domingo, 26 de maio de 2013

Resenha: As aventuras de Sérgio Mallandro


Diga, leitor, você está desesperados por um bom filme trash?
Você está desesperado?
Você está desesperado!?
Então grita: ahh!
Grita mais alto, mais desesperado: ahhh!
Que se abra então a porta dos desesperados!



 

Título original: As aventuras de Sérgio Mallandro
Lançamento: 1985 (Brasil)
Duração: 82 minutos
Direção: Erasto Filho





As aventuras de Sérgio Mallandro
A procura da felicidade


Pois é, leitores e leitoras do Café com Tripas, por incrível que pareça esse filme realmente existe, eu o assisti e vou contar essa experiência para vocês. Mesmo.
Personagem que está entre o cômico, o infantil e o escatológico, que na lendária Oradukapeta infringiu todas as prescrições da pedagogia e da psicologia infantil dos últimos cem anos, Sérgio Mallandro vive na memória de qualquer um que tenha sido criança nos anos oitenta e noventa. É velharia, lógico, mas que ficou mais engraçada e desconcertante com o passar dos anos. Mallandro é tudo o que uma criança não deveria assistir, o pior exemplo que um ser humano em formação poderia presenciar e a influência definitiva dos descaminhos da vida, no entanto, é também o tipo de figura que - para todo o sempre - ficará guardada com carinho em nossas memórias, até com mais vivacidade que muitos de nossos professores, colegas e personagens de livros favoritos.
Se algum de vocês não viveu esse tempo mágico em que o Brasil temia Lula e “outros comunistas”, em que a Guerra Fria congelava de vez e o muro de Berlim seria martelado até virar pó, em que a ditadura, caquética e broxa, desfazia-se em partidos amorfos os quais teriam imensas dificuldades para construir uma nova agenda política e, ao mesmo tempo, manter seus rabos presos a escusos interesses particulares, em que Raul e Renato, por mais decadentes que estivessem, ainda respiravam e valiam mais que todo o rock que se faz hoje em dia, então procure saber algo do assunto: realmente vale a pena. Porém, mais que ficar aqui lamentando e pregando o saudosismo, o que de fato é importa é que Sérgio Malandro foi um fenômeno da TV brasileira ligado a tudo o que essa mídia representava na época: da informação à desinformação, da educação das crianças pelos desenhos e programas matinais à educação dos adultos pelo telejornal e novelas, brotando das contradições trágicas e engraçadas desse tempo para nos entreter, ensinar e alienar, tudo ao mesmo tempo.
Já tá ficando desesperado?

Mallandro é Mallandro e mané é mané?

Super Poderoso, um ser milenar de grande força e sabedoria (que na verdade é o anão palhaço “Rolinha” disfarçado pela maquiagem), deseja transmitir a um sucessor digno o poder de “fazer o bem” e escolhe para tal ninguém menos que certo apresentador de programas infantis. No entanto, para conquistar isso, o escolhido deverá primeiramente encontrar o animal de estimação da moça Tininha, desaparecido há pouco, e enfrentar as maldades de Dom Pedro (quer dizer, Dom Pedro de Lara, em um de seus últimos filmes) que deseja impedir seu sucesso e obter para si o grande poder.

A obra
             
“As aventuras de Sérgio Mallandro” é uma espécie de filme infantil que se aproveita de seu protagonista - suas loucuras, sua extroversão - para tentar entreter o espectador enquanto o enrola com uma história absolutamente boba e irrelevante.
Resumidamente, o roteiro é um conjunto de improvisos, inúmeras sequências de humor físico em que o Mallandro derruba, esbarra, quebra e constrange tudo o que há em cena, subindo nos atores, tropeçando nas pessoas, puxando roupas, bigodes e perucas como um cocainado enlouquecido, amarradas pela trama do tal do Super Poderoso (deus?) que, na maior parte do tempo, é completamente esquecida para dar lugar aos improvisos hilários do personagem.
Claro: tudo isso só poderia produzir um filme abominável ou um verdadeiro clássico e “As aventuras de Sérgio Mallandro” consegue ser ambos ao mesmo tempo.
Há inúmeros problemas de decupagem que atrapalham o entendimento da história, faltando que cenas que explicam certos acontecimentos, como verbos ausentes no meio das frases, e que são “consertados” por meio da amostragem de desenhos com narrações que explicam essas lacunas e dão ao filme uma aura trash que faz inveja a qualquer longa-metragem da Troma. No meio de tudo isso vemos um show com alguns músicos da época, várias participações especiais que não acrescentam nada ao roteiro, mudanças de enredo que não tem sentido e não conduzem a nada, personagens que desaparecem para mais tarde voltar à trama sem que entendamos o motivo, atuações engraças e canastronas e cenas que, assim como o filme, não tem qualquer razão de existir... Enfim, se você entendeu aonde quero chegar, verá que não estamos diante de um filme qualquer, mas de uma obra prima!

