quarta-feira, 25 de novembro de 2015

Resenha: A criação de um monstro (How to make a monster)


            Faz um bom tempo que o Café com Tripas não faz nenhuma postagem e não darei nenhuma justificativa bonitinha do por quê, afinal de contas, vocês sabem bem os motivos pelos quais postergamos as coisas importantes da vida: porque saiu o novo Pokémon, a nova temporada daquela série que adoramos, porque temos trabalho, esposa, amantes, stalkers, filhos, bastardos, pensão, porque estamos preocupados demais dormindo ou desperdiçando a vida em frente a vida em frente a TV e inúmeras coisas desse tipo.
            Ainda assim, por algum motivo que me escapa, este blogue continua sendo muito visualizado e curtido mesmo sem postagens novas, e esse é o principal motivo pelo qual continuamos e continuaremos na ativa: porque há quem leia e goste deste espaço. Até hoje, nenhum dos encargos que assumimos nos últimos tempos – e que tanto têm atrapalhado a continuidade deste blogue – foi forte o suficiente para ignorarmos as constantes visitas, comentários e todas essas coisas que gente desconhecida do outro lado da tela do PC faz. Por isso, mesmo que não consigamos voltar a uma regularidade de postagens muito precisa, estamos comprometidos a continuar apreciando e divulgando o cinema trash na medida de nossas possibilidades. Amém.
            Agora vamos ao filme medonho de hoje: A criação de um monstro tem o que um trash precisa ter para ser resenhado neste blogue: defeitos técnicos, um roteiro capenga, atuações nível  Malhação... E sangue!





Título original:How to make a monster
Lançamento: EUA (2001)
Duração: 91 minutos
Direção: George Huang





A criação de um monstro
Como os jogos vão devorar sua alma, te perverter, te fazer renegar o deus verdadeiro e te tornar um maníaco fora da realidade. Ou qualquer coisa assim.


            Não vou iludir vocês: A criação de um monstro é o tipo de filme que para ser considerado bom precisaria que desconsiderássemos seus vários defeitos, contudo, caso desconsiderássemos esses mesmos defeitos, desconsideraríamos todo o filme, pois eles são tudo o que ele tem. Eis uma obra perfeita para o Café com Tripas: é tão ruim, mas tão ruim, que se tivesse algo de bom, não seria ela mesma.

Sinopse

            Um novo jogo de terror para computadores está perto de ser lançado, mas, ao ser testado com crianças, tem se mostrado pouco assustador. Em função disso, uma nova equipe é contratada para torná-lo mais atemorizante.

Bem, e o que tem de assustador nisso?

            Nada, meus caros: não há um susto do começo ao fim do filme, nem hoje, nem na época em que ele foi lançado. De maneira geral, a película vai mais pelo suspense que pelo terror e, mesmo nos momentos em que deveria nos surpreender, faz-nos rir.
            Apesar disso, ela tem certos méritos, alguns deles até interessante, como por exemplo quando ressalta a existência de uma demanda para entretenimento baseada em sensações tão simples quanto o medo e o susto. O filme não deixa passar desapercebido o fato de que a indústria dos jogos não existe independentemente da sociedade e que, na verdade, é suscitada por ela. Há setores e grupos que querem consumir violência e medo, sendo que a produção de jogos apenas responde a isso, consequentemente, os jogos não causam a demanda por violência, eles a satisfazem.
            Se há algo com o qual devemos nos assustar, certamente não são os jogos, mas com o nosso desejo insaciável por violência, que está posto desde as brigas no trânsito, passando pelos telejornais sangrentos, os barracos nas novelas, até nossos amados jogos.

Violência alimenta violência

“Se quiser sobreviver neste mundo tem que ser PPD: programado para destruir”

