Você é do tipo que não sabe brincar
quando o assunto é bebida? É daqueles que vira e mexe apaga e acorda em lugares
desconhecidos com pessoas estranhas ao seu lado da cama? Que já perdeu as
contas de quantas vezes chegou de ressaca no trabalho, torcendo para ninguém
reparar no vomito da camisa?
Bom meu amigo, talvez esse seja o filme
certo para você, a sua vida pode ter uma solução. Só não estranhe muito se você
acordar com um pentagrama escarificado em seu peito e passar a se sentir
estranho em noites de lua cheia.
Título
original: WolfCop
Lançamento:
2014 (Canadá)
Duração:
78 minutos
Direção:
Lowell Dean
WolfCop
Satanismo, bebedeiras &
lobofilia
WolfCop é o típico trash que o diretor tem milhares de ideias e
quer colocar todas juntas, entretanto esquece de aprofundar e dar atenção para
cada uma delas. Isso é ruim? Se fosse um filme pra levar a serio sim, mas é
trash, tendo uma boa dose de sangue, peitcholas e bizarrices já é o suficiente
para a nossa felicidade, e nesse quesito ele é bem competente.
Só mais uma dose
Lou é um policial alcoólatra que vive na
rotina: acordar de ressaca, “trabalho”, bar, desmaiar, acordar de ressaca com
alguma desconhecida, trabalho e assim sucessivamente. Entretanto, essa rotina é
quebrada quando, ao investigar um possível caso de ritual satânico na floresta,
ele desmaia e acorda com um pentagrama em seu peito. A partir daí segredos
obscuros da cidade começam a surgir, assim como o espírito bestial em seu corpo
durante a noite.
Oi? Onde estou? Que horas
são? Quem é você?
O filme já começa dando pequenas dicas
sobre quem é o nosso “herói” e faz um pequeno panorama da cidade.
Após acordar com o despertador, dar um
gole naquela cerveja quente, botar a roupa e chutar a desconhecida pra fora de
sua cama, e dar aquela gorfada de leve antes de entrar na viatura, Lou sai rumo
ao trabalho. Durante o trajeto, a radio fala sobre o “Beba e atire”, um
festival anual que consiste em ficar bêbado e ir pra floresta caçar, um evento
super saudável e seguro. Além disso,
também informa que alguns animais (cães e gatos) estão desaparecendo.
A cidade também está próxima das eleições
para a prefeitura, os principais concorrentes são: a atual prefeita, uma idosa,
e um jovem que promete renovação e mudanças. A violência e a policia (vulgo
nosso herói) são um dos problemas da cidade, tanto que ao ver um homem sendo
agredido em plena luz do dia Lou passa e apenas olha. Além disso, quando chega
na delegacia, duas horas atrasado, ele fica sabendo de um assalto cometido por
um grupo local chamado de “pigs”, uma gangue que causa problemas diariamente.
Ao começar a trabalhar, Lou recebe uma
chamada de Willie, um cidadão estranho, conspiracionista e paranóico, que é
também o proprietário da loja de armas, sobre uma suposta pista referente aos
animais desaparecidos. Para Willie os animais desapareceram devido a rituais
satânicos praticados por adolescentes. Lou apenas ignora o vídeo mostrado e vai
para o bar.
Enquanto bebe, o novato candidato a
prefeito entra para fazer sua propaganda, falando que a policia é
insignificante, que a prefeita está mais preocupada em vender a cidade que
governá-la e que ele, diferentemente dela, fará de tudo para acabar com as
drogas e com a criminalidade, o que o faz ser expulso pelas vaias e pelos
amendoins jogados nele durante o discurso.
Políticas e politicagens
Como disse no inicio da resenha, o filme
aborda diversos assuntos (política, armamento, ineficácia policial, tradições
nocivas, satanismo, licantropia, entre outros), mas acaba sendo superficial em
sua maioria. Isso não nos impede, no entanto, de ver detalhes interessantes de
discutir. Com base nesses minutos iniciais é possível ver que não apenas a
cidade, mas também seus moradores, sofrem de certa inércia política. Eles
apenas se acostumaram com todos os problemas e pensar em mudança é algo que
parece errado e desnecessário e ineficaz – “Sempre vivi assim, porque mudar?”.
Qualquer pessoa de fora que olha para a
cidade percebe o quão errada ela está, só que todos aqueles inseridos no
sistema acabam não percebendo coisas obvias. O candidato a prefeito parece ser
alguém que consegue olhar para os problemas e sugerir mudanças que
contribuiriam pra cidade, entretanto, ninguém parece ter interesse, para não
abalar com o status quo.
Alguns pontos são alusões claras à
sociedade norte-americana, como a questão do armamento, por exemplo.
Consequentemente, por mais absurdo que seja o “Beba e atire”, até que ponto
isso é ficção? Arrumar uma arma nos EUA não é uma coisa difícil, tanto que
cerca de 40% das casas tem pelo menos uma arma de fogo (se não me engano), ou
seja, qualquer doido tem acesso, tanto que no filme o responsável pela arma
loja de armas é alguém que não transparece muita confiança, sanidade e
credibilidade.
