Dando
continuidade ao projeto #OZéAlémDoCaixão,
o Café
vêm hoje para tratar de um tema bem recorrente nas produções de
terror/suspense de todo o mundo: a vingança. Então, antes de começarmos a
resenha de fato vou deixar uma pergunta: o que você faria se sobrevivesse a uma
tentativa de assassinato pela sua própria mulher e seu melhor amigo?
Eu
sei, a pergunta é difícil, por que você não vem descobrir o que o Mojica faria
enquanto você pensa na sua resposta?
Lançamento: Brasil (1977)
Duração: 85 minutos
Direção: José Mojica
Marins
Jorge
Medeiros é um conceituado cientista que está envolvido na criação de um novo
tipo de ácido. Focado em sua pesquisa e sem muito tempo para outros assuntos,
ele acaba não dando muita atenção a sua esposa Raquel, que passa a ter um caso
extra-conjugal com Oliver, o melhor amigo do cientista. De olho na fortuna do
cientista, o casal planeja o seu assassinato para ficar com a herança, mas o
que eles não esperavam é que Medeiros iria sobreviver a tentativa de
assassinato e que ele retornaria com alguns planos em mente.
Ácido no olho dos outros é
refresco
Inferno
carnal é um daqueles
filmes que teria tudo pra dar errado (e pra ser sincero, em muitos aspectos ele
dá mesmo errado), mas ainda assim é um filme bem bacana, com um roteiro
interessante que, mesmo partindo de uma premissa clichê, consegue encontrar sua
própria autenticidade.
Apesar
disso, não dá para ignorar o fato de que o filme poderia ser muito melhor se
não fosse os milhares de problemas pelos quais o Mojica estava passando na
época. Sim, ele passou por apertos a vida toda, mas aqui a coisa estava um
pouco mais grave: sem dinheiro, literalmente falido, ele estava pegando
qualquer filme que aparecesse pela frente, deixando um pouco de lado seu
personagem Zé do Caixão devido à falta de verba. Além dos problemas
financeiros, amorosos e depressão devido a impossibilidade de focar em suas
obras, esse foi um dos períodos em que ele mais teve problema com as bebidas.
Esse turbilhão que passava em sua vida culminou em um infarto, que manteve o
Mojica no hospital por um tempo.
Sendo
assim, é um filme que passou por diversos contratempos, mas mesmo assim, apesar
das falhas, tem sua autenticidade, sua qualidade. Luchetti, o roteirista,
aliás, é um dos principais responsáveis pela qualidade do filme, porque sem um
bom roteiro, Mojica não seguraria essa barra sozinho, ainda mais nas condições
que ele estava.
Mas
antes de partirmos pro filme, acho legal levantarmos um dos eventos que ocorreram
durante a produção.
Visto
que Mojica estava internado no meio das filmagens, ele se aproveitou disso para
gravar as cenas do filme ali mesmo, na cama do hospital. Não apenas para Inferno
carnal mas também para outro filme. Então as cenas que veremos no filme não
é de todo ficção, ele estava de fato hospitalizado. É curioso perceber como
mesmo fodido cheio de problema o José Mojica não consegue deixar sua
paixão pelo cinema de lado e se aproveita da sua própria desgraça para deixar o
seu filme ainda melhor.
Inclusive,
existem outras curiosidades bem interessantes envolvendo esse episódio, mas não
cabe contar aqui, vá atrás da biografia (ou participe dos sorteios que estamos
fazendo SORTEIO 1 e SORTEIO 2.
RAQUEEEEEELLLLLLLLLLL!!!!!
Bom,
não há muito o que escrever sobre o roteiro em si, porque apesar de ele ter
seus méritos, tudo começa e se desenvolve a partir de uma premissa muito
simples, então qualquer coisa que eu comente além do básico será spoiler
e poderá estragar a surpresa, mas vamos lá.
O
filme inicia com Oliver indo buscar a esposa do cientista Medeiros para ir a um
concerto. Apesar de saber do caso entre os dois (pelo menos é o que o seu olhar
dá a entender), ele não se opõe ao passeio da sua esposa com seu amigo, até
mesmo apoia que eles saiam sozinhos e ela não tenha que ficar em casa sem fazer
nada enquanto ele trabalha. O que dá a entender que seu casamento é conveniente
para seu status social, mas não necessariamente existe amor ou sentimentos
envolvidos nele. É engraçado que antes de saírem, o amante da sua esposa até
fala que Medeiros precisa viver mais a vida, sair e fazer coisas além do
trabalho, e ele simplesmente responde: “viver a vida é se entregar e viver as
suas experiências”, dando a entender que a ciência vem antes de qualquer outro
assunto.
