sexta-feira, 19 de julho de 2013

Resenha: Fido, o mascote


           Se você está nesse blog imundo e deprimente é provável que goste de zumbis, afinal nosso sonho é que aconteça um apocalipse zumbi para que seja possível matar (pela segunda vez) aquelas pessoas que tanto odiamos sem sermos julgado por isso. Mas existe algo melhor do que isso (e você aí provavelmente está duvidando de mim, afinal matar zumbis deve ser a coisa mais divertida do mundo): imagine se além de matar fosse possível escravizá-los para que realizassem todos os nossos desejos (sexuais e não-sexuais), e fazer todo aquele trabalho cotidiano que tanto odiamos (lavar louça, limpar casa, levar o lixo pra fora e diversos outros). Seria maravilhoso não? Claro... Se você não for o zumbi em questão.



Fido, o mascote
A zumbificação do outro

 

Título original: Fido
Lançamento: 2006 (Canadá)
Duração: 91 minutos
Direção: Andrew Currie





Guerra, zumbis e escravidão

            Após uma radiação vinda do espaço transformar os mortos da Terra em zumbis, houve uma guerra entre homens e zumbis na qual os homens conseguiram vencer evitando o apocalipse. A radiação, entretanto, continua agindo no planeta e transformando todos que morrem em monstros devoradores de carne. Nesse cenário nasce a Zomcon, uma corporação governamental que desenvolveu uma espécie de colar que inibe a vontade do zumbi por carne humana e possibilita o uso dos mesmos como servos/escravos.

Mamãe, meu melhor amigo é um zumbi


            O filme se inicia com uma vídeo da Zomcon contextualizando a situação para as crianças de uma escola (e para o espectador), falando sobre a radiação que reanimava os mortos, a guerra contra os zumbis, os estudos e as descobertas da Zomcon, o cercamento da cidade e o “colar de domesticação” que deixa o zumbi “tão gentil quanto um animal de estimação”. Resumindo, o quão importante é a corporação para a sociedade.
            Nessa sala de aula está Timmy, um garoto que não compreende muito bem a questão dos zumbis na sociedade – eles estão vivos ou mortos afinal? - e acaba se tornando melhor amigo do zumbi (Fido), que sua mãe compra para ajudá-la nos afazeres domésticos.

American way of death

Fido é um filme que se utiliza dos zumbis e do humor para fazer uma critica sutil e divertida à sociedade norte-americana dos anos 50, mas que se aplica ainda pros dias de hoje.
A ambientação da obra reproduz a típica imagem do subúrbio norte americano com o qual estamos acostumados a ver em diversos filmes: casas bem parecidas entre si, famílias (aparentemente) felizes, a mãe dona de casa, roupinhas da época, a popularização dos eletrodomésticos, etc. A única diferença são os zumbis, mas falaremos deles daqui a pouquinho.
Primeiro podemos começar comparando a época tanto do filme quanto da nossa história, os anos 50 em ambos é um período de pós-guerra, onde os EUA estabelece definitivamente seu posicionamento como grande ator internacional, fortalecendo assim a questão do American Way of Life, que resulta no avanço da indústria, do nacionalismo e conseqüentemente da exportação de valores pro mundo.
No filme vemos um pouco disso, porém nada muito aprofundado. Em alguns momentos entendemos que de certo modo a guerra, apesar de todas as baixas, foi boa, uma vez que trouxe avanços para a sociedade como um todo. Inclusive, a cidade onde se passa o filme, Willard (referencia ao filme “Noite dos mortos vivos”), parece bem homogênea e avançada pra época (carros, eletrodomésticos, pessoas sempre arrumadas e elegantes...), entretanto, assim como estamos cansados de saber, sempre tem alguma merda por trás de tantas aparências.