Mas não apenas isso. Podemos fazer o
paralelo do “Beba e atire” com outros eventos, como por exemplo a tourada. Para
muitas pessoas de fora, é um evento desumano e retardado, porque consiste em
algo perigoso pra quem pratica (sem contar naquela festa que soltam o touro no
meio da rua), mas as pessoas de dentro justificam todos os problemas como
identidade “cultural” – mas que na realidade é algo que perpetua através dos
anos pelo interesse comercial que aquilo tem, tanto a tourada quanto o,
fictício, “Beba e atire” são eventos de interesse econômico pra cidade e você,
caso não seja inocente, sabe que o dinheiro sempre vira antes da vida de
animais e pessoas.
Sem querer, WolfCop acaba
retratando a percepção com a realidade em que estamos inseridos, quer dizer,
milhares de coisas nos atingem diariamente mas simplesmente deixamos passar por
estarmos acostumados com a rotina. Sabemos que muitos assuntos que encaramos
diariamente estão bem errados, mas o hábito nos impede de olhar com
distanciamento e refletir, exibir e exigir propostas. Por mais que fiquemos triste
com as diversas mortes vistas no jornal, já acostumamos com isso, não vemos
mais como vidas perdidas e sim como estatísticas. Do mesmo modo os desvios de
dinheiro – não foi sempre assim? Todo político é corrupto não é mesmo? Quando
alguém aparece e oferece propostas que tentem resolver mas desestabilizem a
rotina, contudo, esse alguém é visto com certa agressividade. Parece que
mudança é benquista enquanto fica no plano ideológico, mas ao ser passada para
o plano prático, em que exige algum esforço, já perde todo o seu poder.
Vira vira homem
Vira vira lobisomem
Certa noite, Lou é enviado a floresta
local para investigar um suposto ritual satânico. Logo após encontrar o
candidato a prefeito morto, nosso herói sofre uma pancada na cabeça e desmaia.
Ele acorda, tenta fazer a barba que logo
cresce novamente, existe um pentagrama em seu peito, seus sentidos estão
aguçados e alguns flashs em sua cabeça... mas nada de muito anormal na vida e
um bêbado, ele apenas coloca a roupa e parte para a cena de um crime – a do
candidato a prefeito. O corpo esta jogado em uma arvore, com um pedaço do
pescoço arrancado, cheio de cortes, entretanto tem uma seringa em sua mão. Logo
a causa da morte foi? Isso mesmo, overdose. Aqui vemos mais uma ironia quanto
ao trabalho da policia, que muitas vezes para evitar trabalho, ou até mesmo
interesses políticos, acaba deturpando um pouquinho a causa da morte.
A morte acaba gerando repercussões, tanto
na cidade quanto no próprio Lou. Primeiro porque a prefeita diz que devido a
circunstancias talvez seja melhor cancelar o festival, e segundo porque, ao
conversar com sua parceira de policia, ela relembra que a ultima vez que o
festival foi cancelado as circunstancias eram parecidas, e dá a entender que
era alguém próximo a Lou.
*
Há muita literatura
e filmes sobre lobisomens, e é interessante notar que em muitos casos a
licantropia está muito ligado a mudanças, não apenas físicas, mas também
psicológicas, algo que já vimos no Um lobisomem americano em Londres,
por exemplo. Claro que logo que vemos lobisomens já partimos pra uma visão
fantástica, porém também podemos partir pra uma leitura simbológica: a quebra
do padrão, a aproximação do lado animal, personificação de medo e perigo, etc.
Em WolfCop não é diferente; talvez a metamorfose seja psicológica.
As mudanças começam a ocorrer depois de
encontrar o candidato a prefeito morto, em uma circunstância parecida com
outra, ou seja, por mais que ele ainda não compreenda, alguns sinais surgem.
Quando a sua parceira relembra o que ocorreu no passado, as circunstâncias
ficam mais claras, o que o leva a estudar o caso (algo que ele não parava a
fazer há tempos), ou seja, há uma ruptura na sua inércia policial,
consequentemente, também no modo que ele observa os acontecimentos da cidade,
mesmo que muitos daqueles que o cercam tentem mante-lo na vida libertina. E é
exatamente nessa situação, seu interesse pelo caso, que sua transformação
ocorre.
“Hey! Vocês têm algum livro
sobre adoração do Diabo?”
A partir daqui o filme mostra seu
verdadeiro sentido de existir e deixa o sangue se sobrepor as discussões. A
transformação de Lou é bem interessante e dolorosa, com direito a mijo de
sangue e close na transformação da genitália e pele rasgando – violenta e sem frescuras.
Ao acordar ele descobre o ocorrido e os flashs ficam ainda mais constantes.
Em algumas pesquisas na biblioteca Lou
descobre que as circunstancias da morte do seu pai e do pai da sua parceira de
trabalho foram iguais – cancelamento do festival, ataque de “animais”, lua
cheia, etc. Fazendo com que ele tome consciência de que algo errado está
acontecendo, não só com ele mas com a cidade.
