Uma das coisas mais legais de
apreciar o cinema trash é que depois que você viu uns cinco ou seis obras nunca
mais vai ficar confortável para dizer que já assistiu ao pior filme do mundo,
pois sempre existirá espaço para que alguém o surpreenda com uma nova porcaria.
Bem dizendo, o trash é uma espécie Midas Reverso: tudo o que ele toca ou fede
ou gruda. Trata-se de um cinema feito por uns poucos escolhidos que tem por
objetivo criar uma porcaria mais maravilhosa que seus antecessores. Por sinal,
deve existir alguma brasilidade nisso. Acho que esses roteiristas seguem aquele
velho lema de nossa política: quanto pior melhor.
Tendo dito todas essas coisas,
recomendo que você, leitor, não leia esta resenha apenas por curtir muito os
ensinamentos do nosso chapa J.C. ou porque você já um fã degenerado deste
blogue que não tem mais escolha na vida senão clicar em cada link sujo que te
aparece, mas porque você certamente nunca viu um filme tão bizarro sobre Jesus
quanto o que iremos abordar aqui. Pelo menos por enquanto.
Lançamento: 2001 (Canadá)
Duração: 85 minutos
Direção: Lee Demarbre
Jesus Christ Vampire Hunter
Amai
o próximo, porra.
Surpreenda-se, leitor: Jesus
Christ Vampire Hunter é um bom filme. Ele consegue ser divertido e ao mesmo
tempo transmitir uma mensagenzinha mais ou menos coerente, que liga o seu
princípio ao desfecho. Por mais estranho que possa parecer, o “aspecto técnico”
é um dos maiores atrativos da obra, com vários recursos bem utilizados para
compor as cenas e uma excelente trilha sonora acompanhando (excelente mesmo:
faixas de rock, jazz e disco legais pra caramba).
Basicamente, o entretenimento é
garantido por meio de uma hora de piadinhas sobre religião, ateísmo,
lesbianismo e cristianismo, usadas numa medida não muito exagerada e somadas à
extensas cenas de ação (essas sim exageradas) que pretendem ser o maior
atrativo do filme. Para a decepção geral da Associação Nacional dos
Apreciadores do Trash, porém, não há sexo, nudez ou aquela vulgaridade gostosa
que espanta a vovó da sala e faz a alegria da galera que fica até o fim da
sessão (porque, afinal, a gente só “está só assistindo um filme”), mas essa
ausência não é lá um grande problema, pois a trama funciona muito bem mesmo
assim.
Qual
é a tua fé?
Após a ocorrência de vários
assassinatos de lésbicas supostamente envolvendo vampiros, Jesus é convocado
pela igreja católica para descobrir quem está por detrás disso e levar à
justiça divina até eles.
Você
aceita Jesus? Talvez ele não te aceite.
Jesus Christ Vampire Hunter é
antes de tudo um filme de humor. Ele apresenta a investigação de Jesus em torno
do caso das lésbicas assassinadas e seu encontro com diversos inimigos que
tentarão o atrapalhar, bem como de amigos que o ajudarão a cumprir seu destino.
Há uma luta final lá pelos últimos e o bem vence o mal porque deus quis assim.
Como todos sabemos.
Apesar disso, a obra aborda em
diversos momentos, alguns bem pensados, outros só zombeteiros, o tema da aceitação
do outro e é a respeito disso que eu gostaria de escrever um pouco,
tentando compreender o filme através dessa ótica.
Há um curioso lugar comum amplamente
aceito a respeito de Jesus: todos supõem que estariam do seu lado caso ele
retornasse ao nosso mundo. Pelo visto, pouco adiantou a bíblia mostrar que, em
seu próprio tempo, a maioria das pessoas estava comprometida com a crucificação
de Cristo, ou que ele normalmente estava do lado dos indivíduos mais
desprezados de sua sociedade contra a maioria das pessoas. Aliás, pouco
adiantou mesmo: de Silas Malafaia à Jim Jones todos creem que Jesus é um cara
bacana que voltará à terra comprometido com o modo de viver que temos
atualmente, só para dizer que estamos indo bem do jeito que estamos.
Esse modo de pensar denota uma plena
confiança nas nossas virtudes (um sinal de doença), como se fôssemos virtuosos
o suficiente para não precisar de correção, ou uma má interpretação do texto
bíblico (um sinal de ignorância), como se Jesus fosse um simples bocó, pois um
retorno de Cristo seria interessante justamente para que soubéssemos em quê ele
nos incomodaria, em quê ele nos criticaria. É o incômodo profundo que deveria
caracterizar o comportamento religioso; não a passividade, ela só caracteriza a ignorância.
