quinta-feira, 3 de março de 2016

Literatura: Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos (Ana Paula Maia)


            Os animais sempre tiveram um papel importante nas sociedades que habitaram o mundo, seja para alimentação, transporte, entretenimento, companhia, trabalho, te deixar com medo, enfim. Com o passar do tempo as relações “homem x animal” foram se modificando e deixaram de ser apenas de trabalho e ameaça, tanto que atualmente, cada vez mais, há lutas pelos direitos (de alguns) animais e tentativas de tornar essa convivência cada vez mais justa.
            Por mais que adoremos um “eggs & bacon” no Café acho que todos concordamos que todo o sistema deveria ser menos cruel…
             Cruel, aliás, é uma palavra que serve para definir o livro da resenha de hoje, entretanto, essa palavra pode mudar seu significado de acordo com o ambiente e tempo em que está inserida.... Então se prepare para conhecer personagens que a primeira vista são odiosos... na segunda também, e que nem sempre compartilham dessa mesma noção de civilidade que nós possuímos...


 "Erasmo Wagner olha para dentro da caçamba e pensa que já não há espaço no mundo pra tanto lixo. Que serão todos sufocados por ele. Um mar de imundície sacrificará a humanidade com seus próprios dejetos."

Titulo original: Entre rinhas de
cachorros e porcos abatidos
Autor: Ana Paula Maia
Ano: 2009
Editora: Record
Paginas: 158
                                             

            O livro conta com duas novelas: “Entre rinhas de cachorros e porcos abatidos”, que dá título ao livro, e “O trabalho sujo dos outros”. Em ambos os textos a autora explora situações cotidianas de personagens que muitas vezes são invisíveis para nós.
            No primeiro acompanhamos a rotina de Edgar Wilson e seu amigo Gerson, que vivem no subúrbio e não possuem contato com a rotina de cidade grande. Ambos trabalham com o abatimento de porcos e, após o expediente, tem como principal diversão assistir e apostar nas rinhas de cachorro.
            Na segunda novela temos como protagonista Erasmo Wagner, um lixeiro que reflete a situação da cidade em que vive a partir da sua relação com o lixo. Além de Erasmo também somos apresentados ao seu irmão Alandelon, um operário de britadeira que está cada vez mais surdo devido ao seu trabalho e também à Edivardes, primo deles, que desentope canos e esgotos para sobreviver. Os três acabam se deparando com situações que quebram suas rotina, como uma greve dos lixeiros e um bode.

Historias da marginalidade

            Por se tratar de duas novelas, prefiro não falar muito sobre a história, já que as duas são historias curtas e qualquer coisa que eu falasse poderia estragar um pouco da experiência da leitura. A breve sinopse acima basta para ter uma noção sobre o que o livro fala.
            Apesar de serem duas historias diferentes, ela são bem próximas tematicamente:ambas tratam de personagens marginalizados que você nunca pensaria em ver como protagonistas de um livro. É interessante notar que ambos os protagonistas tem as iniciais – tanto do nome quanto do sobrenome – iguais, mas as semelhanças não se resumem a isso, pois ambos são pessoas “brutas”, no sentido de que passaram por situações difíceis e que precisaram lutar arduamente para sobreviver. Muitos dos sentimentos e coisas que consideramos importantes são desconhecidos para eles, porém, nem por isso eles deixam de ter seus valores.
            Esse é um dos aspectos mais interessantes porque faz com que você se sinta, de certo modo, dividido em relação ao modo como interpreta os personagens. À primeira vista,sentimos um sentimento de animalidade porque de certa forma esses são personagens repulsivos: o primeiro trabalha com o abate de porcos e tem como diversão a rinha de cachorros, sua vida é rodeada pela morte de animais e ele gosta disso e se sente bem rodeado de sangue; já o segundo, apesar de não matar animais no trabalho e não assistir/apostar em rinhas, também não possui uma relação tão boa com os animais, como pode se perceber no decorrer da historia. Para além dessa primeira impressão, contudo, por mais que sintamos raiva dos personagens por alguma atitudes, não dá para odiá-los completamente, pois embora sejam brutos e sádicos em certos momentos, eles também são rodeados por certa inocência. É interessante notar que ao mesmo tempo em que o relacionamento com os animais não são dos melhores, existem situações em que eles criam certo vínculo com os mesmos, existindo momentos de respeito e admiração.
            “Entre rinhas de cachorros...” trata de personagens que fazem o trabalho sujo da sociedade, aquele trabalho em que toda sociedade precisa mas que todos recriminam e se recusam a dar valor. Isso resulta em personagens esquecidos que são obrigados a viver na margem e criarem as próprias regras, a própria visão de mundo e o próprio estilo de vida. Apesar de a sujeira e o asco serem os primeiros sentimentos que temos ao olharmos para esses personagens, a historia não deixa de ter um lado “sensível”, pois, assim como são frios em relações a alguns assuntos, eles também são puros em relações a outros tais como a amizade e parceria tratada em ambas as historias.
            A escrita e a narrativa de Ana Paula Maia é fria e direta. As historias, apesar de serem bem violentas e rodeadas pela podridão, também possuem um toque de humor devido algumas cenas absurdas porem divertidas, tornando a leitura um pouco mais leve.

Devo apostar em rinhas?

            Não amiguinhos, rinhas não são legais e, tanto no âmbito jurídico quanto no adjetivo, os animais são nossos parceiros e não devemos matá-los por diversão. Entretanto, se você quer uma leitura um pouco mais pesada, sangrenta e com situações bizarras, Entre rinhas é um livro que irá te satisfazer. Apesar de ser curto, duas historias com cerca de 70 paginas cada, é um livro com uma leitura bem fluida que consegue fazer você pensar em diversos assuntos e acompanhar historias de personagens que você nunca pensou em conhecer.

            Edgar Wilson e Erasmo Wagner talvez sejam pessoas que você não queira conhecer pessoalmente por motivos óbvios, porém são pessoas com histórias interessantes que merecem ser conhecidas. Aqueles e aquilo que ignoramos, as vezes, nos ensinam muito mais do que as coisas que consideramos importante.

Nenhum comentário:

Postar um comentário