sábado, 15 de novembro de 2014

Resenha: A Serbian Film


            Depois de mais um atraso, devido a infestação de zumbis que ocorreu por aqui, o Café com Tripas, para compensar a ansiedade dos leitores por novas resenhas, volta com um dos filmes mais polêmicos dos últimos anos. Sim, caros leitores, vamos desmitificar esse auê todo que ocorre em torno de Serbian Film. Então tirem as crianças da sala (ou façam um sacrifício para o Exu com ela...) e venham com o tio para esse mundo de sangue, sexo e mamilos... digo, polemica.






Título original: Srpski Film
Lançamento: 2010 (Sérvia)
Duração: 104 min
Direção: Srdjan Spasojevic




A Serbian film
Mimimi sem limites

            Bom, antes de começar a falar sobre o filme vamos tocar em alguns pontos.
            Sempre que vejo muita gente comentando um filme por causa de polemica já me bate uma preguiça, não pelo filme em si, que costumo gostar por tratar de assuntos pouco mencionados nas produções culturais mais comerciais, mas sim pelo efeito manada que eles geram. Explico melhor: tudo que gera polemica faz com que desperte interesse das pessoas, até mesmo daquelas que não assistiriam ao filme caso não houvesse o burburinho em volta do mesmo. Sendo assim, muitas pessoas assistem o filme não pelo filme em si, mas para falar que assistiu, emitir uma opinião sobre e ter algo para conversar. Podemos citar filmes mais modernos como Ninfomaníaca e Azul é a cor mais quente que, apesar de “cults”, acabaram sendo bastante divulgados e muitas pessoas não acostumadas com o estilo de filme acabaram assistindo. Isso é ruim? Não, muito pelo contrario, é ótimo ver pessoas tendo mais contato com filmes que vão contra “a moral e os bons costumes”, o único problema é que algumas pessoas vão assistir esperando algo como Os Vingadores ou algum blockbuster qualquer – o que não é o caso –  e acabam se decepcionando e saindo por aí falando que o filme é ruim. O cinema é um universo muito abrangente, pra certos filmes é bom você ter algumas bases anteriores.
 Filmes mais violentos/nojentos, como o Serbian ou Saló, deixam de ser vistos como filmes e passam a ser vistos só pra falar: “olha como eu sou badass, assisti esse filme que tem sangue, tripas e fezes”, ou comentar por ai que é: “um filme pra poucos” e se achar especial porque o assistiu. Também tem aqueles que simplesmente saem por ai falando mal por  não estarem acostumadas com o gênero, e não conseguem ver mensagem nenhuma além das cenas “pesadas”. Algo que já discutimos na resenha de Cannibal Holocaust, por exemplo, no qual uma cena anula todo o filme, e do Smiley que as pessoas se recusam a pensar quando assistem filmes de terror.
            Dito isso vamos para os fatos:

O filme é pesado?
Sim

O filme é tudo isso que falam?
Sim, se você nunca teve contato nenhum com filmes de terror mais tensos. Se você costuma ver terror, trash e gore, a resposta é sim e não. Não se pensarmos em gore. Sim se pensarmos na tematica.

Você recomenda o filme?
Sim, desde que você goste do gênero e não se “incomode” com violência, seja ela física, sexual e moral.

            Enfim, o filme não é nenhuma obra prima, mas também não é o lixo sem sentido que falam. Perdi a conta de quantas resenhas eu li detonando o filme. Ninguém é obrigado a gostar de nada, mas se você vai defender algo ou criticar algo, argumentos são sempre bem vindos. Ainda mais o Serbian que requer um cuidado especial, por se tratar de um filme baseado em um contexto que boa parte de nos desconhecemos (guerra dos Bálcãs) e por se tratar de uma produção sérvia, algo que não estamos acostumados.
Desabafo feito, vamos tratar do filme. Como o próprio diretor disse, o filme tem como base uma critica social direcionada a Sérvia. Sendo assim, por eu não ser nenhum especialista no assunto, pode ser que eu deixe passar algumas coisas. Qualquer coisa que vocês tenham percebido a mais no filme, podem deixar comentários.

 Sex, Money & Gore

            Um ex-astro pornô recebe a proposta de estrelar mais um filme. Devido a dificuldade financeira e a promessa de uma farta aposentadoria, ele acaba aceitando. Entretanto, o filme não é um simples pornô, mas sim um show de atrocidades.