Jesus é interessante na medida em
que ele carregou um fardo que nenhuma pessoa deveria carregar e que não contou
com a ajuda, porém com a incompreensão dos demais. Nisso reside grande parte da
beleza de sua história e esse é um dos aspectos mais explorados pelo filme,
para nossa sorte. Na trama, J.C. busca realizar um bem que nem sempre é entendido
como um bem pelos demais, na verdade, ao olhar das pessoas, assassinar lésbicas
não é uma coisa assim tão mal e pode até ser bem bacana e divertido, já que
lésbicas são pecadoras e pecadoras merecem punição. A isso Jesus responde que
se deve deixar o julgamento dos pecados alheios para o mundo superior (deus,
galera, saibam ler as entrelinhas...), cabendo a nós apenas amar nossos
semelhantes. Com efeito, mesmo que lesbianismo seja mesmo um pecado (não fica
claro no filme se é ou não), nós, meros mortais, não entendemos por quais
motivos deus cria lésbicas ou permite que elas existam, sendo assim, devemos
deixar os julgamentos para deus que entende a razão de ser das coisas e nos
amar como pudermos mesmo sem entender uns aos outros. Quando julgamos o outro e
o enquadramos como um pecador, fazendo certa reserva moral em relação a ele e
deixando de lhe estender nosso amor, agimos como que imitando deus: como se
entendêssemos a razão de ser das coisas e pudéssemos julgar nossos iguais
estando acima deles, todavia, como explica Jesus, não podemos.
De maneira completa e até um tanto
florida essa é a “filosofia” do filme. Ela está pode detrás das aventuras de
Jesus aqui na Terra.
Algo curioso sobre essa filosofia é
que, na trama, ela faz parte da própria política institucional da Igreja
Católica (ah, esqueci de avisar: Jesus é católico, pessoas. Sinto muito sobre a
fé de vocês. Vou evitar fazer piadas sobre isso), quer dizer, a política da
igreja tenta ajudar as pessoas independentemente de quem elas sejam (cof, cof,
cof), sem condená-las por seus pecados (resistindo, resistindo) e as amando
incondicionalmente. Igualzinho ao mundo real (ops). O relevante nisso é que as
ações de J.C. são ações politicamente motivadas e não são somente frutos de
suas decisões pessoais. Ele está sujeito à receber ordens ou algo assim, não
agindo simplesmente porque quer.
Por sinal, quando ele é convocado e
informado a respeito do que se passa, os padres usam de uma frase curiosa para
convencê-lo, dizendo que caso os assassinatos continuem as pessoas perderão o
medo do inferno. Vejam bem: as pessoas, não uma pessoa em particular. Essa
frase revela uma preocupação política da igreja, primeiramente, com as ações
futuras de um grande número de pessoas e, igualmente, com o significado de se
permitir o pecado escancarado e generalizado. Por isso, as ações de Jesus não
incidem somente contra o pecado que acontece naquele momento contra um ou outro
indivíduo, mas contra o significado social que aquele pecado pode adquirir caso
continue se perpetuando. Diversas pessoas podem ser levadas à danação, por
isso, mais que tirar o pecado, é preciso desaprender a pecar (perdão, perdão,
tenham misericórdia).
Assim como no mundo real, a igreja
de Jesus Christ Vampire Hunter age nas sombras e se permite quebrar
algumas regras sociais para alcançar suas finalidades, ocorre porém que no
filme tais finalidades são evidentemente nobres, ao passo que no mundo real
elas (CORTE DO EDITOR EM VISTA DO ACIONAMENTO DISPOSITIVOS LEGAIS DIA
25-12-2014. CONFERIR PROCESSO DE NÚMERO 666666-666-666 QUE CORRE EM SIGILO DE
JUSTIÇA.)
Devo
convidar Jesus para minha ceia de ano novo?
“Jesus, você terá que
matar esses filhos da puta”
El Santo.
É bem provável que você ainda não
acredite em mim mas direi do mesmo jeito, nobre leitor: Jesus Christ Vampire Hunter é
um filme muito bacana, que merece toda a publicidade que um blogue de dez
leitores mensais como o Café com Tripas pode
oferecer.
Para além
dessa premissa maluca, durante o filme ainda vemos padres punks, lésbicas,
caratê, ateus malvadões, tripas, vampiras sexys, assassinatos e discursos
bacaninhas sobre a moral, tudo isso dentro de cenas bastante simples porém
engenhosas, feitas com recursos que não comprometem a diversão nem se tornam
atrativos eles mesmos. A obra está repleta de humor com base na sacralidade de
Jesus, como na cena em que ele abençoa um copo de cerveja só para bebericar um
bocado e cuspir rajadas de “água benta” nos vampiros, ou na sequência em que
ele tem que cortar suas longas madeixas e tomar um banho de loja para passar
desapercebido entre os mortais e coisa mais. Lá pelo meio da história a trama
também conta com a participação do personagem de luta livre El Santo (na
história, até mais popular que Jesus), que age como uma espécie de... santo que
acompanha a jornada de Cristo, distribuindo não bênçãos mas sopapos nos
adversários.
Jesus Christ Vampire Hunter
oferece uma boa fusão entre as bizarrices comuns ao gênero trash e uma
narrativa interessante. Muita ação e humor com um pouquinho de sangue: tudo o
que um fã de trash precisa para passar bem sua vida.
Trailer:
Filme curioso.
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