            Um aspecto interessante de A criação de um monstro é que novo jogo é pelo menos tão assustador quanto seu público-alvo e seus criadores. As crianças que passam pelos testes de avaliação do jogo são frenéticas, impacientes e maldosas, de igual modo, os criadores da obra também são competitivos e pessoalmente problemáticos, sendo que, nos estágios iniciais de criação, quando o jogo ainda não está totalmente pronto e a violência que ele apresenta ainda é pequena, as crianças o rejeitam. Falta sangue, falta fúria, eis o que pensam.
            Por sinal, aí está o ponto de partida do filme: o primeiro projeto do jogo não é suficientemente doentio, sendo preciso torná-lo... pior. No fundo dessa ação está a tese de que, embora os jogos não criem a demanda por violência, frenesi e estimulação, ele se adéquam a ela, ou seja, um jogo que não devolvesse ao público suas próprias doenças, que não fosse tão ruim quanto esse mesmo público ou pior, jamais seria aceito por ele. Quando os produtores de um jogo entendem a demanda do público e devolvem a ele o que tais pessoas já querem, ele vinga.
            Dentro de uma sociedade violenta como é a aquela do filme (e a nossa...), isso significa que quanto pior o público, mais bem sucedido será o pior jogo.
            Em A criação de um monstro, os jogos recompensam um desejo que as pessoas trazem da sociedade em que vivem, a bem dizer, eles não educam esse público e nem saciam propriamente esse desejo, mas fazem com que o querer continue existindo de forma direcionada. Dali por diante, no lugar de desejarem violência e medo sem um objeto muito claro, eles passarão a desejar jogos de violência e medo como se esse sempre tivesse sido o seu desejo. Existirão filas de espera pelo próximo jogo sangrento e quem comprar achará que seu gosto é pessoal e não uma indução.
            Vocês podem discordar disso, é claro, porém é assim que o filme coloca o assunto.

Jogos e valores


“Tudo é um jogo: ou você é um vencedor ou é um perdedor”

            De maneira geral, o filme liga os jogos aos aspectos mais doentios da sociedade e os coloca como uma influência negativa para seus jogadores. Assim, o grupo de criadores do novo jogo contém um maníaco colecionador de armas, um nerd antissocial, um homem ansioso que busca inspiração em coisas como “faces da morte” e pessoas desse tipo, o que sugere que só mentes doentias podem produzir jogos.
            Há um motivo – ideológico – para isso: é a tese de que os jogos influenciam negativamente a formação das crianças. Sim, das crianças, pois jamais se coloca em questão que os jogos possam ser entretenimento adulto, sendo que mesmo os criadores do novo jogo são referidos como crianças alteradas, sempre movidas por valores medonhos de competitividade e falta de empatia. Aliás, os jogos não são pensados nem mesmo como puro entretenimento, pois se assim fosse, o filme poderia defender que as crianças, depois de matarem alguns monstros, poderiam viver suas vidas normalmente, sem fazer mal a ninguém. Mas não é isso o que ele coloca. Em A criação de um monstro, os jogos estimulam negativamente as crianças como se fossem drogas, sendo a metáfora do título a maior prova disso, a saber, a criação não só de um monstro virtual, mas também de monstros orgânicos... humanos ou não.

Devo alimentar meu monstro interior com jogos violentos?


            Faça o que você quiser, amiguinho, pois o Café com Tripas não tem dinheiro para arcar com nenhum processo porque seus leitores andam fazendo as bobagens que recomendamos.      Independentemente do que vocês desejarem fazer, no entanto, é fato que A criação de um monstro carrega um discurso que é preconceituoso de várias maneiras que qualquer pessoa crescidinha hoje sabe. Aliás, não insisti muito nesse ponto durante a resenha porque acho que todos estamos distantes daquele mundo para o qual o videogame era uma novidade assustadora. Hoje, qualquer adulto joga no celular durante a viagem do ônibus para esquecer o trânsito e não há nenhum medo de que ele devore nosso cérebro pura e simplesmente. Ninguém, exceto os atrasados de sempre, entende os videogames de um modo tão simplista.
            A despeito disso, algumas questões colocadas pelo filme, embora estejam misturadas com esses preconceitos, são realmente interessantes, como a relação que ele constrói entre sociedade e jogos.Nenhuma delas é muito bem explorada, diga-se de passagem, afinal estamos tratando de um trash, uma obra em que importam o rock, os peitinhos e a matança, mas nem por isso a obra constrange o espectador com loucuras que não tem sentido algum. Há algum grau de seriedade no filme. Só que é ruim.
            Não é um filme ótimo, nem é um filme bom, bem dizendo, é mais uma dessas porcarias que o trash produz todo dia. Mas tá na cara que vocês não dão a mínima para isso. Ou não estariam neste blogue.
            Aqui vai a opinião do Café: assistam se quiserem, a vida é de vocês, desperdicem do jeito que acharem melhor.

Trailer

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