunca pensou nisso?



Frankenhooker
Um Frankenstein rodando bolsinha na esquina

Frankenhooker é, de certo modo, uma releitura oitentista (apesar de ser feito nos anos 90) do clássico Frankenstein, entretanto, não pense que o filme é apenas mais uma tentativa de cópia e/ou algo totalmente destituido de valor. “Frankenputa” consegue unir tanto certas abordagens do clássico como também de problemas sociais presentes na época em que o filme foi produzido - e claro... a trasheira que tanto amamos.




Título original: Frankenhooker
Lançamento: 1990 (EUA)
Duração: 85 minutos
Direção: Frank Henenlotter





Até que o cortador de grama nos separe

Depois de ver sua namorada ser triturada por um cortador de gramas, Jeffrey decide tentar reconstruir o corpo de sua amada com pedaços de prostitutas e assim revive-la.

Frankenstein, Zorro, prostitutas, dorgas... Que porra é essa?


Jeffrey é um eletricista que nas horas vagas faz experimentos científicos que envolvem medicina, afinal quem nunca aprendeu na internet (ops... naquela época nem internet direito tinha) como ser médico no tempo livre, fazer redução de estomago na namorada e reconstruir cérebros mecanicamente?
Enfim... Ele vai casar com Elizabeth, uma garota gordinha que vive preocupada com seu peso, mas não consegue largar se vício – comida. Ocorre que no dia do aniversario do seu sogro, ela é atropelada por um cortador de gramas que ele mesmo modificou, estraçalhando todo o corpo da moça, restando apenas a cabeça.
Com seus conhecimentos em medicina e eletricidade, Jeffrey, decide dar uma de Dr. Frankenstein e reconstruir sua amada, no entanto, para isso precisa de um corpo... E não qualquer corpo...
Se posso reconstruir minha namorada do jeito que eu quiser, por que reconstruiria igual? Por que não a deixar mais gostosona? Por que não criar a mulher perfeita? E pesando assim nosso protagonista vai em busca de diversas prostitutas, de maneira a conseguir a melhor parte de cada uma... Literalmente.

A mulher perfeita

Durante o filme percebemos a necessidade de Jeffrey tentar reviver sua amada com um corpo perfeito, contudo, ele não busca apenas um corpo sarado para colocar a cabeça de sua namorada, mas busca as melhores partes de outras pessoas sem se importar com o que ele terá que fazer para consegui-las.
Antes de Elizabeth ser triturada, o casal se amava e o fato de que ela era gordinha não se tornava um empecilho para a felicidade de ambos, por isso, por que revive-la com um corpo totalmente diferente? Será que ele fez isso por ela que as vezes reclamava de sua forma? Ou pra que tivesse uma mulher “mais” gostosa? Ou foi para satisfazer uma demanda da sociedade?
Particularmente, eu chutaria dizer: os três...
É notável que Elizabeth é uma boazuda que utiliza espumas dentro da roupa para aparentar que é mais cheinha, entretanto, mesmo com os enchimentos não diríamos que ela é uma mulher gorda. Sendo assim, o filme, de certa forma, brinca com essa questão da mulher perfeita, pois nos permite ter uma visão bem diferente daquela da personagem.
Mesmo não aparentando para quem assiste, a namorada de Jeffrey se sentia balofa e vivia escutando sua mãe falando sobre seu corpo. Algo bastante semelhante com aquelas garotas que tem um corpo legal, mas nunca estão felizes, sempre querem emagrecer mais e mais.
Essa visão gorda de si mesma da Elizabeth, a pressão social sobre as gordinhas, e o aumento da busca por milagres emagrecedores pode ser explicado pela ditadura da beleza (algo que já discutimos aqui em filmes como Universidade do prazer e O vingador tóxico).

