terça-feira, 4 de junho de 2013

Resenha: Pinóquio, o perverso (Pinocchio's revenge)


            Você teve (ou ainda tem) um amigo imaginário quando era criança? Ele te pedia pra fazer coisas que seus pais desaprovavam? Mesmo quando ele te pedia pra fazer algo que você sabia que era errado, você acabava fazendo porque se não ele ia ficar bravo? Pois então, amiguinho, tenho que te falar uma coisa: seu amiguinho imaginário não é totalmente imaginário, ele existe, eles está dentro de você, só esperando o momento certo para tomar o controle...




Pinóquio – O perverso
O Pinóquio que há dentro de nós




Título original: Pinocchio’s revenge    
Lançamento: 1996 (EUA)
Duração: 96 minutos
Direção: Kevin Tenney




A menina e o seu boneco de madeira

Após ganhar, por engano, um brinquedo feito por um homem condenado a cadeira elétrica, a jovem Zoe passa a ter uma relação de amizade com o novo brinquedo que, aos poucos, vai mostrando ser mais do que um simples boneco.

O assassino e o boneco


            O filme começa com um homem sendo preso durante uma noite chuvosa: ele estava em uma área proibida enterrando seu próprio filho. Na investigação da cena a policia encontra um boneco de madeira enterrado, feito pelo próprio “assassino” como presente para o filho, assim, com o flagrante, outros assassinatos de crianças acabam sendo atribuídos a ele e piorando sua situação jurídica. Tempos depois, o suspeito assume a culpa e é condenado a fritar na cadeira elétrica embora sua advogada, Jennifer, estivesse cada vez mais convencida de que ele não era o verdadeiro assassino.
            Alguns dias após sua morte, no aniversario de sua filha Zoe, a moça acaba levando o boneco para casa e, sem querer, sua filha pega o boneco achando que era um presente. Em pouco tempo, Zoe começa a criar um vinculo com o brinquedo de madeira e coisas estranhas começam a ocorrer em torno do Pinóquio.

Sou o Pinóquio, mas não minto

            Antes de começarmos a discutirmos o filme, precisamos voltar um pouco a nossa infância e relembrar o filme do Pinóquio, que vimos tantas e tantas vezes. Bom, faz muito tempo que não re-assisto este clássico da minha infância, então falarei um pouco do que eu lembro, se estiver errado, foda-se me corrijam por favor.
            Gepeto era um homem que sonhava em ter um filho, mas que por algum motivo não pode ter, BROXA. Então ele como era carpinteiro teve a idéia de fazer um menino de madeira. Ele fez um pedido e alguma fada madrinha transformou seu sonho em realidade (Enfim, não perguntem exatamente como foi porque não lembro). Gepeto finalmente tinha um filho, era de madeira mas tinha vida. Entretanto, Pinóquio não era um menino totalmente feliz, afinal ele era de madeira enquanto todos os outros eram de carne e osso.
            Pinóquio era um menino muito curioso, talvez pelo fato de ter pulado uma etapa de sua vida, e mesmo sua consciência (representada por um grilo) muitas vezes dizendo que o que ele estava fazendo era errado, ele sempre acabava sendo convencido pela raposa a fazer coisas que seriam mais divertidas que estudar. Enfim, depois entra a história dele ser preso, do nariz crescer e blábláblá, mas já temos o suficiente para iniciar a discussão do filme.
            Todos já sabem que o tema escolhido pra semana é “nosso lado negro”, então fazendo uma pequena análise do Pinóquio, ele é um menino de madeira logo ele não é de carne e osso, ele não tem cérebro, ele não tem sistemas nervosos, acho que você já entendeu onde quero chegar. O Pinóquio por mais que ele ande e fale no desenho, ele não passa de um brinquedo de madeira, tanto que até mesmo a sua consciência não faz parte dele, o Pinóquio de certo modo é como se fosse uma marionete, ele só é real porque existem elementos exteriores a eles que o tornam real (alguém que o criou, um ser que fica dizendo o que deve fazer, etc.). Tendo isso em mente já podemos voltar para o filme.
Bom, para pensar melhor sobre o filme terei que lançar alguns spoilers, mas o filme acaba sendo tão obvio que nem podemos considerar como tal.
Zoe é uma garota que acabou de passar pelo divorcio dos pais e ainda sofre bullying de uma garota na escola. Mesmo tendo algumas amigas ela se sente só, afinal o pai está longe, sua mãe vive trabalhando e divide o tempo entre a garotinha e seu novo namorado e na escola acaba sendo reprimida por algumas outras colegas. Quando ganha o brinquedo, assim como Gepeto, ela deseja que ele ganhe vida para fazer companhia para ela. E sabe aquela frase bem piegas: “Se você acreditar em algo aquilo se torna real”? Então...
Pinóquio acaba se tornando uma extensão da própria garota, do mesmo modo que o menino de madeira tinha um grilo para agir como sua consciência e uma raposa para levá-lo para lugares proibidos, porem mais interessantes, a menina passa a ser a consciência e o Pinóquio uma forma de libertar tudo aquilo que estava preso dentro dela, mas que ela não podia fazer por ela mesmo devido aos valores sociais com o qual ela cresceu.


