terça-feira, 15 de dezembro de 2015

Literatura: Eu sou a lenda (Richard Matheson)


          O mundo acabou!
          Uma epidemia surge e todas pessoas que você conhece estão mortas e vagando por ai desejando o seu sangue. Você provavelmente é o ultimo humano tentando sobreviver ao fim inevitável.  Entre buscar suprimentos, lutar contra as criaturas que rodeiam sua casa e aproveitar que está sozinho pra andar pelado pela casa, tire alguns minutinhos para ler a primeira resenha literária do Café. Sim, nós provavelmente estamos mortos também, mas a nossa feiúra e depravação é eterna.


“O mundo ficou louco, pensou. Os mortos andam por aí e eu acho isso normal.”


Titulo original: I am legend
Autor: Richard Matheson
Ano de lançamento: 1954
Editora: Aleph
Paginas: 382
Em 1975 uma praga assola o mundo “matando” todas as pessoas da terra, tornando-as criaturas noturnas em busca de sangue. Robert Neville acredita ser o ultimo sobrevivente e passa seus dias tentando sobreviver as investidas dos monstros a sua porta. Durante a manhã Neville vaga pela cidade abandonada em busca de ferramentas e suprimentos e durante a noite se fecha em sua fortaleza com uma garrafa de whisky para manter-se vivo enquanto os monstros, a sanidade e a solidão tentam transformá-lo em mais um morto-vivo.

Epidemia, vampiros e solidão

Antes de tudo, esqueça daquele filme xexelento com o Will Smith, “Eu sou a lenda” é muito mais do que uma aventura qualquer com monstros estranhos, celebridades hollywoodianas superestimadas, draminhas típicos do gênero e final feliz. Diferentemente do filme, o livro não está preocupado em dar ao leitor aventuras e embates com monstros, é algo muito mais sutil, o principal inimigo de Robert Neville no livro não são esses monstros feitos no computador, mas sim a solidão.
Apesar de Eu sou a lenda ser classificado como um livro de terror/ficção ele tem características que tornam ele único e não só mais uma produção do gênero. Por isso, não vá esperando monstros, sustos ou fantasias, o terror do livro não está nos monstros, mas sim no próprio Neville. São poucos os momentos em que os vampiros realmente surgem como uma ameaça iminente, o clima de tensão que predomina do inicio ao fim do livro é devido a angustia dos próprios personagens.
O perigo dos monstros existem? Sim, isso está óbvio desde o inicio do livro, mas logo percebemos que isso é algo que já foi facilmente contornado por Neville: durante o dia ele se mostra livre para sair de casa e fazer o que tiver que ser feito e durante a noite sua casa está protegida suficientemente para que ele não seja atacado. Entretanto, apesar de sua casa estar protegida, isso não garante completamente sua segurança, pois devido à solidão o personagem acaba se afundando cada vez mais em seus próprios dramas - a saudade da família, a falta de companhia (consequentemente, a falta de sexo), a falta de motivação de continuar vivo e etc. Sendo assim, o personagem se mostra como uma bomba que pode explodir a qualquer momento, seja pelas lembranças dolorosas, pelas fantasias que ele tem ao ver as vampiras seminuas e, principalmente, a bebida, uma das suas maiores companheiras.
É interessante notar que mesmo com o mundo todo destruído, com mortos-vivos a solta, em suma, apesar de todos os problemas, Robert Neville  faz o máximo pra não se afastar do mundo que conhecia: ele está sempre escutando seus discos, lendo romances, cozinhando, deixando sua casa o mais habitável possível, enfim… Sua casa, apesar dos pesares, não parece a de uma pessoa no meio de um apocalipse, mas sim a de alguém que segue uma rotina diária domestica que está a espera da mulher chegar a qualquer momento.
Eu sou a lenda é sobre vampiros, mas apesar de resgatar e utilizar de toda a mitologia vampiresca talhada antes dele (alho, cruz, estaca, água corrente, sede de sangue, etc.), o autor desenvolve o conceito de vampiro de uma maneira única e totalmente diferente do que estamos acostumados. Se o livro não falasse que as criaturas são vampiros, do inicio ao fim pensaríamos em zumbis, talvez por já estarmos no século 21 e sermos bombardeados diariamente com produções que beberam dessa fonte. Da mesma forma que nossa referência de vampiro é totalmente diferente, sempre pensamos em criaturas misteriosas e sensuais, que evitam se expor e agem sorrateiramente, e não em bandos cercando casas por instinto, como os zumbis fazem. Causando certo estranhamento durante a leitura.
Outro ponto que merece ser destacado é a questão da epidemia, algo muito comum em produções sobre zumbi, mas não quando se trata de vampiro. Matheson, com essa nova perspectiva, inova o gênero, criando e recriando a mitologia e aproveitando pra mostrar uma nova maneira de trabalhar a relação entre humanos e vampiros.
Como dito anteriormente, as criaturas são uma ameaça, mas não a ponto de deixar o personagem 24h por dia em alerta, ele consegue conviver com as criaturas. É interessante porque elas parecem estar de igual pra igual com Neville: elas não são zumbis que agem somente por instinto, como também não são os vampiros super poderosos que tratam humanos como seres inferiores. O protagonista e as criaturas são iguais; cada qual com sua limitação. Como condição dos vampiros ser o resultado de uma doença, o livro propõe uma reflexão e uma busca por uma cura, tornando a ideia do apocalipse mais próxima e real. É a partir desse ponto que um dos principais dilemas do livro se desenrola.
Neville passa boa parte do seu tempo pesquisando e estudando informações sobre bactérias, doenças e assuntos relacionados a medicina para tentar curar a doença que devastou o pais, do mesmo modo ele também lê literatura sobre vampiros para entender a condição daqueles que cercam sua casa todas as noites. Sendo assim ele olha para o outro tanto por uma perspectiva médica quanto por uma perspectiva sobrenatural. Ou seja, ele está sozinho lutando contra todo o mundo, tentando curar todos aqueles que estão do lado de fora.
Apesar do livro não ser em primeira pessoa, acompanhamos o mundo pela perspectiva de Neville e a partir disso podemos levantar algumas questões que não estão literalmente na obra. Os vampiros em Eu sou a lenda, apesar de se comportarem como zumbis, alguns deles são seres conscientes, e em nenhum momento Neville se mostra disposto a conversar, ou até mesmo entender o estado do vampiro, ele apenas busca sua cura em livros ignorando o pós-vida e consciência daqueles que dividem o planeta com ele. A ficção se mostra muito mais interessante do que o ser real.
A partir disso, podemos viajar um pouco e deixarmos de ver Eu sou a lenda como um livro de terror que trata de vampiros, e começarmos a ver pela perspectiva de que Robert Neville é um homem que não consegue suportar a mudança do mundo e o convívio com o diferente, com isso, ele se isola em sua casa e tenta justificar todos os medos/preconceitos/aversões com explicações médicas e sobrenaturais, vendo no outro sempre a figura do perigo e a necessidade de cura, mas fugindo do diálogo e evitando pensar nele mesmo como o diferente.