É o seguinte: nossa sociedade de certa forma estabeleceu os conceitos de bonito e feio, com isso, a beleza tornou-se algo padronizado e quase tudo que fuja desse padrão passa a ser considerado “feio” ou “não belo”. As pessoas deixam de tentar ver belezas individuais e passa a tratar a beleza por comparação: “essa mulher é cobiçada no filme, logo ela é bonita”, “ela é modelo e magra e todos a desejam”, “essa é gordinha e está encalhada na novela, logo ela é feia” e assim por diante.  A partir disso as pessoas criam um padrão mental de beleza, passando a julgar quase tudo com base nele e influenciando aquelas pessoas fora do padrão a fazerem de tudo para que consigam se enquadrar nele, mesmo que precise entrar na faca e se submeter a diversos incômodos.

Frankensteins modernos

Do mesmo modo que o Monstro de Mary Shelley era um ser que representava a falta de contato com a sociedade e falta de referência dos valores humanos, as criaturas das mitologias modernas partem na contramão, são puras criações sociais. Nesse contexto começamos a encaixar uma das ideias centrais do filme: a construção da mulher perfeita, que, na verdade, não passa de um amontoado de peças sem vida.
Logo no inicio do filme percebemos que Jeffrey é meio obcecado pela namorada, sendo que, mesmo depois de morta, ele faz jantares românticos com a cabeça dela. Há, de fato, um sentimento de amor de Jeffrey para com Elizabeth, porém, com o decorrer do filme, percebemos que esse amor acaba sendo encoberto pela paixão verdadeira de Jeffrey, seu hobbie, a “medicina bio-elétrica”. Bem dizendo, ele quer reviver sua amada, mas o processo e a conquista de fazer algo único acaba parecendo muito mais interessante que a ressurreição em si. Tanto é assim que, após sua morte, Jeffrey faz de tudo para tentar revive-la, contudo 90% do seu esforço é voltado para o corpo. Raramente notamos uma preocupação com manter a personalidade.
Não temos muitas informações sobre a personalidade de Elizabeth, ela morre logo no inicio. Entretanto, percebemos que apesar de ser “gordinha” ela não sofre por isso, queria emagrecer, mas nem por isso deixava de viver sua vida, inclusive, em certo momento ela até diz algo como: “já tentei varias dietas, mas nenhuma resolve, sou uma comedora compulsiva”. Quando Jeffrey consegue ressuscita-la, todavia, ela deixa de ser ela mesmo e passa a ser os pedaços daquelas pessoas que formam seu corpo, quer dizer, ela deixa de pensar por si própria e passa a repetir a fala das prostitutas que compõe seu corpo.
Podemos pensar em Jeffrey como uma representação da “sociedade” e Elizabeth como a representação da mulher singular. No filme, ele a quer bem, mas faz com que a moça se torne alguém totalmente diferente fisicamente para preservar um valor que ele próprio respeita. Da mesma maneira na sociedade as pessoas não querem, em última instância, mudar a personalidade das demais, porém acabam bombardeando uns aos outros com imagens pessoas magras, clinicas de estética, alimentos sem açúcar, e outras coisas que a sociedade crê como sendo boas ou modelares. Apesar disso, quando alguém consegue mudar fisicamente para se adequar a isso, percebe-se que ela  também não é a mesma e se tornou apenas mais um produto daquele monte de informações sistematizadas.
Algumas garotas passam por um processo de “Frankenstização”, ou seja, elas deixam de ser elas mesmas e passam a fazer de tudo para ter o corpo de outras pessoas - maquiagens, lipos, plásticas... - sendo que, no fundo, acabam se tornando algo sem vida, apenas uma reprodução daquilo que foi idealizado por outros. E como já estamos cansados de saber, algo idealizado funciona muito melhor nos sonhos do que na vida real.

