terça-feira, 2 de junho de 2015

Resenha: Wolfcop


            Você é do tipo que não sabe brincar quando o assunto é bebida? É daqueles que vira e mexe apaga e acorda em lugares desconhecidos com pessoas estranhas ao seu lado da cama? Que já perdeu as contas de quantas vezes chegou de ressaca no trabalho, torcendo para ninguém reparar no vomito da camisa?
Bom meu amigo, talvez esse seja o filme certo para você, a sua vida pode ter uma solução. Só não estranhe muito se você acordar com um pentagrama escarificado em seu peito e passar a se sentir estranho em noites de lua cheia.






Título original: WolfCop
Lançamento: 2014 (Canadá)
Duração: 78 minutos
Direção: Lowell Dean




WolfCop
Satanismo, bebedeiras & lobofilia

WolfCop é o típico trash que o diretor tem milhares de ideias e quer colocar todas juntas, entretanto esquece de aprofundar e dar atenção para cada uma delas. Isso é ruim? Se fosse um filme pra levar a serio sim, mas é trash, tendo uma boa dose de sangue, peitcholas e bizarrices já é o suficiente para a nossa felicidade, e nesse quesito ele é bem competente.

Só mais uma dose


Lou é um policial alcoólatra que vive na rotina: acordar de ressaca, “trabalho”, bar, desmaiar, acordar de ressaca com alguma desconhecida, trabalho e assim sucessivamente. Entretanto, essa rotina é quebrada quando, ao investigar um possível caso de ritual satânico na floresta, ele desmaia e acorda com um pentagrama em seu peito. A partir daí segredos obscuros da cidade começam a surgir, assim como o espírito bestial em seu corpo durante a noite.

Oi? Onde estou? Que horas são? Quem é você?

O filme já começa dando pequenas dicas sobre quem é o nosso “herói” e faz um pequeno panorama da cidade.
Após acordar com o despertador, dar um gole naquela cerveja quente, botar a roupa e chutar a desconhecida pra fora de sua cama, e dar aquela gorfada de leve antes de entrar na viatura, Lou sai rumo ao trabalho. Durante o trajeto, a radio fala sobre o “Beba e atire”, um festival anual que consiste em ficar bêbado e ir pra floresta caçar, um evento super saudável e seguro.  Além disso, também informa que alguns animais (cães e gatos) estão desaparecendo.
A cidade também está próxima das eleições para a prefeitura, os principais concorrentes são: a atual prefeita, uma idosa, e um jovem que promete renovação e mudanças. A violência e a policia (vulgo nosso herói) são um dos problemas da cidade, tanto que ao ver um homem sendo agredido em plena luz do dia Lou passa e apenas olha. Além disso, quando chega na delegacia, duas horas atrasado, ele fica sabendo de um assalto cometido por um grupo local chamado de “pigs”, uma gangue que causa problemas diariamente.
Ao começar a trabalhar, Lou recebe uma chamada de Willie, um cidadão estranho, conspiracionista e paranóico, que é também o proprietário da loja de armas, sobre uma suposta pista referente aos animais desaparecidos. Para Willie os animais desapareceram devido a rituais satânicos praticados por adolescentes. Lou apenas ignora o vídeo mostrado e vai para o bar.
Enquanto bebe, o novato candidato a prefeito entra para fazer sua propaganda, falando que a policia é insignificante, que a prefeita está mais preocupada em vender a cidade que governá-la e que ele, diferentemente dela, fará de tudo para acabar com as drogas e com a criminalidade, o que o faz ser expulso pelas vaias e pelos amendoins jogados nele durante o discurso.