Baby, i’m gonna fuck you up


            Logo na sequência inicial percebemos que o filme não se preocupa em manter a moral e bons costumes, pois de cara presenteia o expectador com um pornô protagonizado por Milos – não se anime tanto, não temos nada além de uns peitinhos nessa cena. Ao mesmo tempo, esse filme pornô está sendo assistido, inocentemente, pelo filho Petar de seis anos do protagonista, entretanto, sua felicidade não dura muito, pois seus pais chegam em casa e desligam a TV falando que aquilo não é coisa para criança.
- Aposto que você entendeu a situação do garoto com esse negocio de estar vendo pornô e seus pais chegarem em casa, né ?
            Depois que a mãe retira o garoto da sala começamos a compreender detalhes sobre Milos. Ao pedir dinheiro para pagar as aulas do filho, a trilha sonora e o modo que a cena é construída nos faz perceber que existe um problema financeiro ali. A solução para essas preocupações estão em um novo projeto artístico de um diretor excêntrico. Mas como diria a sua avó: “Quando a esmola é muita, o santo desconfia”.
            Enfim, vamos resumir. Milos era uma estrela pornô da Sérvia, ninguém lidava com uma xota como ele e todas as mulheres com quem trabalhava se apaixonavam. Como nem só de putaria vive um homem (será?), ele decidiu abandonar a carreira e se dedicar mais a esposa e ao filho. Entretanto, ele não conseguiu se realocar no mercado de trabalho e o dinheiro começou a acabar, a oportunidade oferecida é considerada mais pela necessidade do que pela vontade de voltar a atuar.

A Serbian History

            Apesar de eu não estar por dentro da situação da Sérvia, acho que é mais do que necessário dar uma breve pesquisada para ter uma melhor compreensão do filme. Caso eu fale alguma bobagem me corrijam, falarei brevemente a partir de uma pesquisa na internet.
            A Guerra dos Balcãs é considerado o pior evento europeu desde a 2ª GM. A desintegração da Iugoslávia ocorreu na década de 90, por diversos motivos, mas principalmente étnico. A Iugoslávia era uma região onde viviam sérvios, croatas, bósnios, eslovenos, etc. Dentro da federação os sérvios eram dominantes, tanto dentro da própria Sérvia como também possuía minorias significativas dentro de outras regiões.
            Por medo de perder influencia dentro da federação e por ter um líder sérvio na liderança da Iugoslávia, houve um enaltecimento nacionalista por parte dos mesmo, abraçando a ideia de “Grande Servia”. Desavenças da 2ª GM contribuíram pra isso. Isso resultou em diversos conflitos pela região. Intervenção do exercito na separação da Croácia e Eslovênia, rivalidades religiosas entre os povos, formação de um exercito sérvio dentro da Bósnia que pregava limpeza étnica, etc.
Um evento marcante foi o massacre de Srebrenica (11 de Julho de 1996), no qual houve o assassinato de mais de 8 mil pessoas (em menos de 2 semana, 30 mil refugiados foram mortos na região). Essa região tinha sido declarada pela ONU como uma região segura para refugiados, e haviam soldados holandeses armados para a proteção da região. Entretanto, o que ocorreu é que nada foi feito para controlar o massacre, e as forças de proteção da ONU foram coniventes com o genocídio por não utilizar da influência cabida a eles para controlar o avanço sérvio na Bósnia.
Por mais que seja possível observar o desenvolvimento da região nos dias de hoje, ainda existe um trauma da sociedade perante a guerra. Os sérvios foram responsabilizados por massacres e pela desintegração da Iugoslavia, mesmo boa parte dos ataques partirem das minorias servias que viviam em outras regiões (mas houve cooperação da Servia).
Os sérvios ainda sofrem muito preconceito devido aos eventos, principalmente por ser uma historia recente.

