quinta-feira, 20 de outubro de 2016

Resenha: Inferno Carnal


Dando continuidade ao projeto #OZéAlémDoCaixão, o Café vêm hoje para tratar de um tema bem recorrente nas produções de terror/suspense de todo o mundo: a vingança. Então, antes de começarmos a resenha de fato vou deixar uma pergunta: o que você faria se sobrevivesse a uma tentativa de assassinato pela sua própria mulher e seu melhor amigo?
Eu sei, a pergunta é difícil, por que você não vem descobrir o que o Mojica faria enquanto você pensa na sua resposta?






Título original: Inferno carnal
Lançamento: Brasil (1977)
Duração: 85 minutos
Direção: José Mojica Marins




Jorge Medeiros é um conceituado cientista que está envolvido na criação de um novo tipo de ácido. Focado em sua pesquisa e sem muito tempo para outros assuntos, ele acaba não dando muita atenção a sua esposa Raquel, que passa a ter um caso extra-conjugal com Oliver, o melhor amigo do cientista. De olho na fortuna do cientista, o casal planeja o seu assassinato para ficar com a herança, mas o que eles não esperavam é que Medeiros iria sobreviver a tentativa de assassinato e que ele retornaria com alguns planos em mente.

Ácido no olho dos outros é refresco

Inferno carnal é um daqueles filmes que teria tudo pra dar errado (e pra ser sincero, em muitos aspectos ele dá mesmo errado), mas ainda assim é um filme bem bacana, com um roteiro interessante que, mesmo partindo de uma premissa clichê, consegue encontrar sua própria autenticidade.
Apesar disso, não dá para ignorar o fato de que o filme poderia ser muito melhor se não fosse os milhares de problemas pelos quais o Mojica estava passando na época. Sim, ele passou por apertos a vida toda, mas aqui a coisa estava um pouco mais grave: sem dinheiro, literalmente falido, ele estava pegando qualquer filme que aparecesse pela frente, deixando um pouco de lado seu personagem Zé do Caixão devido à falta de verba. Além dos problemas financeiros, amorosos e depressão devido a impossibilidade de focar em suas obras, esse foi um dos períodos em que ele mais teve problema com as bebidas. Esse turbilhão que passava em sua vida culminou em um infarto, que manteve o Mojica no hospital por um tempo.
Sendo assim, é um filme que passou por diversos contratempos, mas mesmo assim, apesar das falhas, tem sua autenticidade, sua qualidade. Luchetti, o roteirista, aliás, é um dos principais responsáveis pela qualidade do filme, porque sem um bom roteiro, Mojica não seguraria essa barra sozinho, ainda mais nas condições que ele estava.
Mas antes de partirmos pro filme, acho legal levantarmos um dos eventos que ocorreram durante a produção.
Visto que Mojica estava internado no meio das filmagens, ele se aproveitou disso para gravar as cenas do filme ali mesmo, na cama do hospital. Não apenas para Inferno carnal mas também para outro filme. Então as cenas que veremos no filme não é de todo ficção, ele estava de fato hospitalizado. É curioso perceber como mesmo fodido cheio de problema o José Mojica não consegue deixar sua paixão pelo cinema de lado e se aproveita da sua própria desgraça para deixar o seu filme ainda melhor.
Inclusive, existem outras curiosidades bem interessantes envolvendo esse episódio, mas não cabe contar aqui, vá atrás da biografia (ou participe dos sorteios que estamos fazendo SORTEIO 1 e SORTEIO 2.

RAQUEEEEEELLLLLLLLLLL!!!!!