Políticas e politicagens

Como disse no inicio da resenha, o filme aborda diversos assuntos (política, armamento, ineficácia policial, tradições nocivas, satanismo, licantropia, entre outros), mas acaba sendo superficial em sua maioria. Isso não nos impede, no entanto, de ver detalhes interessantes de discutir. Com base nesses minutos iniciais é possível ver que não apenas a cidade, mas também seus moradores, sofrem de certa inércia política. Eles apenas se acostumaram com todos os problemas e pensar em mudança é algo que parece errado e desnecessário e ineficaz – “Sempre vivi assim, porque mudar?”.
Qualquer pessoa de fora que olha para a cidade percebe o quão errada ela está, só que todos aqueles inseridos no sistema acabam não percebendo coisas obvias. O candidato a prefeito parece ser alguém que consegue olhar para os problemas e sugerir mudanças que contribuiriam pra cidade, entretanto, ninguém parece ter interesse, para não abalar com o status quo.
Alguns pontos são alusões claras à sociedade norte-americana, como a questão do armamento, por exemplo. Consequentemente, por mais absurdo que seja o “Beba e atire”, até que ponto isso é ficção? Arrumar uma arma nos EUA não é uma coisa difícil, tanto que cerca de 40% das casas tem pelo menos uma arma de fogo (se não me engano), ou seja, qualquer doido tem acesso, tanto que no filme o responsável pela arma loja de armas é alguém que não transparece muita confiança, sanidade e credibilidade.
Mas não apenas isso. Podemos fazer o paralelo do “Beba e atire” com outros eventos, como por exemplo a tourada. Para muitas pessoas de fora, é um evento desumano e retardado, porque consiste em algo perigoso pra quem pratica (sem contar naquela festa que soltam o touro no meio da rua), mas as pessoas de dentro justificam todos os problemas como identidade “cultural” – mas que na realidade é algo que perpetua através dos anos pelo interesse comercial que aquilo tem, tanto a tourada quanto o, fictício, “Beba e atire” são eventos de interesse econômico pra cidade e você, caso não seja inocente, sabe que o dinheiro sempre vira antes da vida de animais e pessoas.
Sem querer, WolfCop acaba retratando a percepção com a realidade em que estamos inseridos, quer dizer, milhares de coisas nos atingem diariamente mas simplesmente deixamos passar por estarmos acostumados com a rotina. Sabemos que muitos assuntos que encaramos diariamente estão bem errados, mas o hábito nos impede de olhar com distanciamento e refletir, exibir e exigir propostas. Por mais que fiquemos triste com as diversas mortes vistas no jornal, já acostumamos com isso, não vemos mais como vidas perdidas e sim como estatísticas. Do mesmo modo os desvios de dinheiro – não foi sempre assim? Todo político é corrupto não é mesmo? Quando alguém aparece e oferece propostas que tentem resolver mas desestabilizem a rotina, contudo, esse alguém é visto com certa agressividade. Parece que mudança é benquista enquanto fica no plano ideológico, mas ao ser passada para o plano prático, em que exige algum esforço, já perde todo o seu poder.

Vira vira homem
Vira vira lobisomem


Certa noite, Lou é enviado a floresta local para investigar um suposto ritual satânico. Logo após encontrar o candidato a prefeito morto, nosso herói sofre uma pancada na cabeça e desmaia.
Ele acorda, tenta fazer a barba que logo cresce novamente, existe um pentagrama em seu peito, seus sentidos estão aguçados e alguns flashs em sua cabeça... mas nada de muito anormal na vida e um bêbado, ele apenas coloca a roupa e parte para a cena de um crime – a do candidato a prefeito. O corpo esta jogado em uma arvore, com um pedaço do pescoço arrancado, cheio de cortes, entretanto tem uma seringa em sua mão. Logo a causa da morte foi? Isso mesmo, overdose. Aqui vemos mais uma ironia quanto ao trabalho da policia, que muitas vezes para evitar trabalho, ou até mesmo interesses políticos, acaba deturpando um pouquinho a causa da morte.
A morte acaba gerando repercussões, tanto na cidade quanto no próprio Lou. Primeiro porque a prefeita diz que devido a circunstancias talvez seja melhor cancelar o festival, e segundo porque, ao conversar com sua parceira de policia, ela relembra que a ultima vez que o festival foi cancelado as circunstancias eram parecidas, e dá a entender que era alguém próximo a Lou.

*

Há muita literatura e filmes sobre lobisomens, e é interessante notar que em muitos casos a licantropia está muito ligado a mudanças, não apenas físicas, mas também psicológicas, algo que já vimos no Um lobisomem americano em Londres, por exemplo. Claro que logo que vemos lobisomens já partimos pra uma visão fantástica, porém também podemos partir pra uma leitura simbológica: a quebra do padrão, a aproximação do lado animal, personificação de medo e perigo, etc. Em WolfCop não é diferente; talvez a metamorfose seja psicológica.
As mudanças começam a ocorrer depois de encontrar o candidato a prefeito morto, em uma circunstância parecida com outra, ou seja, por mais que ele ainda não compreenda, alguns sinais surgem. Quando a sua parceira relembra o que ocorreu no passado, as circunstâncias ficam mais claras, o que o leva a estudar o caso (algo que ele não parava a fazer há tempos), ou seja, há uma ruptura na sua inércia policial, consequentemente, também no modo que ele observa os acontecimentos da cidade, mesmo que muitos daqueles que o cercam tentem mante-lo na vida libertina. E é exatamente nessa situação, seu interesse pelo caso, que sua transformação ocorre.

“Hey! Vocês têm algum livro sobre adoração do Diabo?”

