Os animais sempre tiveram um papel
importante nas sociedades que habitaram o mundo, seja para alimentação,
transporte, entretenimento, companhia, trabalho, te deixar com medo, enfim. Com
o passar do tempo as relações “homem x animal” foram se modificando e deixaram
de ser apenas de trabalho e ameaça, tanto que atualmente, cada vez mais, há
lutas pelos direitos (de alguns) animais e tentativas de tornar essa
convivência cada vez mais justa.
Por mais que adoremos um “eggs &
bacon” no Café acho que todos concordamos que todo o sistema
deveria ser menos cruel…
Cruel, aliás, é uma palavra que serve para
definir o livro da resenha de hoje, entretanto, essa palavra pode mudar seu
significado de acordo com o ambiente e tempo em que está inserida.... Então se
prepare para conhecer personagens que a primeira vista são odiosos... na
segunda também, e que nem sempre compartilham dessa mesma noção de civilidade que
nós possuímos...
"Erasmo Wagner olha para dentro da
caçamba e pensa que já não há espaço no mundo pra tanto lixo. Que serão todos
sufocados por ele. Um mar de imundície sacrificará a humanidade com seus
próprios dejetos."
Titulo original: Entre rinhas de
cachorros e porcos abatidos
Autor: Ana Paula Maia
Ano: 2009
Editora: Record
Paginas: 158
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O livro conta com duas novelas: “Entre
rinhas de cachorros e porcos abatidos”, que dá título ao livro, e “O trabalho
sujo dos outros”. Em ambos os textos a autora explora situações cotidianas de
personagens que muitas vezes são invisíveis para nós.
No primeiro acompanhamos a rotina de
Edgar Wilson e seu amigo Gerson, que vivem no subúrbio e não possuem contato
com a rotina de cidade grande. Ambos trabalham com o abatimento de porcos e,
após o expediente, tem como principal diversão assistir e apostar nas rinhas de
cachorro.
Na segunda novela temos como
protagonista Erasmo Wagner, um lixeiro que reflete a situação da cidade em que
vive a partir da sua relação com o lixo. Além de Erasmo também somos
apresentados ao seu irmão Alandelon, um operário de britadeira que está cada
vez mais surdo devido ao seu trabalho e também à Edivardes, primo deles, que
desentope canos e esgotos para sobreviver. Os três acabam se deparando com
situações que quebram suas rotina, como uma greve dos lixeiros e um bode.
Historias
da marginalidade
Por se tratar de duas
novelas, prefiro não falar muito sobre a história, já que as duas são historias
curtas e qualquer coisa que eu falasse poderia estragar um pouco da experiência
da leitura. A breve sinopse acima basta para ter uma noção sobre o que o livro
fala.
Apesar de serem duas historias
diferentes, ela são bem próximas tematicamente:ambas tratam de personagens
marginalizados que você nunca pensaria em ver como protagonistas de um livro. É
interessante notar que ambos os protagonistas tem as iniciais – tanto do nome
quanto do sobrenome – iguais, mas as semelhanças não se resumem a isso, pois
ambos são pessoas “brutas”, no sentido de que passaram por situações difíceis e
que precisaram lutar arduamente para sobreviver. Muitos dos sentimentos e
coisas que consideramos importantes são desconhecidos para eles, porém, nem por
isso eles deixam de ter seus valores.
Esse é um dos aspectos mais
interessantes porque faz com que você se sinta, de certo modo, dividido em
relação ao modo como interpreta os personagens. À primeira vista,sentimos um
sentimento de animalidade porque de certa forma esses são personagens
repulsivos: o primeiro trabalha com o abate de porcos e tem como diversão a
rinha de cachorros, sua vida é rodeada pela morte de animais e ele gosta disso
e se sente bem rodeado de sangue; já o segundo, apesar de não matar animais no
trabalho e não assistir/apostar em rinhas, também não possui uma relação tão
boa com os animais, como pode se perceber no decorrer da historia. Para além
dessa primeira impressão, contudo, por mais que sintamos raiva dos personagens
por alguma atitudes, não dá para odiá-los completamente, pois embora sejam
brutos e sádicos em certos momentos, eles também são rodeados por certa
inocência. É interessante notar que ao mesmo tempo em que o relacionamento com
os animais não são dos melhores, existem situações em que eles criam certo
vínculo com os mesmos, existindo momentos de respeito e admiração.
“Entre rinhas de cachorros...” trata
de personagens que fazem o trabalho sujo da sociedade, aquele trabalho em que
toda sociedade precisa mas que todos recriminam e se recusam a dar valor. Isso
resulta em personagens esquecidos que são obrigados a viver na margem e criarem
as próprias regras, a própria visão de mundo e o próprio estilo de vida. Apesar
de a sujeira e o asco serem os primeiros sentimentos que temos ao olharmos para
esses personagens, a historia não deixa de ter um lado “sensível”, pois, assim
como são frios em relações a alguns assuntos, eles também são puros em relações
a outros tais como a amizade e parceria tratada em ambas as historias.
A escrita e a narrativa de Ana Paula
Maia é fria e direta. As historias, apesar de serem bem violentas e rodeadas
pela podridão, também possuem um toque de humor devido algumas cenas absurdas
porem divertidas, tornando a leitura um pouco mais leve.
Devo
apostar em rinhas?
Não amiguinhos, rinhas
não são legais e, tanto no âmbito jurídico quanto no adjetivo, os animais são
nossos parceiros e não devemos matá-los por diversão. Entretanto, se você quer
uma leitura um pouco mais pesada, sangrenta e com situações bizarras, Entre
rinhas é um livro que irá te satisfazer. Apesar de ser curto, duas
historias com cerca de 70 paginas cada, é um livro com uma leitura bem fluida
que consegue fazer você pensar em diversos assuntos e acompanhar historias de
personagens que você nunca pensou em conhecer.
Edgar Wilson e Erasmo Wagner talvez
sejam pessoas que você não queira conhecer pessoalmente por motivos óbvios,
porém são pessoas com histórias interessantes que merecem ser conhecidas.
Aqueles e aquilo que ignoramos, as vezes, nos ensinam muito mais do que as
coisas que consideramos importante.
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