Ah, que saudades daquela época em que eu
tinha menos de um metro de altura e ficava na cozinha vendo a vovó cozinhar,
sentindo o cheirinho gostoso daquele bolo que só ela sabia fazer. Ou das tardes
em que saia correndo pelado pela casa sem ninguém pra me julgar, afinal, ser
criança é viver em um mundo onde quase tudo é permitido (e fofo). Entretanto,
apesar da minha infância - e provavelmente da sua - ser lembrada com nostalgia,
as de muitas crianças foram traumáticas, sendo que várias delas não conseguiram
lidar bem com isso. Jason, Michael Myers e outros tantos personagens de filmes
de terror estão aí pra nos fazer lembrar disso.
O filme que trazemos esta semana é sobre
uma dessas crianças: senhoras e senhores tenham o prazer (ou não) de conhecer
Frank Zito.
Título original: Maniac
Lançamento: 1980
(EUA)
Duração: 87
minutos
Direção: William
Lustig
Colecionando escalpos
Frank
Zito, um homem mentalmente desequilibrado por culpa de sua infância traumática,
assassina mulheres e rouba seus escalpos para colocar em manequins com os quais
dorme e usa para manter diálogos com sua falecida mãe.
Ai, ai, mais outro slasher...
Era
uma vez um casal que decidiu passar a noite na praia pra namorar um pouco, até
que chegou um assassino e degolou os dois... Fim! Sim, é exatamente assim que
“Maniac” inicia, em menos de 3 minutos já temos 2 mortos e nenhuma explicação,
algo bastante comum em muitos slashers: uma morte para abrir o filme e dar ao
espectador um gostinho do que está por vir para depois começar o
desenvolvimento do roteiro de fato. Apesar disso, não se iluda, caro leitor,
este filme não é apenas mais um slasher; claro que a maioria dos elementos dele
você já viu em alguns outros filmes, mas além de ser um dos precursores do
gênero, também temos um assassino muito mais interessante e perturbador. Mas
enfim, vamos conhecer nosso protagonista.
No primeiro contato que temos com
Frank (desconsiderando o assassinato inicial) já percebemos que ele não é o
tipo de pessoa que chamaríamos de normal. Ele está sentado na cama todo suado,
como se tivesse acabado de acordar de um pesadelo e chorando. Seu apartamento é
cheio de velas, fotos, uma TV ligada sem sinal e manequins, inclusive um que
está deitado com ele na cama. Tudo é mostrado sem nenhuma explicação: não
sabemos quem ele é – apenas imaginamos que deva ser uma pessoa tão bagunçada
quanto seu apartamento. E isso fica aparente no que vem a seguir.
Frank vai pra um motel com uma
prostituta e, em vez de fazer aquilo que se faz com uma, ele a enforca, algo
até normal para um filme de terror, no entanto, após matá-la, ele se sente
enjoado, começa a chorar e fala que não queria ter feito aquilo... E mesmo
assim não exita em tirar o escalpo de sua vítima. Ao voltar pro apartamento ele
coloca o escalpo em um novo manequim e conversa sozinho, como se uma outra
pessoa estivesse falando com ele, no caso sua mãe como é possível ver adiante
no filme.
Em certo momento, após outras mortes
e monólogos que não fazem muito sentido, Frank está andando no parque quando
percebe que foi fotografado por uma mulher, Anna, com medo do que pode
acontecer, ele descobre quem é a garota e vai atrás dela. Com o desenrolar da
história, ele se encanta com seu trabalho e não a mata, seja porque vê um pouco
de si nela – não que ela também seja assassina, mas do mesmo modo que ele
preserva a beleza em seus manequins, ela preserva a beleza em suas fotos – ou
talvez por ela ser um meio de alcançar outras garotas.
Quando captura uma das modelos de
Anna, antes de matá-la, ele tem um dialogo com ela (mesmo ela não dizendo
nada), e todas as cenas anteriores passam a fazer mais sentido.
Bom, vamos por partes. Nesse momento
do filme começamos a entender um pouco das motivações do personagem, assim como
já vimos em filmes como Boxing Helena, existe um força materna agindo
sobre os personagens, mesmo que a mãe já esteja morta. O filme não oferece
informações concretas, mas, poderíamos relacionar Frank ao complexo de Édipo,
uma vez que a figura materna passa a estar presente em todas as mulheres com
quem se “relaciona”.
É possível entender do filme que a
mãe do nosso “herói” era uma prostituta e enquanto se relacionava com outros
homens, ou saia, trancava o jovem Frank no armário. Pelo que compreendi, Frank
cansado disso acabou matando a própria mãe, não porque tinha raiva dela, mas
sim para protegê-la dos outros homens e também para que ela não “fugisse” mais.
Ele vive repetindo: “eu te amava. Os outros homens não. Então por que saia com
eles? Pelo dinheiro que te davam?”. Isso fez com que a questão da sexualidade
fizesse relembrá-lo de sua mãe, ou seja, quando encontra alguma mulher bonita e/ou
que estivesse próximo a um ato sexual ele assume uma dupla personalidade em que
sua mãe incorpora nele ou até mesmo passa a ver sua mãe ali na vítima e não a
mulher de fato, tanto que nessa cena com a modelo de Anna, ele fala com ela
como se estivesse falando com sua mãe.
Você deve estar pensando: ok, ele
tinha problemas com a mãe, matava mulheres que lembrassem a ela e tal... Mas
por que raios roubar seus escalpos e colocar em manequins?