A partir daqui o filme mostra seu verdadeiro sentido de existir e deixa o sangue se sobrepor as discussões. A transformação de Lou é bem interessante e dolorosa, com direito a mijo de sangue e close na transformação da genitália e pele rasgando – violenta e sem frescuras. Ao acordar ele descobre o ocorrido e os flashs ficam ainda mais constantes.
Em algumas pesquisas na biblioteca Lou descobre que as circunstancias da morte do seu pai e do pai da sua parceira de trabalho foram iguais – cancelamento do festival, ataque de “animais”, lua cheia, etc. Fazendo com que ele tome consciência de que algo errado está acontecendo, não só com ele mas com a cidade.
Apesar de Lou ter perdido a consciência nas primeiras transformações, chega a um ponto em que ele, apesar dos pesares, não perde o controle sobre o seu corpo, nesse momento vemos, pela primeira vez na vida, um lobisomem policial que sai pela cidade combatendo o crime em seu carro tunado.
Lobomovel, destruição de uma fabrica de drogas, sangue, tiros, faces e cabeças arrancadas, lutas, fogo, sexo entre um lobisomem e uma boa boasuda, peitinhos e bebedeiras resumem a segunda parte do filme e, conseqüentemente, a mais interessante.

Poder, poder, poder até não mais poder
(Spoiler)

Apenas nos 20 minutos finais é que tudo começa a se revelar e os segredos da cidade vêm a tona, e nesse contexto podemos levantar a principal questão do filme: a manutenção do poder.
A prefeita e a boazuda do bar são a mesma pessoa. Sabe quando você dorme com uma garota/o linda/o e quando acorda percebe que não era bem o que você imaginava? Então, tipo isso. Além disso, descobrimos que o xerife local é também o líder da gangue criminosa da cidade e Willie, aquele que ajudou Lou durante o filme, também esta do lado da prefeita. Eles são metamorfos e o sangue de lobisomem aumentam seus poderes.
Ou seja, existe uma união entre as esferas da sociedade – a prefeita representa tanto a esfera política quanto do lazer, considerando que sua outra forma é a responsável pelo bar. O xerife representa tanto a policia e manutenção da ordem quanto a criminalidade. E Willie, de certa forma, a esfera de cultura/tradição por ser o responsável pela loja de armas em uma cidade que o evento principal é a caça.
Toda a cidade se movimenta de maneira que o interesse e o poder das esferas sejam mantidos, gerando a estagnação. Apesar dos conflitos diários, nada foge do comum: os problemas são os mesmos, a rotina é a mesma, os criminosos são os mesmos, a prefeita é a mesma e assim por diante. Não existe mudança na estrutura e não há mudança nos habitantes, não há choques suficientes para desestabilizar a ordem, e quando aparecem logo desaparecem, como é o caso do candidato no inicio do filme. E mesmo quando existe algo que desestabilize, a própria população se mostra contra por estar habituada a um padrão, elas estão acostumadas a viver daquele jeito (mesmo não sendo o ideal), porém o pensar em mudança pode causar desconforto por causar estranhamento e medo do diferente.
Pelo mesmo motivo vemos a ânsia das religiões (e outros grupos) entrarem para a política como uma forma de legitimar o poder não apenas no âmbito moral mas também estatal, impor seu modo de vida e sobrepor as escolhas individuais e, consequentemente, estruturar a sociedade para manter seus dogmas e evitar mudanças. Resumindo, manter sua hegemonia de poder.
Do mesmo modo podemos encarar a questão das drogas, há muita gente que trabalha tanto na esfera da segurança quanto no trafico ao mesmo tempo, ou seja, mesmo a legalização se mostrando uma das melhores saídas, as pessoas evitam porque há gente ganhando com isso e pessoas sendo doutrinadas a acreditar que a legalização vai transformar todo mundo em zumbis crackeiros.
A política se tornou uma forma de manutenção do poder, as pessoas não entram porque querem uma melhora como um todo, mas sim garantir que seus direitos e crenças individuais se mantenham intactos e melhorados.

Na lua cheia devo sair pelado e gritar: Auu Auu Auuuuuuuuuuuuuu ?


Quem sou eu pra te julgar?
Já diria Raul: “faça o que tu queres pois é tudo da lei”, só cuidado porque andar pelado por ai é crime e diferentemente do filme não vai aparecer uma garota toda trabalhada na sensualidade para te fazer uma visita intima.
Bom, WolfCop é um filme divertido e competente em sua proposta, mas quando sobem os créditos você pensa: “poderia ter sido melhor”. O filme é uma ótima homenagem aos anos 80, é muito preciso tecnicamente: a transformação é muito legal, principalmente por não usar efeitos digitais e tal, as mortes são divertidas e cheias de sangue, as atuações são canastronas mas dignas do gênero, etc. Em suma, tudo nele funciona muito bem, porém existe algo que parece faltar e o impede de ser melhor.
É um filme que merece ser visto tanto por pessoas que gostem do gênero como também para apresentar pessoas ao trash, por ser um filme leve e divertido que tem um clima moderno apesar da influencia oitentista, o está presente mas de maneira descontraída e não tem apelo a nojeiras nem nada do tipo.
Na próxima lua cheia, se estiver de bobeira, chame aquela lobinha/o que você está afim e assistam WolfCop juntos, quem sabe vocês não passem uma noite de bebedeiras e uivos igual ao nosso herói.

Trailer

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