Crackwhores


Algo bastante exposto no filme é a questão dos vícios, percebemos que diversos personagens dependem de algo pra se sentirem bem, não apenas drogas. Elizabeth, apesar de pouca participação, fala do seu vicio de comer. No personagem Jeffrey podemos ver dois estímulos viciantes aos quais ele responde sempre: o primeiro seria na própria Elizabeth, sendo fácil notar isso por sua aparência perto dela e longe, no momento em que ele estuda em seu quarto, reparamos sua aparência pálida e descontrolada, contudo, assim que vai para o porão e pega a cabeça de Elizabeth sua fisionomia muda, ficando mais corada e mais equilibrada;  um  segundo estímulo seria a furadeira do personagem - não entendeu? Eu explico: Jeffrey tem uma furadeira e, sempre que precisa pensar melhor, ele a coloca na cabeça, fazendo um tipo de lobotomia com a qual acelera seus pensamentos e chega mais rápido a solução de problemas.
Eu acho que qualquer blog normal não diria isso, mas como este aqui se chama Café com Tripas e lida com gente meio perturbada, vou dizer: crianças, não tentem fazer isso em casa!
Voltemos ao filme. Um de seus pontos principais são as “Crackwhores”, palavra que se refere a prostitutas que vivem para o crack. Quase tudo aquilo que ganham com os programas é gasto com drogas, e isso, muita vez, gera uma situação de submissão ao traficante. No caso do filme, especificamente, também ao cafetão, um sujeito chamado Zorro (pelo nome até já imagina o naipe do cara né? Bombado, tatoo, bigode, camisa aberta, vários colares e um medalhão com um Z gigante no peito). É interessante notar que todas as garotas que trabalham para ele tem um Z tatuado no braço, como se indicasse propriedade, isto é, o viciado acaba sendo controlado pela droga e, consequentemente, por aquele que controla a droga.
Sabendo disso, Jeffrey compra um pouco de crack com Zorro e, por meio de seus conhecimentos científicos, cria um Super-Crack que explode quem o utiliza. Sim, isso mesmo, você não leu errado: quando a pessoa utiliza a droga ela explode como se tivesse fogos de artifícios dentro de si.
Nosso protagonista se vale dessa droga para conseguir aquilo que  quer, as partes perfeitas do corpo...
(Só acho estranho que ele vá matar as prostitutas para roubar suas melhores partes e que, para tal, tenha a brilhante ideia de explodi-las. QUE PORRA DE IDEIA É ESSA? Como ele sabe que não vai explodir a merda do pedaço que ele quer? Não seria mais fácil mata-las sem explosões?


Não sou eu, é a droga


No filme, assim como na vida, fica bem aparente que nessa questão dos vícios, independente qual estejamos falando, sempre há aquele se prejudique e aquele que tire vantagens em cima disso. Tanto Zorro quanto Jeffrey usam do vício das prostitutas para conseguir aquilo que desejam, que no caso de Zorro é dinheiro e submissão das moças e, no de Jeffrey seus corpos.
Sempre pensamos no vício como algo ruim, e de fato é, mas, querendo ou não, há alguém por trás que está muito feliz com isso; é só pararmos pra pensar nas industrias de cigarros que ganham em cima do vício, nas igrejas que ganham em cima da fé, ou até mesmo as industrias de estéticas que inventam milhões de “soluções milagrosas” para aquelas pessoas que são viciadas em comida. Muitas vezes, essas mesmas pessoas que se beneficiam, lavam as mãos quando são acusadas de gerar o problema do qual se alimentam, afinal quem nunca escutou coisas como “eu apenas produzo, não obrigo ninguém a usar”.
Isso é exposto bem nitidamente no filme, tanto que, numa cena antes de Jeffrey drogar as prostitutas ele diz: “Eu não vou matar ninguém, quem vai matar é o crack, logo, se alguém morrer a culpa não é minha”, quer dizer, mesmo ele mesmo criando um super crack que exploda as pessoas, recusa-se a aceitar sua culpa no processo.
É de se notar que há uma certa razão no que ele pensa, embora também haja culpa. Não entendeu? Então vamos pensar em duas questões abordadas no filme, o corpo perfeito e o vicio. De certo modo, muitas coisas relacionadas a questões estéticas já se tornaram um vício (malhar, dietas, remédios emagrecedores, entre outras). Todas as pessoas que lucram com isso nunca admitem que contribuem para o problema, e afirmam que esses produtos são apenas soluções, esquecendo-se, assim, que elas ajudam a promover uma padronização da beleza, quem é magro é bonito e quem é gordo é feio. Aliás, o mesmo ocorre com as indústrias de cerveja, por exemplo, elas se isentam da responsabilidade social quando dizem que não são culpados pelas mortes que ocorrem no transito por culpa do álcool e o crescimento do alcoolismo com menores de idade, ainda que contribuam diretamente para uma sociedade construída sobre um um barril de chopp, em que todos que não bebem são ridicularizados e que em todos os comerciais se representam pessoas legais, descoladas, bonitas e gostosas bebendo, passando a mensagem de que aquilo vai fazer de você uma pessoa muito melhor.
Logo após que as prostitutas pegam as drogas Jeffrey até tenta impedi-las, mas é a mesma coisa que falar para alguém em abstinência “não cheira isso ai não que vai te matar”. Ele criou a situação e colocou o vicio e o viciado no mesmo espaço, por mais que ele tente avisar, isso não livra-o da culpa.
O filme não seria um tipo de representação da sociedade então? Será que não somos todos Frankensteins construídos socialmente para agir de acordo com aquilo que os empresários querem e passarmos a acreditar que nossos vícios são questões pessoais e não influenciadas? Não apenas drogas lícitas, contudo será que também não existe uma espécie de marketing para as ilícitas? Não digo propagandas de tv, mas será que muitas pessoas não usam apenas porque aquilo é ilegal e vai fazer dela uma pessoa diferente e com experiências diferentes do comum?
É engraçado que tememos o monstro de Mary Shelley, um ser construído sem valores e sem entender seu papel no mundo, que tentava se relacionar com as pessoas, mas era mal compreendido; alguém que deveria ser amado ao invés de temido. Entretanto, idolatramos todas as outras criações que nasceram com vida embora preferissem se tornar vazias e dependente de seu corpo para conseguir qualquer relação social.
A criatura do Dr. Frankenstein podia ser feia, porém tinha muito mais valor que muitas criaturas bonitas que vemos por aí...