Apesar de Lou ter perdido a consciência
nas primeiras transformações, chega a um ponto em que ele, apesar dos pesares,
não perde o controle sobre o seu corpo, nesse momento vemos, pela primeira vez
na vida, um lobisomem policial que sai pela cidade combatendo o crime em seu
carro tunado.
Lobomovel, destruição de uma fabrica de
drogas, sangue, tiros, faces e cabeças arrancadas, lutas, fogo, sexo entre um
lobisomem e uma boa boasuda, peitinhos e bebedeiras resumem a segunda parte do
filme e, conseqüentemente, a mais interessante.
Poder, poder, poder até não
mais poder
(Spoiler)
Apenas nos 20 minutos finais é que tudo
começa a se revelar e os segredos da cidade vêm a tona, e nesse contexto
podemos levantar a principal questão do filme: a manutenção do poder.
A prefeita e a boazuda do bar são a mesma
pessoa. Sabe quando você dorme com uma garota/o linda/o e quando acorda percebe
que não era bem o que você imaginava? Então, tipo isso. Além disso, descobrimos
que o xerife local é também o líder da gangue criminosa da cidade e Willie,
aquele que ajudou Lou durante o filme, também esta do lado da prefeita. Eles
são metamorfos e o sangue de lobisomem aumentam seus poderes.
Ou seja, existe uma união entre as
esferas da sociedade – a prefeita representa tanto a esfera política quanto do
lazer, considerando que sua outra forma é a responsável pelo bar. O xerife
representa tanto a policia e manutenção da ordem quanto a criminalidade. E
Willie, de certa forma, a esfera de cultura/tradição por ser o responsável pela
loja de armas em uma cidade que o evento principal é a caça.
Toda a cidade se movimenta de maneira que
o interesse e o poder das esferas sejam mantidos, gerando a estagnação. Apesar
dos conflitos diários, nada foge do comum: os problemas são os mesmos, a rotina
é a mesma, os criminosos são os mesmos, a prefeita é a mesma e assim por
diante. Não existe mudança na estrutura e não há mudança nos habitantes, não há
choques suficientes para desestabilizar a ordem, e quando aparecem logo
desaparecem, como é o caso do candidato no inicio do filme. E mesmo quando
existe algo que desestabilize, a própria população se mostra contra por estar
habituada a um padrão, elas estão acostumadas a viver daquele jeito (mesmo não
sendo o ideal), porém o pensar em mudança pode causar desconforto por causar
estranhamento e medo do diferente.
Pelo mesmo motivo vemos a ânsia das
religiões (e outros grupos) entrarem para a política como uma forma de
legitimar o poder não apenas no âmbito moral mas também estatal, impor seu modo
de vida e sobrepor as escolhas individuais e, consequentemente, estruturar a
sociedade para manter seus dogmas e evitar mudanças. Resumindo, manter sua
hegemonia de poder.
Do mesmo modo podemos encarar a questão
das drogas, há muita gente que trabalha tanto na esfera da segurança quanto no
trafico ao mesmo tempo, ou seja, mesmo a legalização se mostrando uma das
melhores saídas, as pessoas evitam porque há gente ganhando com isso e pessoas
sendo doutrinadas a acreditar que a legalização vai transformar todo mundo em
zumbis crackeiros.
A política se tornou uma forma de
manutenção do poder, as pessoas não entram porque querem uma melhora como um
todo, mas sim garantir que seus direitos e crenças individuais se mantenham
intactos e melhorados.
Na lua cheia devo sair
pelado e gritar: Auu Auu Auuuuuuuuuuuuuu ?
Quem sou eu pra te julgar?
Já diria Raul: “faça o que tu queres pois
é tudo da lei”, só cuidado porque andar pelado por ai é crime e diferentemente
do filme não vai aparecer uma garota toda trabalhada na sensualidade para te
fazer uma visita intima.
Bom, WolfCop é um filme divertido
e competente em sua proposta, mas quando sobem os créditos você pensa: “poderia
ter sido melhor”. O filme é uma ótima homenagem aos anos 80, é muito preciso
tecnicamente: a transformação é muito legal, principalmente por não usar
efeitos digitais e tal, as mortes são divertidas e cheias de sangue, as atuações
são canastronas mas dignas do gênero, etc. Em suma, tudo nele funciona muito
bem, porém existe algo que parece faltar e o impede de ser melhor.
É um filme que merece ser visto tanto por
pessoas que gostem do gênero como também para apresentar pessoas ao trash, por
ser um filme leve e divertido que tem um clima moderno apesar da influencia
oitentista, o está presente mas de maneira descontraída e não tem apelo a
nojeiras nem nada do tipo.
Na próxima lua cheia, se estiver de
bobeira, chame aquela lobinha/o que você está afim e assistam WolfCop
juntos, quem sabe vocês não passem uma noite de bebedeiras e uivos igual ao
nosso herói.
Trailer
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