quinta-feira, 8 de setembro de 2016

Literatura: A filosofia na alcova (Marquês de Sade)


Embalados pelo dia do sexo, vasculhamos a fundo a biblioteca do Café para trazer aos nossos leitores o maior libertino que já passou por esse mundo medíocre e careta. Esqueça tudo o que você sabe sobre sexo, queime todos os exemplares de 50 tons de cinza e deixe de lado suas virtudes, porque hoje a natureza vai falar mais alto e você vai aprender tudo que você queria, e não queria, sobre sexo.
Mas vá com calma, seguir os ensinamentos do Sadinho ao pé da letra dá cadeia. Não nos responsabilizamos por isso. Seja consciente, respeitoso e use camisinha, principalmente se rolar sodomia.


Os prazeres recebidos pela estima, Eugénie, não passam de prazeres morais, convenientes apenas a certas cabeças. Já os prazeres da foda agradam a todos, e seus sedutores atrativos logo compensam esse desprezo ilusório ao qual é difícil escapar quando se enfrenta a opinião pública, mas de que as mulheres sensatas zombam a ponto de torná-lo um prazer a mais. Portanto fode, Eugénie; fode, meu anjo. Teu corpo só a ti pertence; só tu no mundo tens o direito de gozar dele e fazer gozar a quem bem quiseres.

Título original: La philosophie 
dans le boudoir
Autor: Marquês de Sade
Ano: 1795
Editora: Iluminuras
Páginas: 256
            Eugénie é uma jovem de 15 anos, filha de pai libertino e mãe cristã devota, que passou parte de sua vida num convento, e é lá que conhece Saint-Ange, uma libertina que vê na inocência e no corpo virginal de Eugénie a oportunidade de educá-la em valores e visões de mundo que corrompem tudo aquilo que, até então, ela tinha aprendido pela jovem. Com o apoio do pai, Eugénie aceita o convite de Saint-Ange para passar dois dias em sua casa e aprender tanto na pratica quanto na teoria tudo o que ela precisa saber para entrar nesse mundo regado a sangue, porra e suor.

Educação Sadexual

            Toda a história se passa durante um único dia e num único lugar, focando exclusivamente na educação da jovem. Por ser alguém que passou parte da vida no convento e ter apenas 15 anos, fica perceptível em suas falas sua inocência e curiosidade em relação ao mundo. Eugénie aceita as palavras de Saint-Ange e Dolmancé (um libertino bastante reconhecido que foi convidado para ajudar na educação) com rapidez e sem muito questionamento.
            Como tinha dito, essa educação se dará pelo aspecto prático e teórico, incluindo diversas orgias (algumas delas muito complexas) e, ao mesmo tempo, ensinamentos bem didáticos sobre genitais, masturbação, sodomia, etc. Apesar do sexo ser um elemento que irá permear toda a trama, o livro não se resume a isso, pois contém também diversas discussões filosóficas e políticas sobre a natureza humana e seus vícios e virtudes.

Gozando e narrando

            Assim como numa peça de teatro, todo o desenvolvimento da história se dará a partir de diálogos, o que faz com que o livro tenha um ar cômico, por mais pesado que ele seja. A comicidade se dá porque, na ausência de uma narrativa, as orgias acabam sendo narradas pelos próprios personagens envolvidos nelas, algo que parece meio irreal e divertido de se imaginar. Outro ponto que é bem característico do Sade, é o fato de ele misturar termos vulgares com uma linguagem rebuscada, tendo em vista que os libertinos são pessoas que fazem parte da burguesia.
            Apesar de você se pegar rindo em algumas passagens, o livro não deixa de incomodar e causar sensação de repulsa em vários momentos. Como é fácil perceber, Filosofia na alcova é um livro relativamente difícil de se ler, não pela linguagem, mas pelo conteúdo que irá chocar qualquer um que não tenha contato com as obras do Marquês – Sade é um autor que não tem dó do leitor e não poupa descrições sobre os atos mais sórdidos.
            Só pela sinopse já é possível perceber que o livro irá tratar de pedofilia, contudo, ele não se resumirá a isso, pois a intenção do autor é subverter tudo e todos, desconstruindo tudo aquilo que diz respeito à virtudes, convenções sociais e valores religiosos. Eugénie, com seus 15 anos, não será deflorada apenas fisicamente, mas também moralmente, além de ser penetrada por todos os buracos possíveis e por todas pessoas presentes, sejam homens ou a própria Saint-Ange com seus apetrechos. A jovem também será ensinada a viver única e exclusivamente para o seu prazer e aprenderá a desconstruir tudo aquilo que coloque limites a suas vontades e desejos.

Pausa no sexo pra uma discussão cabeça... a de cima

            Mais ou menos na metade do livro, entre uma orgia e outra, Sade quebra a condução da trama pelos diálogos e encaixa uma parte mais teórica, quase como um ensaio sobre política, religião e costumes. Sim, pode parecer estranho as pessoas estarem fazendo sexo e, logo em seguida, um personagem sacar uma cartilha que ele comprou na cidade e começar a ler, mas não deixa de ser necessário à obra por abranger melhor a visão do autor e complementar alguns pontos que ficaram superficiais nos diálogos dos personagens.
            Nessa parte, chamada “Franceses, mais um esforço se quereis ser republicanos” temos um contato maior com a filosofia de Sade. Os pensamentos do autor tomam como ponto de partida a questão de que não há certo e errado, e que tudo é socialmente construído de acordo com a cultura do tempo e espaço, portanto, o homem tem que responder à natureza e não aos valores criados pelos outros, já que a natureza de cada indivíduo é diferente e uma lei não deve contemplar a todos. Sendo assim, o prazer, independente de qual seja, deve ser a prioridade do indivíduo por se tratar de algo que está diretamente ligado à natureza e não à valores criados pelos homens. A partir dessa ideia Sade irá discorrer sobre diversos temas, além de subverter e negar a ordem social das coisas, chegando a extremos como justificar o assassinato entre outros crimes.

Devo visitar essa alcova?

            A filosofia na alcova consegue ser um livro muito denso e pesado que, ao mesmo tempo, é também cômico e acessível, diferentemente de muitas obras que tratam de questões filosóficas e políticas. Apesar disso, ele é também um livro subversivo e que irá incomodar o leitor, principalmente se tiver qualquer problema com sexo, crenças religiosas e crueldades em geral. A história de Eugénie serve como um instrumento para o Sade chocar e desconstruir tudo aquilo que estava acontecendo em sua época, abusando do sexo e da violência para subverter a ordem e levar às instituições sociais e religiosas ao extremo a ponto de ridicularizá-las. Apesar da filosofia do autor ser algo que devemos manter longe dos nossos valores e da nossa vida social, não deixa de ser interessante conhecê-la.
            Caso você nunca tenha lido Sade, mas tenha interesse, A filosofia na alcova é um livro bom para começar por conseguir entrelaçar o sexo e o sadismo com os aspectos filosóficos desenvolvidos pelo autor. Mas se você leu até aqui, já deve ter percebido que Sade não é um daqueles autores que você sai recomendando por aí, e que para aproveitar e gostar da leitura é bom já ter uma certa bagagem com produções (sejam literárias ou cinematográficas) que tratem de assuntos relacionados.

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