Devo explodir algumas prostitutas e criar a mulher perfeita?


Claro que não leitor, prostitutas também são pessoas como eu, você e sua mãe, além do mais, todos nós sabemos que essa história de mulher perfeita é balela.
Frankenhooker é um filme obrigatório a todos os fãs de cinema trash, ele traz uma ótima homenagem (sem perder a originalidade) ao nosso querido monstro. O filme tem a essência dos anos 80 e tudo que nós adoramos: peitcholas (pra quem gosta), um bombado de bigode e com cara de poucos amigos (pra quem gosta), sangue, roteiro horrível porém ótimo, diálogos sensacionais, prostitutas explosivas, mulher sendo triturada por um cortador de grama, coisas sem noção como os jornais do filme que apresentam um jornalismo quase tão ruim quanto o do Datena e uma monstra boasuda - quer mais o quê?
Se você não tem uma cabeça de ex-namorada aí na sua casa para reviver, recomendo que vá ao primeiro site locadora e baixe alugue o filme agora, antes que seja triturado por um cortador de gramas.

Trailer:


I ain't looking for no head… From some fucking living dead
Dirty ass Frankenhooker, got no class graveyard strutter

Espera ai, não vai embora não. Antes de acabar com a postagem gostaria de postar um música feita pelo “The 69 Eyes” baseada nesse clássico do cinema trash. A música homônima fala um pouco da falta de classe da “Frankenputa” e da necessidade de Jeffrey ter Elizabeth para ele de uma maneira um pouco mais rock n’ roll.
Pra quem não conhece a banda, o “The 69 Eyes” é um grupo finlandês de “Goth n’ Roll” (Enfim, cada lugar classifica de um jeito, acho que isso resume melhor a ideia) formada em 89, tendo moldado seu estilo conforme o tempo. No inicio havia uma forte influencia do hard rock, mais tarde ela entrou em um clima um pouco mais dark e hoje faz meio que uma mescla dos dois.
É uma banda que provavelmente voltará aparecer logo logo no Café, pois tem bastante influencia de filmes de terror, tanto que uma de suas musicas mais conhecidas é uma homenagem ao clássico “Lost Boys”.
O “69” é uma das bandas que eu mais escuto e gosto, então faz o favor de baixar comprar todos os Cds da banda agora, aumentar o volume e gritar “DIRTY ASS FRANKENHOOKER” junto comigo.

The 69 Eyes - Frankenhooker


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