A própria família do nosso protagonista, apesar de parecer uma família feliz estadunidense, é cheia de podres. A mãe de Timmy, por exemplo, é uma pessoa que vive de aparências: tudo que ela faz é para mostrar para os vizinhos. Ela muitas vezes parece se preocupar muito mais com o que os outros vão pensar do que com a família em si. Quando o Timmy volta pra casa sujo, depois de ser ameaçado por dois garotos, ela não pergunta se está bem mas sim se alguém viu ele assim, do mesmo modo que ela compra o Fido não pra ajudá-la, mas sim pra não ser a única da rua a não ter um escravo zumbi.
O pai de Tymmy é ausente e prefere ir jogar golfe com alguém que não gosta do que passar o dia com o filho e com a mulher. Sua vida é de certo modo movida ao dinheiro, ele nunca gasta, pensando sempre em economizar pra outras coisas, no caso dele um funeral (algo que é caro), pois ele tem medo de zumbis e não quer virar um como os outros. Tanto que, em certo momento, sua mulher fala que está grávida e seu único comentário é: “não temos dinheiro pra pagar outro funeral”. Podemos ver sua postura ausente com a família pelo fato de ser obrigado a matar o próprio pai quando este se transformou em zumbi, o que explica tanto seu medo de zumbis como também o medo de se relacionar com a própria família e ser obrigado a passar pelo mesmo com alguém próximo, por isso sua obsessão por funerais, pois depois de enterrado não é preciso mais lidar com os mortos.
Nosso protagonista fica perdido nessa história. Logo no inicio já vemos que as crianças são educadas a pensar na Zomcom com orgulho e sempre ver os zumbis como seres inferiores (algo que acontece nos EUA, que a educação leva as pessoas a pensarem neles como uma nação superior se comparado as outras), sendo assim, eles colocam o outro em questão: os mortos-vivos sempre serão escravos e deverão permanecer assim (afinal são inferiores), além disso, aqueles que saírem da coleira morrerão (de novo). Quando Timmy questiona isso, as pessoas desviam do assunto para não gerar qualquer discussão sobre o tema. Quando sua mãe compra um zumbi e ele percebe que aquele ser sem sentimentos e sem vida que todos desprezam se preocupa com ele mais do que seus próprios pais, Timmy fica confuso.
Uma das analises que podemos fazer é que, em partes, o filme acaba explorando um pouco essa questão do vazio da vida: ficamos nos preocupamos mais com objetos e com aquilo que vamos mostrar para os outros do que a vida em si. Estamos cada vez mais cercados de coisas sem vida e nosso dia-a-dia passa a ser guiado por isso e não por nós mesmos. A relação entre homens e zumbis acabam expondo um pouco isso, já que no filme as pessoas transferiram todas as atividades possíveis para terceiros (sejam pessoas ou tecnologias) que acabaram perdendo um pouco de seu papel como humanos. As pessoas deixaram de fazer coisas básicas e passaram a se preocupar apenas com coisas que envolvam aparência ou dinheiro, tanto que todos os vivos do filme, tirando Timmy, são quase tão vazios quanto os zumbis – os pais ausentes que não conseguem ter uma relação, a velha que fica na rua reclamando o dia inteiro, um cara que mantém um relacionamento com uma morta...
Além disso, no filme a cidade está cercada por grades: é como se apesar de nos sentirmos poderosos por conseguir resolver um problema - controlar os zumbis - ele continuasse nos prendendo, impedindo-nos de sair daquilo. Ao mesmo tempo que a tecnologia nos oferece uma vida mais fácil ela também nos oferece uma forma de prisão, algo que podemos encontrar no american way of life, no qual vemos pessoas pregando a liberdade ao mesmo tempo que são presas pela mesma.