A arte imita a vida


Bom, deixaremos essa aulinha de historia para daqui a pouco, por que existe outra questão importante no filme: a Arte.
Quando Milos se encontra com Vukmir, o diretor do filme, antes de se iniciarem as gravações, algo que é bastante questionado é a relação entre pornografia e arte. Ainda existe muito preconceito quando se trata de pornografia, geralmente sendo classificada como uma produção na qual os atores são apenas buracos para que o espectador satisfaça seu prazer momentâneo. Algo que começa na piroca e acabando no guardanapo.
Contudo, não é porque a pornografia, geralmente, é destinada a um fim especifico que não se pode sair o tradicional e explorar outras idéias. O mesmo se aplica a outros gêneros de filme, não é porque muitos filmes de terror seguem e repetem um roteiro pré estabelecido que eles são destituídos de arte. E mesmo que a pornografia seja somente o entra e sai de sempre, porque não pode ser arte? Afinal... O que é arte?
Sim, por mais “obvio” que o conceito de arte seja em nossa mente, é difícil de explicar. A palavra arte vem do latim e significa técnica/habilidade. Ok, já temos alguma coisa, pensamos mais profundamente e percebemos que nem toda produção artística necessariamente requer uma técnica ou habilidade. Voltamos pro zero. Muita gente pensa em arte como uma criação humana constituído de valores estéticos e culturais. Essa outra definição também não me agrada, porque se colocarmos um quadro pintado por um animal, muitas pessoas considerariam como arte e não se enquadraria na definição. Sendo assim, vejo a arte como um fato social, é algo que está além do homem e que não pode ser controlado. Portanto, a arte não está no objeto (filme, no livro, no quadro, escultura...) mas sim no observador. Cada individuo acaba definindo sua própria ideia de arte de acordo com a sua experiência pessoal e social, o que pode ser arte para uma cultura pode não ser para outra, e mesmo dentro de um mesmo ambiente, o que pode ser para uma pessoa pode não ser para o outra, tornando o conceito um tanto quanto impalpável. Em uma sociedade, o homem acaba sendo condicionado a aceitar uma definição de arte pautada em valores e princípios do local, moldando a concepção de acordo com aquilo que é dado – um exemplo disso é a definição de beleza que, querendo ou não, está impregnado em todos nós. Por mais que o artista seja o “criador”, não é ele quem diz se a sua produção é arte ou não, mas uma convenção social ou o individuo.
Voltamos a pergunta inicial, por que pornografia não é arte?
Simplesmente porque há uma convenção social, cheia de valores religiosos, que nos impedem de ter uma visão diferenciada, assim como, desde nossa iniciação sexual o pornô sempre foi visto apenas como um estimulo pro gozo. Isso acabou influenciando a própria industria a manter um padrão de filmes, no qual geralmente começa com um boquete e acaba com uma gozada na cara (Sim, existem outros tipos, mas quase tudo segue esse padrão, o que muda são os personagens e os fetiches inseridos).
Exatamente por esse mesmo motivo, muitas pessoas se recusam a ver Serbian Film ou qualquer outro filme violento/bizarro como um filme arte, isto é, porque desde sempre somos domesticados a ver o belo como arte e o feio como “mal gosto”.

“A pornografia não deve ser uma ilusão, mas uma vivência de transmissão sexual”

            Agora podemos partir para o filme de fato. A ambição de Vukmir ao fazer esse pornô artístico é quebrar as barreiras daquilo que se é conhecido na indústria. Ele pretende alcançar um publico que espera algo além do típico entra e sai. A fala no titulo ilustra a sua ambição: criar uma experiência natural e real que não seja coreografada, em que a surpresa seja um dos principais fatores tanto pro expectador quanto pro próprio ator, que não conhece o roteiro. Assim começam as gravações.
            Milos é levado para um orfanato abandonado com um ponto no ouvido e diversos câmeras seguindo seus passos, sua única função é seguir as instruções dadas e sair penetrando os buracos que aparecerem na sua frente. A partir daqui o filme começa a adentrar no mundo sombrio pelo qual foi conhecido. Ao caminhar pelos corredores escuros, Milos encontra uma garota de uns 16 anos sentada na escada. Sua mãe aparece e a tira daquele lugar, mas não por muito tempo, pois logo depois os seguranças a pegam e afastam-na da filha. Ao adentrar uma sala escura, Milos começa a ser estimulado por uma mulher enquanto rola vídeos da mesma garota da escada chupando sorvete e se maquiando, uma clara apologia a pedofilia e a prostituição. Aparentemente o astro pornô não se mostra satisfeito com a situação, tanto que pede para seu irmão policial investigar o diretor, mas continua, afinal, foi pago pra isso. Em uma outra sala, um dos “seguranças” de Vukmir está batendo em uma mulher (aparentemente a mãe da garota). Ela se rasteja até Milos e começa a chupá-lo, até que ele percebe que a garota está observando tudo. Ao questionar “que porra era aquela” a mulher morde seu membro e o segurança dá a ordem para bater nela, sendo que após alguns socos ele a “controla” e ela, contra sua vontade, continua o serviço. Ao finalizar o dia de gravação, Milos não se mostra feliz com o projeto mesmo com a grande quantia paga. Decidido a abandonar as filmagens, ele se encontra com Vukmir e diz que está fora. Apesar de decepcionado, o diretor parece entender a situação, entretanto tenta convencer nosso herói, e mostra seu ponto de vista mercadológico e audacioso perante a sociedade.
            A idéia central do filme gira mais ou menos assim; eu consigo ver dois caminhos de interpretação possíveis: a histórica e a pornográfica.