Mallandro, eu escolho você!

Ele é malandro, mas é também um cara muito legal.
Quando chegar vai levantar seu astral.Tremendo cara de pau.
Gosta só do natural, é contra o artificial.
E também é normal na sua luta pelo bem contra o mal.

Um dos aspectos mais interessantes da história do filme é que ela não tem muita importância para a maior parte dos acontecimentos dele e, até certo ponto, mesmo para o protagonista que tem que se mover dentro dela, em outras palavras, essa coisa de encontrar o bichinho da menina Tininha e adquirir o dom de “fazer o bem” do Super Poderoso é bem pouco relevante para tudo o que acontece em cena. Esse fato implica que a maioria das cenas são livres para comportar as loucuras do protagonista, no entanto igualmente que o filme em sua totalidade não caminha para coisa alguma.
Apesar disso, o filme tem algumas linhas perenes que podem ser analisadas de maneira a entender o que se passa ou, ao menos, retirar algumas inferências interessantes. A primeira - e, penso, mais importante – seria aquela que dá significado ao filme, ou seja, aquela do poder que é ofertado ao Mallandro em troca de seus serviços. Super Poderoso - ou deus, sabe-se lá – decide entregar seu poder a alguém e declina Pedro de Lara, quer dizer, Dom Pedro, como escolhido a fim de encontrar outro. Depois disso, ele que é poderoso e sábio, usa do melhor método de escolha de sucessores de deuses inimaginável: agarra o controle remoto, liga a televisão e escolhe um pateta aleatório para o cargo. E tem mais: para sua sorte, surge primeiro e de maneira inesperada o Capitão América na tela do aparelho, lutando pela justiça e supremacia estadunidense e, mesmo assim, não atrai a atenção da entidade; em seguida, de modo ainda mais fortuito, surge Batman, o cavaleiro das trevas, que enfrenta todas as noites o crime organizado por razão de seu histórico conturbado, que também não atrai a consideração do ser supremo; finalmente, aparece um jurado de um programa de calouros com cara de mais de trinta anos, vestido como uma criança deficiente, dizendo coisas aleatórias e que, surpreendentemente, atrai a atenção de Super Poderoso, que mesmo após ouvir os apelos razoáveis de D. Pedro de que se trata de: “um louco da televisão. Não vale nada”, não muda de opinião: já escolheu seu sucessor.
No universo do filme, portanto, até um ser sábio e poderoso de cinco mil anos é capaz de ser enganado pela televisão a fim de escolher o pior no pior momento. Por isso, desligue já a TV e vá ler um livro!

*

Apesar de ter como objetivo durante o filme resgatar o bichinho de Tininha e conquistar o poder de fazer o bem, Mallandro simplesmente ignora ambas as coisas para sair por aí para fazendo aquilo em que é bom: produzir o caos. Do ponto de vista da narrativa isso é interessante não apenas porque gera cenas engraçadas, mas também porque revela que o personagem não tem muitas motivações externas a si para agir, ou seja, ele faz mesmo o que quer e não se importa muito se vai conseguir ou não atender as expectativas dos outros. Mesmo a oferta do tal poder não é capaz de motivar Mallandro a desviar um centímetro de seu caminho para corresponder ao que a entidade deseja. Na verdade, toda a jornada do personagem não parece ser mais que uma pequena aventura segundo sua ótica e não a realização de algum sonho ou objetivo grandioso, como talvez fosse na percepção de alguém mais sério. Por isso, o perfeito contraponto de Mallandro é mesmo D. Pedro: um personagem “inteligente” (segundo ele mesmo) e interessado desde o princípio naquilo que o protagonista ignora, o poder. O vilão é alguém que tem um objetivo externo que o motiva e, justamente por isso, precisa ser alguma coisa para merecê-lo, nesse caso, inteligente; enquanto nosso herói “não vale nada”, pois não possui nada externo a si que o interesse e, consequentemente, o motive a ser tornar o tipo de pessoa que mereceria ganhar isso, Sergio é apenas ele mesmo, “o louco da televisão”, com efeito, quando passar a buscar suceder o Super Poderoso, não será por um desejo de poder, mas apenas porque almejará ver Tininha feliz.
Ademais, enquanto o protagonista - que não é ou vale nada - conta com a ajuda de Zé Cocada e outros amigos em suas trapalhadas, o vilão – que é inteligente - não tem quem esteja com ele pelo que ele é, entretanto apenas subordinados contratados, por sinal, é possível que aqui se encontre a chave para que entendamos o motivo da escolha do Super Poderoso: talvez só possa ganhar o poder justamente quem não tenha nenhuma utilidade para ele e, por isso, possa usá-lo bem.
Sei que é uma relação arbitrária, porém nesse ponto me recordo do primeiro livro da série Harry Potter, em que há uma diferença fundamental entre o protagonista e Voldermort que faz com que o primeiro obtenha a pedra filosofal e o segundo não: Harry apenas quer encontrar a pedra e Voldermort quer usar a pedra. De certo modo, o mesmo ocorre com Mallandro e Pedro.

