O mundo acabou!
Uma epidemia surge
e todas pessoas que você conhece estão mortas e vagando por ai desejando o seu
sangue. Você provavelmente é o ultimo humano tentando sobreviver ao fim inevitável.
Entre buscar suprimentos, lutar contra
as criaturas que rodeiam sua casa e aproveitar que está sozinho pra andar
pelado pela casa, tire alguns minutinhos para ler a primeira resenha literária do
Café.
Sim, nós provavelmente estamos mortos também, mas a nossa feiúra e depravação é
eterna.
“O mundo ficou louco, pensou.
Os mortos andam por aí e eu acho isso normal.”
Titulo original: I am legend
Autor: Richard Matheson
Ano de lançamento: 1954
Editora: Aleph
Paginas: 382
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Em 1975 uma praga assola o mundo “matando” todas
as pessoas da terra, tornando-as criaturas noturnas em busca de sangue. Robert
Neville acredita ser o ultimo sobrevivente e passa seus dias tentando
sobreviver as investidas dos monstros a sua porta. Durante a manhã Neville vaga
pela cidade abandonada em busca de ferramentas e suprimentos e durante a noite
se fecha em sua fortaleza com uma garrafa de whisky para manter-se vivo
enquanto os monstros, a sanidade e a solidão tentam transformá-lo em mais um
morto-vivo.
Epidemia, vampiros e solidão
Antes de tudo, esqueça daquele filme xexelento
com o Will Smith, “Eu sou a lenda” é muito mais do que uma aventura qualquer
com monstros estranhos, celebridades hollywoodianas superestimadas, draminhas
típicos do gênero e final feliz. Diferentemente do filme, o livro não está
preocupado em dar ao leitor aventuras e embates com monstros, é algo muito mais
sutil, o principal inimigo de Robert Neville no livro não são esses monstros
feitos no computador, mas sim a solidão.
Apesar de Eu sou a lenda ser classificado
como um livro de terror/ficção ele tem características que tornam ele único e
não só mais uma produção do gênero. Por isso, não vá esperando monstros, sustos
ou fantasias, o terror do livro não está nos monstros, mas sim no próprio
Neville. São poucos os momentos em que os vampiros realmente surgem como uma
ameaça iminente, o clima de tensão que predomina do inicio ao fim do livro é
devido a angustia dos próprios personagens.
O perigo dos monstros existem? Sim, isso está
óbvio desde o inicio do livro, mas logo percebemos que isso é algo que já foi
facilmente contornado por Neville: durante o dia ele se mostra livre para sair
de casa e fazer o que tiver que ser feito e durante a noite sua casa está
protegida suficientemente para que ele não seja atacado. Entretanto, apesar de
sua casa estar protegida, isso não garante completamente sua segurança,
pois devido à solidão o personagem acaba se afundando cada vez mais em seus
próprios dramas - a saudade da família, a falta de companhia (consequentemente,
a falta de sexo), a falta de motivação de continuar vivo e etc. Sendo assim, o
personagem se mostra como uma bomba que pode explodir a qualquer momento, seja
pelas lembranças dolorosas, pelas fantasias que ele tem ao ver as vampiras
seminuas e, principalmente, a bebida, uma das suas maiores companheiras.
É interessante notar que mesmo com o mundo todo
destruído, com mortos-vivos a solta, em suma, apesar de todos os problemas,
Robert Neville faz o máximo pra não se
afastar do mundo que conhecia: ele está sempre escutando seus discos, lendo
romances, cozinhando, deixando sua casa o mais habitável possível, enfim… Sua
casa, apesar dos pesares, não parece a de uma pessoa no meio de um apocalipse,
mas sim a de alguém que segue uma rotina diária domestica que está a espera da
mulher chegar a qualquer momento.
Eu sou a lenda é sobre vampiros, mas apesar de
resgatar e utilizar de toda a mitologia vampiresca talhada antes dele (alho,
cruz, estaca, água corrente, sede de sangue, etc.), o autor desenvolve o
conceito de vampiro de uma maneira única e totalmente diferente do que estamos
acostumados. Se o livro não falasse que as criaturas são vampiros, do inicio ao
fim pensaríamos em zumbis, talvez por já estarmos no século 21 e sermos
bombardeados diariamente com produções que beberam dessa fonte. Da mesma forma
que nossa referência de vampiro é totalmente diferente, sempre pensamos em
criaturas misteriosas e sensuais, que evitam se expor e agem sorrateiramente, e
não em bandos cercando casas por instinto, como os zumbis fazem. Causando certo
estranhamento durante a leitura.