Uma imperceptível linha entre a guerra e o filme

“Não é pornografia, mas a própria vida. É a vida de uma vitima. Amor, arte, sangue... carne e alma de uma vitima. Transmitido ao vivo para o mundo que perdeu tudo e agora está pagando para observar no conforto de uma poltrona.”


            Na maioria dos comentários que lemos por ai fala-se sobre violência e desconforto gratuito e que o filme tem o único objetivo de chocar. Será?
            Eu discordo. O que ocorre no filme é um deslocamento de situação. O que o diretor faz, é trazer os horrores da guerra que assolaram o país para um contexto moderno, algo mais próximo do que vivemos hoje. Sim, existem exageros, mas nem por isso ele se torna mais ou menos crível. Se as cenas de estupro, pedofilia e violência fossem apresentadas em um filme histórico será que seria tão chocante? Claro que iria gerar desconforto, mas querendo ou não a historia é algo não muito palpável para nós, nos sabemos de todos os horrores que ocorreram ali, mas sempre pensamos como algo distante, raramente refletimos que os números de mortes apresentados pelo professor não são apenas estatísticas, mas sim vidas. As mortes do nosso dia a dia, seja aquelas que estudamos em historia ou aquelas que vemos no jornais se tornaram algo banalizado, não sentimos todo o peso que aquilo representa. A guerra ocorreu nos anos 90, por mais que as pessoas tentem varrer o passado para de baixo do tapete os traumas da guerra ainda são presentes e devem causar um desconforto diário em todos aqueles que presenciaram.
            Vejo que o diretor apelou no gore para escancarar um problema recente que ainda reflete no dia a dia do país. Podemos ver nas cenas descritas reflexos de tudo aquilo que ocorreu na guerra. Quantas mulheres e crianças não foram usadas e estupradas? Quantas pessoas não foram obrigadas a obedecer os soldados e fazer coisas contra a sua própria vontade? Quantos filhos não foram separados da mãe? Quantas mãe não morreram em frente ao filho e vice versa?
Se olharmos tanto o filme quanto a guerra em si, o filme parece ser ainda menos chocante.

“Onde não há vida não pode haver arte verdadeira”