O bom, o mau e o boneco de madeira

            Bom, para tentar compreender melhor a relação do Pinoquio das historias que conhecemos com a história do filme vou fazer uma rápida comparação do boneco de madeira com a protagonista do filme, Zoe.
            Na resenha de “Natal Sangrento” eu falei um pouco sobre os conceitos de Freud e Jung, e os mesmos conceitos trabalhados lá podem ser utilizados aqui, se você não leu vou dar uma breve retomada:

Falando de maneira breve, Freud separa o sistema psíquico em três partes. O id, o Ego e o Super Ego. O id seria a parte na qual existem os instintos básicos, aqueles que não possuem juízo de valor, ou seja, seria o instinto, o inconsciente, a busca de satisfação sem se preocupar com as consequências. O Ego seria a “organização do id”, o id modificado pelo mundo externo, o qual equilibra os instintos primitivos do id e a realidade. O Ego busca satisfazer o id de modo realista, trazer alivio a longo prazo e não apenas os impulsos. Já o Super-ego seria o oposto do id, enquanto o id busca a auto-satisfação o Super-ego preocupa-se em agir de forma socialmente correta, o sentido de certo, errado e culpa. Além desses três podemos pensar em outro conceito, estudado por Jung, que se aplica ao personagem do filme, o Alter-ego, que seria um “outro eu” dentro da mesma pessoa.

Bom, não entendo dessa área então não me julguem se estiver errado. O Pinóquio por si só seria o Id, ou seja, um ser vazio que sua vida se basearia apenas em instintos se não tivesse influencias externas. O seu grilo representa o Super-ego, pois ele faz tudo para que o Pinóquio se comporte conforme as regras sociais estabelecidas. Já a raposa seria seu ego, ou seja, ela influencia o boneco de madeira a fazer coisas erradas para que se satisfaça seus desejos determinados pelo meio em que vive. Já a Zoe a mesma coisa, ela sem as influencias externas seria o id, comeria, cagaria e faria as coisas por puro instinto. Já a educação que recebeu dos pais, da escola e da sociedade seria seu super-ego, pois fazem com que ela se comporte como as convenções sócias sugerem. E os seus outros desejos que fogem da norma de comportamento social seria o Ego, pois seria uma forma de resolver seus problemas a longo prazo, como por exemplo matar o namorado da sua mãe para que ela tenha mais tempo pra filha, ou fazer com que a colega de sala que te inferniza sofra um acidente e pare de ir a escola.

O grilo e a raposa

Zoe, assim como o Pinóquio do desenho, é uma criança que não compreende o mundo ao seu redor. As coisas simplesmente ocorrem em torno dela e ela não sabe como lidar e quando acha que sabe, todos a julgam. Por exemplo, em certo momento do filme ela morde a orelha da colega que fica infernizando sua vida e ainda leva bronca da sua mãe por isso. Algumas convenções sociais podem parecer injustas para uma criança, “Ela pode me empurrar, rasgar meus convites, mas não posso dar o troco?”, “Por que todos os meus colegas de escola são de carne e osso e eu sou de madeira”. Ela sabe que não se deve machucar o próximo, mas se alguém a machuca por que ela não pode fazer o mesmo? Por mais que tente explicar, algumas respostas só vem com a idade... ou não.
Em uma outra cena do filme algo nos é questionado, o Pinóquio das historias infantis era um garoto bom? Segundo o namorado de sua mãe não, ele era um garoto que pensava apenas nele, seu desejo por se tornar uma criança de verdade acaba impedindo-o de ver as coisas erradas que fazia. Já Zoe tem uma opinião contraria, ele era um garoto bom, mas que em alguns momentos ele acabava saindo da linha para realizar seu maior sonho.
Tanto o Pinóquio (ou seu grilo) quando a garota sabem diferenciar bem e mal, mas o mundo não é feito apenas de dois lados, não é mesmo?
Zoe é uma garotinha bonitinha e fofa, ela é ingênua e não oferece perigo para sociedade, entretanto não podemos falar o mesmo de seu “lado negro”. Ela é alguém que, devido aos valores sociais com que cresceu, é incapaz de fazer certas coisas, sendo assim, passa todos aqueles sentimentos ruins que estavam presos dentro de si para o boneco, criando de certa forma o seu lado negro.
Ela é como o Pinóquio, do mesmo modo que o boneco de madeira dos desenhos que ela assiste é um ser “vazio” por dentro, sua consciência (o grilo) e seu desejo de fazer coisas erradas (raposa), são externas a ele, Zoe também é assim de certo modo. Calma, não digo que ela é de madeira e que não pense, mas ela não sabe balancear os sentimentos bons e ruins dentro dela, todas as suas referencias são externas. Sendo assim do mesmo modo que o brinquedo tem a raposa e o grilo, ela tem os valores e o boneco de madeira, cada um representando um lado seu.
Zoe, apesar de se exaltar vez ou outra em momentos de raiva, conseguia controlar sua vontade de fazer coisas ruins, entretanto quando ela ganha o brinquedo surge o alter-ego na história. Tanto é assim que é interessante notar que em certo momento do filme Zoe fala que Pinóquio pediu para ela cortas as suas cordas de marionete, como se ela estivesse libertando de uma vez tudo aquilo que estava preso.