Bom, vejo isso como uma forma de
superar a perda da mãe mesmo que ela não fosse a “mãe do ano”. Os manequins são
uma forma de suprir sua carência, por ter dificuldade com mulheres, ele acaba
usufruindo de objetos para ter um relacionamento “social”, pois ao colocar os
escalpos, ao mesmo tempo que dá singularidade aos manequins também atribui
personalidade. Eles não são apenas pedaços de plástico; há um elemento humano
neles. Além disso, um dos fatores principais seria o fato dos manequins não
poderem fugir, assim, ele nunca seria abandonado novamente.
Frank, you’re a bad boy
No
filme há diversas cenas que não fazem muito sentido a primeira vez que
assistimos, pois não sabemos se quem fala é o Frank ou a figura materna que age
como seu alter-ego e como isso ocorre, pois em alguns momentos ele é
incorporado pelo próprio Frank, em outros nos manequins ou até mesmo na própria
vítima.
Por não ter tido uma mãe presente,
ele acabou criando uma figura materna imaginaria que supria sua carência e,
inconscientemente, utiliza disso como justificativa para os seus crimes. No assassinato
da prostituta, após a morte, Frank passa mal e lamenta o fato, entretanto seu
lado maternal não. Como o alter-ego parte dele mesmo, os conceitos de certo e
errado não são exteriores, mas sim algo baseado em suas vivencias. O fato de
sua mãe ser bonita e o ignorar fez com que ele tivesse essa imagem das garotas,
logo o seu lado maternal se revela contra essas coisas: “São todas iguais”.
Apesar de Frank ser o assassino, é
provável que essa culpa seja muito mais externa do que interna de fato. Poderíamos
dizer que ele é uma pessoa perturbada, mas fica a questão: ele nasceu assim ou
ele foi levado a isso? Eu particularmente ficaria com a segunda opção, acho que
a ausência de sua mãe é tão culpada quanto ele que comete os crimes de fato.
Não digo que ele está isento de culpa, mas algumas pessoas não lidam tão bem
com os traumas.
Em alguns momentos Frank se
assemelha muito a uma criança no corpo de um psicopata, ele parece estar
perdido no meio daquilo tudo, em alguns momentos é possível ver “seu lado mãe”
dando broncas nele mesmo, como se ele sentisse necessidade de uma figura que o
repreendesse.
Os Franks que caminham por ai...
Frank, apesar de ser um psicopata e
ter a cara de louco, é uma pessoa como você e eu: ele anda pelas ruas, toma
seus pileques e ainda arruma tempo pra matar. Piadinhas a parte, ao contrário
do Jason e do Myers, que andam com mascaras, Kruegers, que só aparecem nos
sonhos, ou deformados que vivem nas florestas, Frank é uma pessoa aparentemente
normal que vive no centro de Nova York. Ele trabalha, se relaciona com outros
cidadãos quando necessário, vai no banheiro, come e todo o resto. Resumindo: o
seu vizinho pode ser um assassino e você não sabe.
Isso é um dos motivos “Maniac” ser
um filme muito mais tenso do que diversos outros com monstros. Se o víssemos
andando não imaginaríamos que ele mata mulheres e rouba seus escalpos. Outra
característica interessantíssima do filme, é que em vez de acompanharmos as
vítimas, nós acompanhamos o assassino e isso nos mostra um lado humano dele, o
que faz com que muitas vezes nos sensibilizemos com a situação.
Diferente de filmes dos quais acompanhamos as
vítimas e que nos fazem sempre ver o lado dos “jovens que queriam se divertir”,
mas foram atacados pelo “monstro malvado”, aqui, quando acompanhamos o
assassino entendemos o outro lado da história, não que concordemos com ele,
mas, de certo modo, se torna mais compreensível (critica semelhante pode ser
vista em Cannibal Holocaust).
O que quero dizer é que o filme evidencia o quanto
somos influenciados a tomar partidos. Será que se víssemos filmes que os
mocinhos são protagonistas, mas do ponto de vista do assassino, será que nossa
opinião continuaria a mesma? Eu creio que não...
Devo sair tirando os escalpos das
mocinhas por ai?
Não, caro leitor, fazer isso é crime e não quero
que você nos acuse de influenciar seus atos obscenos.
Quanto a assistir ao filme acho que a resposta é
obvia, não? “Maniac” é um clássico do gênero e merece ser visto, apesar de uma
coisa ou outra o filme surpreende ainda para os dias de hoje. Temos atuação
impecável do Joe Spinell com sua cara de psicopata, maquiagem e participação de
ninguém menos que Tom Savini, sangue, peitinho e tudo o que um filme precisa
pra ser bom. Algo interessante é que por ter poucos recursos, muitas das cenas
tiveram que ser gravadas “ilegalmente”, como, por exemplo, uma das cenas mais
famosas do filme, na qual Frank da um tiro de 12 na cabeça da sua vítima.
Se você ainda não viu, deixe seus manequins de lado
e escute a voz de seu parente falecido para você ir agora na locadora (ou no
torrent) mais próxima para alugar. Mas lembre-se, os piores monstros estão
na cidade grande morando próximo a você, então tenha cuidado.
P.S. Recentemente fizeram um remake
de “Maniac” com o Elijah Wood, eu ainda não assisti mas as criticas que li por
ai foram bem positivas. Quem sabe ele não aparece no Café a qualquer momento.
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