Outro ponto que merece ser destacado é a questão
da epidemia, algo muito comum em produções sobre zumbi, mas não quando se trata
de vampiro. Matheson, com essa nova perspectiva, inova o gênero, criando e
recriando a mitologia e aproveitando pra mostrar uma nova maneira de trabalhar
a relação entre humanos e vampiros.
Como dito anteriormente, as criaturas são uma
ameaça, mas não a ponto de deixar o personagem 24h por dia em alerta, ele
consegue conviver com as criaturas. É interessante porque elas parecem estar de
igual pra igual com Neville: elas não são zumbis que agem somente por instinto,
como também não são os vampiros super poderosos que tratam humanos como seres
inferiores. O protagonista e as criaturas são iguais; cada qual com sua
limitação. Como condição dos vampiros ser o resultado de uma doença, o livro
propõe uma reflexão e uma busca por uma cura, tornando a ideia do apocalipse
mais próxima e real. É a partir desse ponto que um dos principais dilemas do
livro se desenrola.
Neville passa boa parte do seu tempo pesquisando
e estudando informações sobre bactérias, doenças e assuntos relacionados a
medicina para tentar curar a doença que devastou o pais, do mesmo modo ele
também lê literatura sobre vampiros para entender a condição daqueles que cercam
sua casa todas as noites. Sendo assim ele olha para o outro tanto por uma
perspectiva médica quanto por uma perspectiva sobrenatural. Ou seja, ele está
sozinho lutando contra todo o mundo, tentando curar todos aqueles que estão do
lado de fora.
Apesar do livro não ser em primeira pessoa,
acompanhamos o mundo pela perspectiva de Neville e a partir disso podemos
levantar algumas questões que não estão literalmente na obra. Os vampiros em Eu
sou a lenda, apesar de se comportarem como zumbis, alguns deles são seres
conscientes, e em nenhum momento Neville se mostra disposto a conversar, ou até
mesmo entender o estado do vampiro, ele apenas busca sua cura em livros
ignorando o pós-vida e consciência daqueles que dividem o planeta com ele. A
ficção se mostra muito mais interessante do que o ser real.
A partir disso, podemos viajar um pouco e
deixarmos de ver Eu sou a lenda como um livro de terror que trata de
vampiros, e começarmos a ver pela perspectiva de que Robert Neville é um homem
que não consegue suportar a mudança do mundo e o convívio com o diferente, com
isso, ele se isola em sua casa e tenta justificar todos os
medos/preconceitos/aversões com explicações médicas e sobrenaturais, vendo no
outro sempre a figura do perigo e a necessidade de cura, mas fugindo do diálogo
e evitando pensar nele mesmo como o diferente.
A edição
É só pegar o
livro na mão que fica nítido o carinho que a editora Aleph teve na hora de
fazer essa edição, se preocupando em todos os detalhes para que o livro seja
não apenas uma obra literária mas também um peça necessária na coleção de
qualquer fã de terror e sci-fi. Desde a capa até o texto se destacam.
O livro é em capa
dura e tanto a capa quanto o verso são trabalhados nas cores branco, preto e
rosa. As primeiras páginas contam com algumas imagens em preto e branco dos
vampiros. O livro é divido em três partes em todo intervalo de uma para outra
há uma imagem que tenha a ver com a narrativa. Além disso, no início de cada
capitulo há uma pequena ilustração de um objeto relevante do capitulo.
Uma das coisas
que mais chamam a atenção de Eu sou a lenda da Aleph é a diagramação do
texto. O espaçamento utilizado no livro faz com que tenha menos texto em cada
pagina, tornando o livro mais grosso mas, ao mesmo tempo, não é preciso abrir o
livro em sua totalidade para conseguir ler.
O livro conta com
dois extras para conhecer e entender um pouco mais a obra. Um deles é uma
entrevista com o autor e o outro é uma critica de um professor universitário
dando outros pontos de vista sobre o livro.
Devo me entregar a um bando de
vampiros que mais parecem zumbis?
Sim, Eu sou a
lenda é um daqueles clássicos que você só ira entender a importância depois
que ler. Matheson consegue, em uma leitura fluída e direta, te transportar pra
solidão de Neville e transmitir todo o peso do mundo pós-apocalíptico criado
por ele.
Apesar de escrito
em 1954, Eu sou a lenda continua um livro muito atual e que compartilha
de muitos de nossos medos e anseios, nos fazendo pensar em nossa condição de
humano ao lidarmos com as introspecções do personagem sobre tudo aquilo que ele
enfrenta e teme.
Se você gosta de
vampiros, zumbis e historias que se passam em um mundo devastado, Eu sou a
lenda é um item indispensável na sua biblioteca.
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