O filme retrata bem os abusos psicológicos dos personagens, existem varias cenas desconexas e vemos Milos se afundando cada vez mais. Podemos ver o filme em si como uma alegoria para tudo que ocorreu na guerra.
Milos representa os sérvios que mesmo sem querer compactuaram com a guerra, bem como Vukmir é aquele que estimulou o nacionalismo e levou o povo sérvio à guerra. O filme a ser produzido é a própria guerra. Do mesmo modo como ocorre em muitos conflitos, os soldados acreditam que entram com um propósito e só percebem quando já é tarde de mais, não diferente Milos entrou achando que era somente um filme, mas assim que percebeu que era algo mais forte que ele, já era tarde de mais.
A cena do recém nascido pode ser vista nesse caso, apesar de Milos não ser o estuprador, ele é conivente com a situação - não por vontade própria, mas por já estar preso no sistema. Em certo momento Vukmir diz que Milos é o único ator do filme que não é a vitima, isso se dá porque mesmo ele sendo vitimizado pelo sistema ele está do lado do opressor e não da vitima de fato. Por maior que seja o seu trauma, é ele que está abusando. É interessante notar que em certos momentos Milos parece desconfortável com a própria ereção, mostrando que por mais que ele lute contra aquilo, algo nele parece gostar.
Podemos ver o irmão de Milos que é policial como uma representação dos soldados da ONU que deveriam estar ali para intervir, mas que no fim acabam sendo complacentes com o situação. O símbolo de autoridade que teria a capacidade de intervir na situação acaba se deixando submeter ao opressor por ter interesses na guerra, no caso do filme a esposa de Milos. Assim como o filho, Petar, representa a inocência. No inicio do filme ele (Petar) é alguém que está confuso com sua sexualidade e não entende aquilo que o pai faz, mas no decorrer do filme a sua ingenuidade começa a ser corrompida por aquilo que o cerca.
Outro ponto importante é a economia. Em toda guerra alguém sai ganhando, nenhuma guerra acontece sem ter uma base econômica. Se há guerra há alguém investindo nela e sendo complacente com a situação para o seu próprio beneficio. Do mesmo modo que Vukmir diz que ele é a espinha dorsal da economia e a única garantia de sobrevivência da nação, existem na guerra aqueles que sustentam as barbaridades, não apenas internamente como externamente. Um exemplo disso é a frase de Vukmir: “entre você e as crianças eu fico com as crianças, são minha especialidade”, ou seja, Milos é apenas um peão, as crianças são a fonte de lucro dele, independente de quem seja o ator.
Além disso, algo bastante citado é a lucratividade da vitima. Por mais cruel que isso possa parecer, a dor do outro é sempre muito rentável. A tragédia do outro se torna entretenimento para aqueles que não compartilharam da dor, basta pensar em quantos filmes não são feitos anualmente sobre a vida sofrida de alguém – câncer, sobrevivente de guerra, gente que perdeu membros, AIDS entre outras coisas. Existe uma crítica à arte e à própria sociedade: as pessoas não estão satisfeitas apenas com a ficção, elas querem ver pessoas reais sofrendo, nem que seja por meio de um “baseados em fatos reais”. Podemos chorar quando a personagem morre, mas criamos uma demanda por tragédias. E sempre que há demanda há um empresário interessado em tirar vantagem disso, independente do que precise ser feito. Querendo ou não, a 2ª GM, a guerra dos Bálcãs, o Vietnã, etc. hoje em dia, não passam de cenários para a construção de algum produto. Toda a dor não passa de espetáculo para os olhos daquele que apenas contemplam a historia triste dos outros no conforto da poltrona.

A dor que antecede o gozo


Mesmo que o diretor diga que o filme retrate os horrores da guerra, o filme, independente de ser intencional ou não, faz uma critica à própria indústria pornográfica. Então mesmo que você não tenha uma base histórica sobre os Bálcãs eu tenho certeza que você entende um pouco de pornô, afinal pra estar em um blog sujo como esse você deve ser no mínimo pervertido (brincadeira, somos todos de Deus – Aleluia).
Sempre que vemos a Sasha Grey, a Christy Mack, Stoya, ou quem quer que seja sua porn star favorita em ação, estamos apenar interessados em suas “habilidades sexuais” e esquecemos de refletir sobre o mercado pornô como um todo. Quando baixamos compramos algum filme estamos apenas interessados em sermos estimulados por aquelas mulheres que já fizeram milhões de pessoas melarem a cama, a meia, o guardanapo... mas por trás disso existe uma industria cheia de podres, injustiças e humilhação.
Para cada Milos, um ator pornô de destaque com contrato assinado, quantas meninas não sofrem para tentar entrar no mercado? Alguns minutos no eFukt você percebe a quantidade de humilhação que existe na seleção de meninas, que são ridicularizadas por serem mais gordinhas, terem um mamilo grande, terem alguma deficiência, ou qualquer coisa do tipo que fuja do padrão de beleza. Mesmo que muitas não sejam estupradas – no sentido literal da palavra – como no filme, quantas não acabam se submetendo à condições degradantes em troca de alguns trocados?
O pornô tenta passar uma imagem glamourosa, com atrizes boazudas, felizes, determinadas e que estão acima de julgamentos morais, mas ao mesmo tempo, mesmo que elas não humilhem ninguém, elas contribuem para que exista a padronização de um estereótipo de mulher. Não apenas isso como também criam uma segregação na perspectiva masculina em relação à mulher. Não entendeu? Vou explicar.
Logo no inicio do filme, Milos está vendo um de seus filmes enquanto sua mulher trabalha na cama. Ela vira para ele e diz algo como: “Porque você nunca transou comigo igual fazia com elas?” e ele responde: “Eu te amo, só comia elas”. Isso pode parecer algo comum de se escutar por aí, mas não passa de uma divisão machista entre “mulheres para comer” e “mulheres para amar”. Ou seja, você simplesmente objetifica aquela mulher que transa com mais pessoas. Só por isso ela precisa ser menos amada ou qualquer coisa do tipo? Só porque é sua namorada/mulher você não pode dar uma “trepada”? Tem que se limitar ao “fazer amor”? Sair do papai e mamãe e derivados vai fazer sua companheira mais ou menos digna de respeito? Algemar sua parceira/o na cama, usar brinquedos, ir pro motel ou qualquer coisa não ira desqualificar quem a pessoa é. A consequência disso é um relacionamento reprimido como pode ser visto em um dialogo do filme quando Milos está bebendo e alguém fala “isso mata o apetite sexual” e ele responde: “é por isso que eu bebo”.
Além do universo mais “hollywoodiano” do pornô, também existem as produções mais obscuras, algo que Serbian representa melhor. Nunca me interessei por sexo com idosos, animais, anões, crianças, bexigas, comida e etc., mas o fato é que existem pessoas que curtem essas coisas e como disse antes, onde há demanda há oferta. A partir daí começamos a entrar em um lado mais obscuro do pornô que é o seguinte: até onde podemos ir para satisfazer os distúrbios de alguns telespectadores?   Não tenho interesse em pesquisar e só de pensar já causa certo desconforto, mas até que ponto o filme exagera em suas cenas? Será que realmente não existem mulheres e crianças sendo sequestradas para fazer um “filme artístico” como o de Vukmir? Não existe tráfico de crianças para atender os anseios mais doentios de alguns poderosos, como pode ser visto no Saló? Quantas mulheres não são obrigadas a deixar que as espanquem e/ou que defequem nelas? Será que as atrizes realmente estão interessadas em fazer sexo com animais ou com cadáveres? Se existem pessoas filmando pedofilia é porque existe uma demanda que paga uma quantia provavelmente alta por isso, certo?
O filme é pesado? Sim, mas a realidade no qual ele se insere é tão denso quanto ele mesmo, o que Serbian faz é escancarar em nossa cara algo que ignoramos e fingimos não ver. De vez falarmos que o filme é extremo e desnecessário será que não seria melhor refletir sobre essa situação?
Não termine a resenha achando que a pornografia é a razão de todos os problemas do mundo, ela não é. Por mais que tenha muitos podres e muitas coisas que desaprove, ela não deixa de ter sua importância social, o que precisamos não é o fim da pornografia, mas sim uma indústria mais controlada e fiscalizada, porque os mesmos problemas que ocorrem no pornô ocorrem em outras áreas, ou você acha que Hollywood ou mesmo o mercado da moda também é todo lindo e cheio de pessoas felizes?

