sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Resenha: Maniac


Ah, que saudades daquela época em que eu tinha menos de um metro de altura e ficava na cozinha vendo a vovó cozinhar, sentindo o cheirinho gostoso daquele bolo que só ela sabia fazer. Ou das tardes em que saia correndo pelado pela casa sem ninguém pra me julgar, afinal, ser criança é viver em um mundo onde quase tudo é permitido (e fofo). Entretanto, apesar da minha infância - e provavelmente da sua - ser lembrada com nostalgia, as de muitas crianças foram traumáticas, sendo que várias delas não conseguiram lidar bem com isso. Jason, Michael Myers e outros tantos personagens de filmes de terror estão aí pra nos fazer lembrar disso.
O filme que trazemos esta semana é sobre uma dessas crianças: senhoras e senhores tenham o prazer (ou não) de conhecer Frank Zito.






Título original: Maniac
Lançamento: 1980 (EUA)
Duração: 87 minutos
Direção: William Lustig





Colecionando escalpos

            Frank Zito, um homem mentalmente desequilibrado por culpa de sua infância traumática, assassina mulheres e rouba seus escalpos para colocar em manequins com os quais dorme e usa para manter diálogos com sua falecida mãe.

Ai, ai, mais outro slasher...


            Era uma vez um casal que decidiu passar a noite na praia pra namorar um pouco, até que chegou um assassino e degolou os dois... Fim! Sim, é exatamente assim que “Maniac” inicia, em menos de 3 minutos já temos 2 mortos e nenhuma explicação, algo bastante comum em muitos slashers: uma morte para abrir o filme e dar ao espectador um gostinho do que está por vir para depois começar o desenvolvimento do roteiro de fato. Apesar disso, não se iluda, caro leitor, este filme não é apenas mais um slasher; claro que a maioria dos elementos dele você já viu em alguns outros filmes, mas além de ser um dos precursores do gênero, também temos um assassino muito mais interessante e perturbador. Mas enfim, vamos conhecer nosso protagonista.
            No primeiro contato que temos com Frank (desconsiderando o assassinato inicial) já percebemos que ele não é o tipo de pessoa que chamaríamos de normal. Ele está sentado na cama todo suado, como se tivesse acabado de acordar de um pesadelo e chorando. Seu apartamento é cheio de velas, fotos, uma TV ligada sem sinal e manequins, inclusive um que está deitado com ele na cama. Tudo é mostrado sem nenhuma explicação: não sabemos quem ele é – apenas imaginamos que deva ser uma pessoa tão bagunçada quanto seu apartamento. E isso fica aparente no que vem a seguir.
            Frank vai pra um motel com uma prostituta e, em vez de fazer aquilo que se faz com uma, ele a enforca, algo até normal para um filme de terror, no entanto, após matá-la, ele se sente enjoado, começa a chorar e fala que não queria ter feito aquilo... E mesmo assim não exita em tirar o escalpo de sua vítima. Ao voltar pro apartamento ele coloca o escalpo em um novo manequim e conversa sozinho, como se uma outra pessoa estivesse falando com ele, no caso sua mãe como é possível ver adiante no filme.
            Em certo momento, após outras mortes e monólogos que não fazem muito sentido, Frank está andando no parque quando percebe que foi fotografado por uma mulher, Anna, com medo do que pode acontecer, ele descobre quem é a garota e vai atrás dela. Com o desenrolar da história, ele se encanta com seu trabalho e não a mata, seja porque vê um pouco de si nela – não que ela também seja assassina, mas do mesmo modo que ele preserva a beleza em seus manequins, ela preserva a beleza em suas fotos – ou talvez por ela ser um meio de alcançar outras garotas.
            Quando captura uma das modelos de Anna, antes de matá-la, ele tem um dialogo com ela (mesmo ela não dizendo nada), e todas as cenas anteriores passam a fazer mais sentido.

Eu mato, mas a culpa é sua


            Bom, vamos por partes. Nesse momento do filme começamos a entender um pouco das motivações do personagem, assim como já vimos em filmes como Boxing Helena, existe um força materna agindo sobre os personagens, mesmo que a mãe já esteja morta. O filme não oferece informações concretas, mas, poderíamos relacionar Frank ao complexo de Édipo, uma vez que a figura materna passa a estar presente em todas as mulheres com quem se “relaciona”.
            É possível entender do filme que a mãe do nosso “herói” era uma prostituta e enquanto se relacionava com outros homens, ou saia, trancava o jovem Frank no armário. Pelo que compreendi, Frank cansado disso acabou matando a própria mãe, não porque tinha raiva dela, mas sim para protegê-la dos outros homens e também para que ela não “fugisse” mais. Ele vive repetindo: “eu te amava. Os outros homens não. Então por que saia com eles? Pelo dinheiro que te davam?”. Isso fez com que a questão da sexualidade fizesse relembrá-lo de sua mãe, ou seja, quando encontra alguma mulher bonita e/ou que estivesse próximo a um ato sexual ele assume uma dupla personalidade em que sua mãe incorpora nele ou até mesmo passa a ver sua mãe ali na vítima e não a mulher de fato, tanto que nessa cena com a modelo de Anna, ele fala com ela como se estivesse falando com sua mãe.
            Você deve estar pensando: ok, ele tinha problemas com a mãe, matava mulheres que lembrassem a ela e tal... Mas por que raios roubar seus escalpos e colocar em manequins?
            Bom, vejo isso como uma forma de superar a perda da mãe mesmo que ela não fosse a “mãe do ano”. Os manequins são uma forma de suprir sua carência, por ter dificuldade com mulheres, ele acaba usufruindo de objetos para ter um relacionamento “social”, pois ao colocar os escalpos, ao mesmo tempo que dá singularidade aos manequins também atribui personalidade. Eles não são apenas pedaços de plástico; há um elemento humano neles. Além disso, um dos fatores principais seria o fato dos manequins não poderem fugir, assim, ele nunca seria abandonado novamente.
           