Bom, não há muito o que escrever sobre o roteiro em si, porque apesar de ele ter seus méritos, tudo começa e se desenvolve a partir de uma premissa muito simples, então qualquer coisa que eu comente além do básico será spoiler e poderá estragar a surpresa, mas vamos lá.
O filme inicia com Oliver indo buscar a esposa do cientista Medeiros para ir a um concerto. Apesar de saber do caso entre os dois (pelo menos é o que o seu olhar dá a entender), ele não se opõe ao passeio da sua esposa com seu amigo, até mesmo apoia que eles saiam sozinhos e ela não tenha que ficar em casa sem fazer nada enquanto ele trabalha. O que dá a entender que seu casamento é conveniente para seu status social, mas não necessariamente existe amor ou sentimentos envolvidos nele. É engraçado que antes de saírem, o amante da sua esposa até fala que Medeiros precisa viver mais a vida, sair e fazer coisas além do trabalho, e ele simplesmente responde: “viver a vida é se entregar e viver as suas experiências”, dando a entender que a ciência vem antes de qualquer outro assunto.
Após voltarem do concerto e fazer um amorzinho gostoso, Oliver diz que cansou da situação e que precisam arrumar uma forma de ficarem juntos sem que o cientista fique no caminho, mesmo que simbolicamente. Boba nem nada, Raquel sai falando que Medeiros já tem o testamento pronto devido aos experimentos perigosos que ele anda fazendo, e que caso ele morra eles ganharão um bom dinheiro. Sem precisar discutir muito, o amante acaba aceitando fazer parte desse crime perfeito.
Para não parecer assassinato, Raquel entra no laboratório e joga o ácido na cara de seu marido, simulando um acidente de trabalho. Enquanto o rosto de Medeiros queima, Oliver coloca fogo no laboratório para acelerar sua morte e Raquel liga para policia fingindo estar aflita com a situação. Mas nem o acido e nem o fogo consegue matar o cientista, que ficará internado por 8 meses.

Entre a dor e a diversão


Enquanto o cientista está no hospital, por todo esse tempo, passando por diversas cirurgias. O casal está gastando o seu dinheiro em festas, bebidas caras e jogo, fazendo com que o dinheiro comece a acabar, uma vez que o restante não pode ser usado porque o proprietário ainda está vivo. É quando a notícia de que Medeiros recebeu alta que a situação dos amantes começa a complicar ainda mais, afinal ele está vivo e eles estão sem dinheiro. É a partir daqui que o plot principal vai começar a se desenvolver, então não entrarei em muitos detalhes, mas é interessante como a narrativa vai começar a se desenvolver por diversos pontos diferentes que aos poucos irão se encontrando.
Algo curioso é que mesmo Medeiros sofrendo uma tentativa de assassinato de sua própria esposa, sua primeira atitude não é buscar vingança, mas sim o oposto disso. Ele pede para que um dos seus funcionários fique de olho nela para que ela não precise passar por dificuldades. Até mesmo ajudando economicamente se necessário, mesmo que de maneira indireta. Então ele passa seus dias recluso em casa, devido a sua aparência, enquanto os seus funcionários vigiam os traidores e levam informações constantemente.
Outra coisa que vamos descobrir é que Oliver é um homem infiel, e utiliza o dinheiro do cientista para gastar com jogos e mulheres. Utilizando do amor de Raquel por ele para conseguir dinheiro fácil, sempre utilizando de desculpas para justificar as suas libertinagens. Mesmo Medeiros sabendo que o dinheiro é gasto por Oliver, ele está sempre liberando mais dinheiro para os dois, causando dúvidas sobre as intenções do cientista.
Por fim, há uma quarta personagem que sempre aparece de maneira misteriosa, uma mulher ruiva que geralmente aparece nua em um quarto esperando um homem que não tem a identidade revelada.
É a partir desses quatro personagens que a historia vai se desenvolvendo. Dando um clima de estranheza e tensão pra obra, porque nunca sabemos as reais intenções dos personagens.