A edição

            É só pegar o livro na mão que fica nítido o carinho que a editora Aleph teve na hora de fazer essa edição, se preocupando em todos os detalhes para que o livro seja não apenas uma obra literária mas também um peça necessária na coleção de qualquer fã de terror e sci-fi. Desde a capa até o texto se destacam. 
            O livro é em capa dura e tanto a capa quanto o verso são trabalhados nas cores branco, preto e rosa. As primeiras páginas contam com algumas imagens em preto e branco dos vampiros. O livro é divido em três partes em todo intervalo de uma para outra há uma imagem que tenha a ver com a narrativa. Além disso, no início de cada capitulo há uma pequena ilustração de um objeto relevante do capitulo.
            Uma das coisas que mais chamam a atenção de Eu sou a lenda da Aleph é a diagramação do texto. O espaçamento utilizado no livro faz com que tenha menos texto em cada pagina, tornando o livro mais grosso mas, ao mesmo tempo, não é preciso abrir o livro em sua totalidade para conseguir ler.
            O livro conta com dois extras para conhecer e entender um pouco mais a obra. Um deles é uma entrevista com o autor e o outro é uma critica de um professor universitário dando outros pontos de vista sobre o livro.

Devo me entregar a um bando de vampiros que mais parecem zumbis?

            Sim, Eu sou a lenda é um daqueles clássicos que você só ira entender a importância depois que ler. Matheson consegue, em uma leitura fluída e direta, te transportar pra solidão de Neville e transmitir todo o peso do mundo pós-apocalíptico criado por ele.
            Apesar de escrito em 1954, Eu sou a lenda continua um livro muito atual e que compartilha de muitos de nossos medos e anseios, nos fazendo pensar em nossa condição de humano ao lidarmos com as introspecções do personagem sobre tudo aquilo que ele enfrenta e teme.
            Se você gosta de vampiros, zumbis e historias que se passam em um mundo devastado, Eu sou a lenda é um item indispensável na sua biblioteca.

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