Nosso Pinóquio interior


            Falei do Pinóquio, da Zoe, mas não vai pensando que você é especial não porque como você sabe, tirando nós do Café que somos perfeitos, todo o resto da humanidade são tão defeituosos quanto personagens de filmes b.
            Não precisamos ser gênios da psicologia pra saber que todo mundo tem o seu lado negro. Sabe aquele conflito interno que você tem todos os dias quando está morrendo de vontade de empurrar aquela pessoa folgada no trilho do metro? Então...
            Na maioria dos casos, em nós, pessoas normais (ok, nem tanto assim) o nosso Super-ego consegue controlar nossa vontade de quebrar todas regras da sociedade. Para algumas pessoas (e em alguns casos para nós mesmos) não é tão simples assim. Viver em sociedade não é fácil, lidar com algumas pessoas podem fazer com que todos os nossos desejos mais sórdidos subam a cabeça, entretanto precisamos seguir algumas regras, e elas nos impedem de matar algumas pessoas, mesmo que elas mereçam, mas temos que amar uns aos outro porque as pessoas são lindas e maravilhosas.
            Apesar de na resenha toda tratar desse lado negro como uma explosão do personagem em relação ao mundo, esse nosso lado pode ser algo muito mais sutil. Podem ser nossos pequenos pecados diárias que em muitos casos nem percebemos que são “manifestações sombrias”, como por exemplo o preconceito, sei que todos nós dizemos ser totalmente livres de preconceitos e blábláblá, entretanto se pararmos pra prestar atenção em nosso comportamento veremos que fazemos muitas coisas que não deveríamos.
            Não quero me estender muito (mentira, estou com preguiça mesmo), mas uma das principais discussões que podemos tirar do filme é que no fundo somos todos pinóquios, ou seja, todos nós temos nosso grilo e nossa raposa mas que muitas vezes acabamos aceitando o caminho errado para conseguirmos atingir aquilo que queremos, e nossos desejos, na maioria das vezes, não leva em conta o próximo e sim apenas você mesmo. Zoe fez sua colega de escola ser atropelada e matou o namorado de sua mãe, ela tem culpa sim, entretanto, mesmo quando chegamos no final do filme não conseguimos sentir raiva dela, porque de certo modo não é ela que está agindo, ela não fez aquilo por querer, foi o boneco. Claro que é um filme e não temos desculpas pra matar alguém e jogar a culpa no boneco, mas assim como ela acabou fazendo coisas que não queria por culpa de tudo aquilo que ela estava passando, nós também deixamos nosso lado mal se libertar diariamente.

Devo roubar o boneco de um assassino e culpá-lo de todos os meus podres?

            Não caro aproveitador de bonecos indefesos, temos que arcar com a conseqüência de nossos atos.
            Pinocchio’s Revenge é um filme bacana, mas que não trás nada muito inovador, diferente de filmes como “Child’s Play” não sentimos vida no boneco, algo que o torna bem previsível, depois de pouquíssimas cenas eu já tive certeza que o boneco não era o responsável direto por tudo aquilo que estava ocorrendo. Ele pode ter culpa sim, em alguns momentos dá a entender que ele influenciava as crianças a fazer aquilo e tal, tanto que o  filho do assassino era fissurado no brinquedo assim como Zoe, talvez você possa ter essa visão ao ver o filme, mas eu não compro essa idéia; pra mim a culpa está nas coisas que ocorriam em torno da garota (divorcio, bullying, solidão), o boneco foi só uma forma dela criar uma vida para seu lado “mal”.
            É um filme relativamente parado, classificaria ele muito mais como suspense do que como terror, não temos grandes acontecimentos e nem mesmo cenas boas de mortes (mas temos peitinhos e pepeka em uma cena do filme).
Se você gosta de filmes com objetos inanimados assassinos é uma boa pedida, mas não espere litros de sangue, cenas trash, mortes inovadoras e um vilão marcante. 

Trailer

2 comentários:

  1. É um trash quase esquecível. Seria uma premissa mil vezes melhor se o boneco fosse somente um ser inanimado, que nos poupassem (spoiler) da horrorosa cena final aonde Pinóquio se mexe, anda e corre e tenta matar a mãe da garotinha. Que deixasse o espectador com o mistério por trás de quem seria o verdadeiro assassino, que na minha opinião, nunca foi o Pinóquio, mas sim a pequena Zoe.

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