Frank, you’re a bad boy
           
            No filme há diversas cenas que não fazem muito sentido a primeira vez que assistimos, pois não sabemos se quem fala é o Frank ou a figura materna que age como seu alter-ego e como isso ocorre, pois em alguns momentos ele é incorporado pelo próprio Frank, em outros nos manequins ou até mesmo na própria vítima.
            Por não ter tido uma mãe presente, ele acabou criando uma figura materna imaginaria que supria sua carência e, inconscientemente, utiliza disso como justificativa para os seus crimes. No assassinato da prostituta, após a morte, Frank passa mal e lamenta o fato, entretanto seu lado maternal não. Como o alter-ego parte dele mesmo, os conceitos de certo e errado não são exteriores, mas sim algo baseado em suas vivencias. O fato de sua mãe ser bonita e o ignorar fez com que ele tivesse essa imagem das garotas, logo o seu lado maternal se revela contra essas coisas: “São todas iguais”.
            Apesar de Frank ser o assassino, é provável que essa culpa seja muito mais externa do que interna de fato. Poderíamos dizer que ele é uma pessoa perturbada, mas fica a questão: ele nasceu assim ou ele foi levado a isso? Eu particularmente ficaria com a segunda opção, acho que a ausência de sua mãe é tão culpada quanto ele que comete os crimes de fato. Não digo que ele está isento de culpa, mas algumas pessoas não lidam tão bem com os traumas.
            Em alguns momentos Frank se assemelha muito a uma criança no corpo de um psicopata, ele parece estar perdido no meio daquilo tudo, em alguns momentos é possível ver “seu lado mãe” dando broncas nele mesmo, como se ele sentisse necessidade de uma figura que o repreendesse.

Os Franks que caminham por ai...


            Frank, apesar de ser um psicopata e ter a cara de louco, é uma pessoa como você e eu: ele anda pelas ruas, toma seus pileques e ainda arruma tempo pra matar. Piadinhas a parte, ao contrário do Jason e do Myers, que andam com mascaras, Kruegers, que só aparecem nos sonhos, ou deformados que vivem nas florestas, Frank é uma pessoa aparentemente normal que vive no centro de Nova York. Ele trabalha, se relaciona com outros cidadãos quando necessário, vai no banheiro, come e todo o resto. Resumindo: o seu vizinho pode ser um assassino e você não sabe.
            Isso é um dos motivos “Maniac” ser um filme muito mais tenso do que diversos outros com monstros. Se o víssemos andando não imaginaríamos que ele mata mulheres e rouba seus escalpos. Outra característica interessantíssima do filme, é que em vez de acompanharmos as vítimas, nós acompanhamos o assassino e isso nos mostra um lado humano dele, o que faz com que muitas vezes nos sensibilizemos com a situação.
Diferente de filmes dos quais acompanhamos as vítimas e que nos fazem sempre ver o lado dos “jovens que queriam se divertir”, mas foram atacados pelo “monstro malvado”, aqui, quando acompanhamos o assassino entendemos o outro lado da história, não que concordemos com ele, mas, de certo modo, se torna mais compreensível (critica semelhante pode ser vista em Cannibal Holocaust).
O que quero dizer é que o filme evidencia o quanto somos influenciados a tomar partidos. Será que se víssemos filmes que os mocinhos são protagonistas, mas do ponto de vista do assassino, será que nossa opinião continuaria a mesma? Eu creio que não...

Devo sair tirando os escalpos das mocinhas por ai?

Não, caro leitor, fazer isso é crime e não quero que você nos acuse de influenciar seus atos obscenos.
Quanto a assistir ao filme acho que a resposta é obvia, não? “Maniac” é um clássico do gênero e merece ser visto, apesar de uma coisa ou outra o filme surpreende ainda para os dias de hoje. Temos atuação impecável do Joe Spinell com sua cara de psicopata, maquiagem e participação de ninguém menos que Tom Savini, sangue, peitinho e tudo o que um filme precisa pra ser bom. Algo interessante é que por ter poucos recursos, muitas das cenas tiveram que ser gravadas “ilegalmente”, como, por exemplo, uma das cenas mais famosas do filme, na qual Frank da um tiro de 12 na cabeça da sua vítima.
Se você ainda não viu, deixe seus manequins de lado e escute a voz de seu parente falecido para você ir agora na locadora (ou no torrent) mais próxima para alugar. Mas lembre-se, os piores monstros estão na cidade grande morando próximo a você, então tenha cuidado.
              
            P.S. Recentemente fizeram um remake de “Maniac” com o Elijah Wood, eu ainda não assisti mas as criticas que li por ai foram bem positivas. Quem sabe ele não aparece no Café a qualquer momento.
           
 Trailer

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