O que é felicidade?


Existe um dado que é inquestionável: Mallandro é um cara muito feliz sozinho. Tanto é assim que durante a maior parte do filme ele se esquece de cumprir sua tarefa e encontrar o tal do bicho de estimação (que no decorrer do filme é decidido que é um macaco, depois uma macaca, e, finalmente, uma macaca chamada “Nany”, o que provavelmente só foi decidido quando o longa já estava sendo filmado). Ocorrerão, no entanto, vários encontros entre ele e Tininha, personagem bastante infeliz por conta da perda de seu bicho de estimação. O relacionamento entre eles é interessante sob certo ponto de vista, pois Mallandro - a princípio - não consegue reagir apropriadamente quanto a tristeza dela, tentando substituir seu bichinho por outro e assim animá-la. O que ele não entende é que a felicidade de Tininha está ligada a um objeto externo a ela mesma – seu animal – e que, por isso, a ausência desse objeto a torna uma pessoa triste; enquanto ele é feliz apenas por existir e poder fazer as coisas que gosta. Seria possível dizer que para Tininha a felicidade é uma “coisa”, um objeto, e para Mallandro é um modo de vida, ou seja, é preciso praticar a felicidade no cotidiano. Essa diferença de concepções explica porque Mallandro não está em busca de nada durante boa parte do filme: ele tem tudo o que quer em si mesmo, basta poder sair com seus amigos e apavorar as ruas do Rio de Janeiro que até um poder vindo de uma entidade milenar vai parecer um objetivo chato para perseguir.
No correr do filme, porém, Mallandro será contaminado pelo modo de pensar de Tininha conforme vai se apaixonando por ela. Gradativamente ele verá sua felicidade menos ligada a si mesmo e mais a um objeto externo, a própria Tininha, o que o tornará feliz somente quando na presença dele. Obviamente, trata-se de algo não intencional, mas o que o filme sugere é que o amor não é (necessariamente) bom para a felicidade, pois ele a torna dependente de alguém que não nós mesmos. Assim, quando o protagonista passa pela possibilidade de talvez perder Tininha, entristece e perde sua motivação, algo que jamais aconteceria antes, já que ele era alguém satisfeito com a vida por si mesmo.
Aliás, uma coisa que me ocorre é: seria possível conciliar as duas visões, quer dizer, sermos felizes por nossas próprias ações e ao mesmo tempo envolver outros em nossa própria felicidade para aumentá-la? Francamente, não sei e acho que não vale a pena pensar nisso - nem o Mallandro, malandro que era, sabia.

Devo abrir a porta um, a porta dois ou a porta três?
  
Muito bem, leitores e leitoras do Café, caso não tenham percebido saibam que vocês estão diante de um dos grandes clássicos do cinema trash brasileiro, junto com Cinderela Baiana e outras pérolas que merecem ser apreciadas por todas as gerações futuras.
Sérgio Mallandro, assim como Silvio Santos e Mestre Kame, é um daqueles raros seres humanos a beber da fonte da juventude e jamais envelhecer. Suas bobagens continuam atuais e divertidas e vão permanecer assim por muito tempo ainda. E se esse meu elogio pobre e essa longa resenha, entretanto, não foram suficientes para convencer vocês da magnanimidade desse filme, saibam que, além de tudo isso que foi relatado, ainda há coisas que, por si mesmas, já deveriam te motivar a ver o filme: como a cena em que Mallandro se veste de padre para conseguir alguns trocados, ou mesmo saber que esse longa marca a estréia de ninguém menos que o maior galã do Brasil, o homem do negócio, senhor Alexandre Frota, que numa cena hilária, bêbado de hormônios e testosterona, decide passar uma cantada no malandrão (!) dizendo que iria ser “o Roberto Carlos da sua vida”. Assistam e confiram por si mesmos!

Trailer
(não encontramos o trailer do filme, então decidimos postar o filme completo. De nada)

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