Metalinguagem do Sangue



Não sei se vocês tiveram a mesma impressão que eu tive ao assistir, mas o filme acaba fazendo uma critica conta ele mesmo e nós que estamos, mesmo que indiretamente, contribuindo para a banalização e exaltação da violência.
Lembra lá atrás quando falei que vítima vende? Não é exatamente isso que estamos fazendo? Não estamos consumindo a desgraça alheia mesmo que fantasiosamente?
Por mais que nós tenhamos asco de Vukmir, o diretor do filme (Srdjan Spasojevic) mesmo não usando vítimas reais ele está vendendo sofrimento e nós somos seus consumidores. Por isso, ao mesmo tempo que o filme tente mostrar um universo doentio a produção em si é doentia, e por mais que esse texto todo que escrevi tente justificar as entrelinhas do filme, nós não assistimos pela primeira vez pelo simples fato de repensar sobre a situação da Sérvia (isso é consequência), nos assistimos porque gostamos de violência.
Assim como Vukmir tente explicar suas atrocidades como um movimento artístico, Srdjan faz exatamente o mesmo. No fim, o objetivo tanto do diretor real quanto do diretor fictício é o mesmo: entregar uma dose além de violência para um público sedento por algo diferente. E no fim sabe o que fazemos? Damos mais dinheiro/fama para que ambos continuem a explorar seu respectivo mercado.

“Você é um bode Milos, eu sou o seu monge”

            Os 30 minutos finais refletem toda a podridão do filme, não que antes tenha sido leve, mas é nessa parte que se sai da teoria e entramos na prática. Após acordar sem saber o que aconteceu, entramos na loucura de Milos que aos poucos vai retomando sua memória e percebendo tudo que fez - assim como muitos soldados só percebem a loucura que foi a guerra após ele já ter voltado, quando acaba a adrenalina.
            O desfecho filme nos mostra que no fim, independente de ser inocente, culpado, cúmplice ou contra o sistema, todos saem perdendo, menos a indústria, como em uma guerra.
Assim como alguns traumas são impossíveis de serem superados...

Devo injetar hormônio de cavalo e assistir ao filme?