Olho por olho

            Fica claro que uma das inspirações do filme é a “lei de talião”, o famoso olho por olho dente por dente, tanto que o roteiro teve como base um quadro, de um programa de TV que Mojica apresentava, com esse mesmo nome: A lei de Talião. Apesar de qualquer pessoa (que tenha o mínimo de bom senso) saber que essa reciprocidade de crime e pena ser algo absurdo, no filme ela funciona muito bem. Sabe porque? Porque nós cinéfilos somos sádicos e adoramos uma maldade (no cinema, vamos deixar isso claro).
            Como já deve ter percebido, o plot principal do filme vai ser a vingança, mesmo que em algumas partes o filme tente dar a impressão de não ser. Apesar do tema e até do desfecho serem simples e previsíveis, é interessante como tudo vai sendo arquitetado ao longo da narrativa, uma vez que tudo vai caminhando por um trajeto diferente do esperado. Em qualquer outro filme iríamos ter um personagem revoltado tramando planos diabólicos e sangrentos para se vingar, mas aqui você não sente a raiva do personagem por ser traído, ele se mantém sereno e ajudando a mulher que lhe trouxe tanto sofrimento. Podemos até dizer que ele acabou se aproveitando disso para mudar a própria vida. Se você assistiu entenderá o porquê.
            Devido ao ritmo, em alguns momentos o filme vai tomar ares de drama mexicano, em que você acha que Medeiros é apenas um corno, Raquel uma mulher que só sofreu decepções na vida amorosa e Oliver o garanhão que engana todo mundo, mas conforme você se aproxima do final você vai compreendendo os motivos de cada ação do protagonista.
            O que torna o final e a vingança tão impactante é justamente o suspense que está no ar durante todo o filme. Diferente de outros trabalhos do Mojica ou outras obras com a mesma temática, Inferno Carnal foca mais na construção da ambientação e dos personagens do que nas ações de fato. Não vamos ter o protagonista correndo atrás dos responsáveis com um machado nas mãos, não teremos chuva de sangue, nem planejamento da vingança diabólica. Sendo assim, até os momentos finais do filme tudo permanece em completo mistério: porque o cientista está ajudando Raquel? Quem é essa mulher ruiva que aparece diversas vezes? Ele realmente vai se vingar? Como? Deste modo, mesmo o espectador sabendo o que irá acontecer no final, ele acaba se surpreendendo.

Essa carne é quente mesmo?

            Inferno carnal é um filme bem bacana e cheio de méritos, mas como em toda obra do Mojica vamos encontrar alguns problemas. Algumas vezes esses problemas se tornam qualidades, como, por exemplo, o filme A meia noite levarei sua alma, mas aqui temos problemas que tornariam o filme melhor se corrigidos, e ainda que alguns não incomodam tanto, alguns incomodam sim. O principal deles é o ritmo na segunda metade do filme. Sim, acima eu falei que esse ritmo lento ajuda a dar um clima de suspense pra obra e que contribui pro seu desfecho, mas o problema aqui é a repetição: o ritmo poderia manter o mesmo, mas com um desenvolvimento melhor. Metade do filme se resume a diversas cenas picadas de Oliver jogando ou indo atrás de garotas, a garota ruiva se exibindo pro homem misterioso e Medeiros falando com seus empregados para ajudar Raquel. Então durante quase 30 minutos do filme ele se resume a praticamente isso, talvez por não ter verba para gravar outras passagens e ter que encontrar alguma forma de preencher o tempo.
            Outro ponto que não me incomoda, mas que tira um pouco da força da obra é a precariedade da ambientação e dos itens que compõem a cena. No filme, Mojica interpreta um cientista muito rico que tem um testamento bem gordo, entretanto, quando vemos o laboratório dele é algo patético. O laboratório se resume a uma sala pequena com meia dúzia de tubos de ensaio, o que acaba sendo bem cômico, ainda mais porque percebemos que ele não tem muita noção daquilo que o personagem está fazendo, existem cenas em que ele está fumando um cachimbo enquanto trabalha com compostos químicos perigosíssimos. Outra detalhe cômico é que em seu avental não está escrito Medeiros, mas sim o nome de seu “amigo” Oliver, devido a um problema de comunicação entre os membros da equipe.
            Apesar de gostar do filme reconheço que pode desagradar algumas pessoas devido ao seu ritmo arrastado e pela sua falta de orçamento gritar em diversos momentos. Se em algumas obras a “pobreza” da produção dá charme a obra, aqui ela pode atrapalhar um pouco. Mas nem por isso ela é uma obra ruim.
            Claro que é difícil compará-la a obras como Esta noite, A meia noite e, até mesmo, O estranho mundo de Zé do Caixão, afinal ele tem uma temática mais voltada para o suspense do que para o terror, mas levando em conta as limitações, a vida que estava mais problemática que o normal e que ele gravou em menos de um mês, é uma obra com um roteiro bem bacana. Poderia ser melhor aproveitado, sem dúvidas, mas as coisas não acontecem como queremos, Mojica que o diga. 

            P.S. Apesar de ser uma obra de suspense e não ter o mesmo clima macabro das outras, nesse filme teremos uma das cenas mais aflitivas de toda sua filmografia. Dê o play e se contorça na cadeira com a gente. 

Assista aqui:

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