Pessoas que são zumbis... Zumbis que são pessoas


Apesar de ser possível analisar o filme a partir da perspectiva acima, vemos como principal pauta do filme a questão da zumbificação do outro. Não entendeu? Sente, pegue o Café e belisque umas Tripas enquanto explico melhor.
Em Fido vemos as “pessoas de bem” utilizando os zumbis como escravos para realizar aqueles tarefas que a sociedade prega como inferior, afinal apenas as atividades que necessitam de diploma são respeitáveis. A cidade de Willard é dividida em dois grupos os exploradores (vivos) e os explorados (os mortos), os zumbis realizam todas aquelas tarefas que ninguém quer – empregados, porteiros, entregadores (jornal, leite...), jardineiro e até mesmo “prostitutas” – enquanto as pessoas realizam os trabalhos “melhores” e nunca se misturam com os zumbis, apenas utilizam de seus serviços. Entendeu onde quero chegar?
O modo como o diretor coloca os zumbis no filme expõe muito bem a questão da imigração nos EUA, ainda mais nos anos 50 que vemos o fortalecimento do patriotismo norte-americano por conta da vitoria na guerra e também o crescimento da migração. Mas não precisamos voltar 60 anos no tempo pra ver essa relação, ela existe ainda hoje quando pensamos na questão da migração México/EUA.
Boa parte dos estadunidenses reclamam dos imigrantes, mas ao mesmo tempo são poucos que realmente tentam tirar eles dali, porque? Se não tiver imigrantes, quem fará aqueles trabalhos que ninguém quer fazer? Sendo assim, para muitos norte-americanos, os mexicanos (ou qualquer outro não-branco que migre pra lá) acabam sendo vistos como um mal necessário. O filme mostra muito bem essa questão. As pessoas estão sempre arrumadas e com roupas da época, enquanto isso os zumbis estão sempre uniformizados e encoleirados, porque assim como na sociedade as pessoas mais pobres são obrigadas a vestir uniformes enquanto os mais afortunados podem se vestir elegantemente com ternos/vestidos. Em certo momento do filme, a mãe coloca um terno no zumbi e o marido fica ofendido, como se ele tivesse que usar uniforme por toda a (não) vida para que pudesse ser diferenciado.
 Outra coisa interessante de notar é que no filme, pelo que me lembro, não tem nenhum personagem negro, apenas brancos e zumbis (que possuem uma cor escura), ou seja, ele coloca os vivos (de forma sarcástica) como superiores e aqueles não brancos como inferiores e selvagens, que só conseguem viver em sociedade caso forem domesticados. E também tem a questão da cidade ser cercada por zumbis que tentam invadir a cidade, algo que podemos relacionar com a questão da migração, já que são “pessoas” não brancas e sem vida tentando entrar na cidade para buscar algo que deseja, no caso do filme cérebros.
Agora, por que zumbis?
Simples, porque zumbis não tem vida e não tem poder de voz, eles apenas sobrevivem.
Se observarmos bem, muitas pessoas sempre tratam os pobres como pessoas que são obrigadas a servi-las e não podem ter uma vida como a dele, muitas vezes pensamos no outro como um objeto que podemos usar e abusar e não como uma pessoa. Reclamamos quando nossa empregada/o não está por perto quando precisamos, mas quando ela divide o mesmo espaço em nosso momento de lazer criticamos. Quem nunca viu alguém reclamando quando uma pessoa de outro nível social dividia o mesmo espaço que ela? Isso, infelizmente, é evidente ainda nos dias de hoje por mais que você acredite que estamos evoluindo – a culpa do transito é do pobre que ta comprando carro, a merda das cotas roubou minha vaga na faculdade, a cidade seria mais bonita se expulsassem os mendigos da rua e diversas outras barbaridades que escutamos diariamente.
Muitas vezes, pensar no outro sendo uma pessoa como você pode parecer incomodo para alguns, e pensar que elas são muito mais humanas que você pode ser pior ainda. A questão é que subjugar as atitudes do outro é algo natural, sempre criticamos sem tentarmos nos colocar na mesma situação. (Pra quem tiver interesse, no texto “dos canibais” Montaigne expõe um pouco essa questão quando compara a visão dos portugueses em relação aos índios e a visão dos índios em relação aos português, para os portugueses os índios são atrasados e critica seu modo de vida e a brutalidade de alguns rituais, mas esquecem que algumas de suas atitudes são mais perversas do que aquelas que eles criticam.)
Voltando ao filme, no decorrer da história tanto Timmy quanto sua mãe começam a perceber que Fido é muito a mais do que um mero zumbi, ele é um ser que, mesmo não sendo controlado, consegue ser bom. Desde o inicio é possível ver traços de humanidade nos zumbis, apesar dos outros personagens não se importarem com isso, entretanto ao longo da história vai ocorrendo uma humanização dos mortos, não por eles mesmos, mas sim na visão das personagens. O zumbi deixa de ser apenas um utensílio e passa a conquistar espaço no coração das pessoas (nossa, que coisa mais piegas que eu escrevi).
Resumindo, os zumbis acabam servindo como uma critica a visão (não só) dos norte-americanos perante aos imigrantes, colocando eles em situações indignas simplesmente pela falta de opção devido a sua condição social. Do mesmo modo que os zumbis são domesticados pela coleira, muitas pessoas são domesticadas pelo dinheiro, pois caso não aceitem aquelas condições podem acabar morrendo, seja de fome ou até mesmo pelo Estado, uma vez que aquele que tenta sobreviver sem se deixar ser domesticado acaba sendo executado ou preso.
Além disso tudo já discutido, podemos ver, sutilmente, a questão do relacionamento inter-racial (estou falando de amor, e não aqueles porn “black on white” que você tanto adora), existe um personagem do filme que mantém um relacionamento com uma zumbi, e percebemos que há algo ali além de mera escravidão sexual. Entretanto, apesar de evidente, nunca é algo aberto, como se ele sempre tratasse a zumbi como um objeto para que a sociedade não o reprovasse ainda mais, afinal qualquer proximidade com zumbis já é mal vista.

Devo escravizar um zumbi?

Por mais tentador que seja, necrofilia não é o caminho caro amigo/a.
Fido é um filme divertidíssimo de assistir. Ao mesmo tempo que é uma comedia, consegue trazer aqueles elementos do trash que tanto amamos, enfim, é um daqueles filmes que conseguem brincar com o contraste belo/feio, ao mesmo tempo que exibe cenários super coloridos, pessoas com roupas alegres e vivas também temos zumbis vestidos com cores sóbrias e sangue. Por não ser um filme trash ele pode ser visto por qualquer um, e quem sabe funcionar como uma ponte pra aqueles que não estão habituados com o gênero.
Além disso, como visto na resenha, o filme consegue fazer uma critica interessantíssima ao mesmo tempo que diverte e garante boas risadas. Ele pode pecar uma coisa ou outra no roteiro, mas nada que comprometa a experiência.

Ou seja, se você ainda não viu o filme, pede pro seu zumbi mais próximo ir AGORA na locadora pegar o filme.

Trailer

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