Injetar hormônio não, porque por mais que seu desempenho possa crescer você vai acabar fazendo merda. Quanto a assistir ao filme eu diria que sim, a não ser que você tenha problema com gore e/ou não gosta de se sentir incomodado.
Sempre que me perguntam sobre Serbian eu falo a mesma coisa: a temática é pesada, as cenas não. Digo isso porque muitas das cenas de gore não passam realismo nenhum, é tudo muito trash. Entretanto aquilo que está por trás das cenas é denso e doentio. Um exemplo disso é a cena do “Newborn Porn”, não precisa fazer esforço nenhum pra ver que é um boneco, entretanto a ideia de um cara estuprando um recém nascido é algo terrível.
Eu, sinceramente, gosto do filme, porém confesso que gostei muito mais na segunda vez que assisti e me preocupei em prestar mais atenção na ideia do filme do que no gore e nas cenas tão comentadas. Mas não apenas isso, na verdade, acho a fotografia do filme bem interessante: ela mantém uma escuridão que acompanha o filme todo, gerando um certo desconforto que te coloca na posição de um observador que é conduzido, assistindo apenas aquilo que eles querem que você veja, faltando uma clareza para ver além do que é apresentado.
            Sendo assim, se você está afim de algo doentio e que provavelmente vai te causar desconforto, Serbian é uma ótima pedida, mesmo não sendo esse pavor todo que falam por aí. Apesar disso, recomendo que assista de mente aberta, tentando prestar atenção não apenas na violência mas também nos diálogos. Caso você não goste de sangue, sexo e perversidades recomendo ficar no Bob Esponja mesmo.

Trailer

17 comentários:

  1. Jéssica Branquinho11 de maio de 2016 às 00:20

    Não vou assistir o filme porque vai me incomodar muito. Mas puta que pariu vc escreve muito bem! Fiquei presa no texto.. resenha maravilhosa.
    Acho que quando vc pega a jogada da crítica é de aplaudir em pé.. o cara foi foda.. ele abordou de uma forma chocante e que falava de tudo da guerra e da sociedade.
    Quando eu parei pra pensar em deep web (fui ouvir falar disso mês passado hahahahaha e tenho 25 anos) eu pensei exatamente isso.. as coisas são chocantes.. OK.. porém tem cliente pra isso.. a coisa existe justamente por isso.. o que torna tão macabro né.
    Arrasou virei fã!

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    1. Brigado Jéssica ;)
      É bem por ai mesmo, o mundo é muito mais macabro do que imaginamos, ai quando esfregam essas coisas na nossa cara pensamos que é exagero, mas não é, os monstros de filme de terror são gatinhos doceis perto de muita gente que existe por ai.

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  2. Nossa...estive pesquisando um pouco sobre esse filme por curiosidade....Não sei se um dia irei conseguir velo,talvez se não tivesse as cenas com crianças eu veria mesmo.
    Falam somente da violência e das atrocidades do filme..exatamente como falam de um porno..já vi ate falarem que quem é doente e nojento vai amar ver esse filme..rsrsr
    Depois de ler seu texto eu vi como esse filme vai muito além do que parece.
    Parabéns tenho certeza que nem quem criou o filme conseguiria explicar tão bem essa visão mais completa dele.

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    1. Brigado pelo comentário Gabriele.
      Então, acho que você pode tentar dar uma chance pro filme, apesar dele ser bem pesado na temática, as imagens são bem artificiais, então você acaba percebendo que é tudo fake. A cena com a criança, que todos falam, nem é mostrada, ela só é sugerida.
      Sim, isso foi uma das coisas que mais me motivou a escrever a resenha, todo mundo se limitava a falar do quão doentio ele é mas ninguém tentava entender o que levou o diretor a tomar esse caminho, mesmo ele sempre citando a questão da servia nas entrevistas.
      Hahah, não é pra tanto né? =p
      Fico feliz que tenha gostado da resenha ;)

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  3. Li sobre o filme há um tempo atrás e hoje acabei vendo o mesmo num site qualquer, decidi assistir, não precisei de coragem ou algo do tipo, parece que tenho um estômago forte para o gore.
    No inicio eu entendi o fato dele estar "vendendo" a vitimização porque sempre existiria alguém para comprar, sempre atrás de algo sujo.
    Não fui tão além com o lance de guerra como você - parabéns aliás, foi uma explicação digna do Wikipédia kkkkkkk-, mas entendi o fato de nos entretermos com a dor alheia.
    Procurei por uma resenha porque tentei entender se estava certa sobre a minha percepção do filme, na cena do estupro do recém-nascido eu pensei: "Esse cara deve ser doente, quem pensa numa coisa dessas?", depois de um tempo eu só conseguia chegar em uma conclusão:"PORRA CAMILA, HÁ CARAS POR AI QUE FAZEM COISAS COMO ESSA!" Sim, mas depois que divulgam e a mídia esquece o que há? Nada.
    Alimentamos a dor, seja comprando aquele produtinho barato Made in China feito por crianças ou assistindo um filme de terror gore.

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    1. Exatamente Camila, essa acaba sendo a questão central do filme, pelo menos pra mim. E o mais interessante é que ela ultrapassa as barreiras do filme em si. Todo mundo reclama que o filme é apelativo e tal, mas não existe nada ali que, de certo modo, não aconteça diariamente. Todo dia escutamos escutamos falar de casos tenebrosos de pedofilia (alguns deles na mesma cidade que você mora), atrocidades de guerra, casos de estupro, etc. E no fim tudo isso acaba beneficiando ou entretendo alguém. Por mais doentio que seja, sempre há demanda. Se pensar por esse lado, o filme é leve comparado ao mundo real, pq no filme você sabe que tudo é encenação e efeitos especiais.
      Até certo ponto, somos todos culpados por um monte de merda que acontece, porque estamos sempre consumindo dor, e muitas vezes gostamos disso.

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  4. Assisti o filme preocupado com as cenas que todos diziam, nisso acabei deixando muita coisa passar, após isso vi ums resenha que falava sobre a situação sérvia na época em que o enredo é retratado, e assim como você assisti uma segunda vez e entendi a história com mais clareza. Você escreve muito bem, incrível resenha.

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    1. Vlw pelo comentário Henrique.
      Sim, a primeira vez que você assiste, se não tem o contexto, acaba deixando muita coisa passar e se torna só mais um filme gore. Mas quando você tem uma base da situação começa a perceber que atras de todo o sangue tem muitos assuntos interessantes/importantes sendo discutidos.
      Acho que é por isso que geralmente não gostam do filme, vão pelo gore e esquecem do contexto.

      abraços

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  5. Assisti o filme recentemente esperando algo na linha do 8 mm do joel schumacher mas ele e bem perturbador a cena do estupro do proprio filho mesmo que nao mostrada de fato como voce mesmo disse me encomoda bastante nao gostei do filme nao e o tipo que eu indicaria aos amigos talvez a critica social seja mais interressante mesmo assim o filme e muito fraco e apelativo nota 2,5

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  6. Parabéns pela resenha crítica!!! Infelizmente esse é mesmo o mundo que vivemos, temos que ter muita força de vontade pra levantar de nossas camas todos os dias e tentar fazer oq achamos correto, rs mas esses filmes me deixam muito pra baixo.

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  7. texto bacana mas não tenho coragem de ver esse filme. sou muito impressionável.

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    1. Bom que a resenha pode ajudar nisso. Dá para ler sem tomar o choque do filme.

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  8. Amei o texto, as curiosidades e os esclarecomentos que você trás nele...assisti o filme varias vezes, tentei entender, pesquisei sobre e agora vim parar aqui, me ajudou muito a ter um outro olhar sobre ele

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    1. Muito obrigado! Dê uma olhada nas outras resenhas também, tem coisas bem legais

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  9. Só é foda que vou ter de ver escondidokkkkkkkkk

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  10. Tentei assistir o filme meses atrás depois de me deparar com o título e algumas críticas mal construídas. Sempre gostei de terror. Resultado da minha tentativa: mijei pra trás na cena do recém-nascido. Desliguei o filme assim que percebi a sugestão do estupro e não tive coragem de continuar. Sigo até hoje, morrendo de curiosidade pelo fim, mas crente que se assistir tudo irei ficar louca hahaha adorei a resenha e entendi o que quis dizer quando comecei a ver o filme. O horror está aí, velado, e imaginar que coisas assim acontecem de verdade, com toda a certeza, é o maior horror de todos. Parabéns!

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    1. Isso pode estar acontecendo agora já pensou? Já li várias resenhas sobre o filme tbem. Mas jamais teria coragem de assistir principalmente por haver cenas com crianças. O que é aterrorizante tbem é o fato de termos curiosidade sobre esse assunto. Mesmo sendo mães e mulheres.

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