Após
voltarem do concerto e fazer um amorzinho gostoso, Oliver diz que cansou da
situação e que precisam arrumar uma forma de ficarem juntos sem que o cientista
fique no caminho, mesmo que simbolicamente. Boba nem nada, Raquel sai falando
que Medeiros já tem o testamento pronto devido aos experimentos perigosos que
ele anda fazendo, e que caso ele morra eles ganharão um bom dinheiro. Sem
precisar discutir muito, o amante acaba aceitando fazer parte desse crime
perfeito.
Para
não parecer assassinato, Raquel entra no laboratório e joga o ácido na cara de
seu marido, simulando um acidente de trabalho. Enquanto o rosto de Medeiros
queima, Oliver coloca fogo no laboratório para acelerar sua morte e Raquel liga
para policia fingindo estar aflita com a situação. Mas nem o acido e nem o fogo
consegue matar o cientista, que ficará internado por 8 meses.
Entre a dor e a diversão
Enquanto
o cientista está no hospital, por todo esse tempo, passando por diversas
cirurgias. O casal está gastando o seu dinheiro em festas, bebidas caras e
jogo, fazendo com que o dinheiro comece a acabar, uma vez que o restante não
pode ser usado porque o proprietário ainda está vivo. É quando a notícia de que
Medeiros recebeu alta que a situação dos amantes começa a complicar ainda mais,
afinal ele está vivo e eles estão sem dinheiro. É a partir daqui que o plot
principal vai começar a se desenvolver, então não entrarei em muitos detalhes,
mas é interessante como a narrativa vai começar a se desenvolver por diversos pontos
diferentes que aos poucos irão se encontrando.
Algo
curioso é que mesmo Medeiros sofrendo uma tentativa de assassinato de sua
própria esposa, sua primeira atitude não é buscar vingança, mas sim o oposto
disso. Ele pede para que um dos seus funcionários fique de olho nela para que
ela não precise passar por dificuldades. Até mesmo ajudando economicamente se
necessário, mesmo que de maneira indireta. Então ele passa seus dias recluso em
casa, devido a sua aparência, enquanto os seus funcionários vigiam os traidores
e levam informações constantemente.
Outra
coisa que vamos descobrir é que Oliver é um homem infiel, e utiliza o dinheiro
do cientista para gastar com jogos e mulheres. Utilizando do amor de Raquel por
ele para conseguir dinheiro fácil, sempre utilizando de desculpas para
justificar as suas libertinagens. Mesmo Medeiros sabendo que o dinheiro é gasto
por Oliver, ele está sempre liberando mais dinheiro para os dois, causando
dúvidas sobre as intenções do cientista.
Por
fim, há uma quarta personagem que sempre aparece de maneira misteriosa, uma
mulher ruiva que geralmente aparece nua em um quarto esperando um homem que não
tem a identidade revelada.
É
a partir desses quatro personagens que a historia vai se desenvolvendo. Dando
um clima de estranheza e tensão pra obra, porque nunca sabemos as reais
intenções dos personagens.
Olho por olho
Fica claro que uma das inspirações
do filme é a “lei de talião”, o famoso olho
por olho dente por dente, tanto que o roteiro teve como base um quadro, de
um programa de TV que Mojica apresentava, com esse mesmo nome: A lei de Talião.
Apesar de qualquer pessoa (que tenha o mínimo de bom senso) saber que essa
reciprocidade de crime e pena ser algo absurdo, no filme ela funciona muito
bem. Sabe porque? Porque nós cinéfilos somos sádicos e adoramos uma maldade (no
cinema, vamos deixar isso claro).
Como já deve ter percebido, o plot
principal do filme vai ser a vingança, mesmo que em algumas partes o filme
tente dar a impressão de não ser. Apesar do tema e até do desfecho serem
simples e previsíveis, é interessante como tudo vai sendo arquitetado ao longo
da narrativa, uma vez que tudo vai caminhando por um trajeto diferente do
esperado. Em qualquer outro filme iríamos ter um personagem revoltado tramando
planos diabólicos e sangrentos para se vingar, mas aqui você não sente a raiva
do personagem por ser traído, ele se mantém sereno e ajudando a mulher que lhe
trouxe tanto sofrimento. Podemos até dizer que ele acabou se aproveitando disso
para mudar a própria vida. Se você assistiu entenderá o porquê.
Devido ao ritmo, em alguns momentos
o filme vai tomar ares de drama mexicano, em que você acha que Medeiros é
apenas um corno, Raquel uma mulher que só sofreu decepções na vida amorosa e
Oliver o garanhão que engana todo mundo, mas conforme você se aproxima do final
você vai compreendendo os motivos de cada ação do protagonista.
O que torna o final e a vingança tão
impactante é justamente o suspense que está no ar durante todo o filme.
Diferente de outros trabalhos do Mojica ou outras obras com a mesma temática, Inferno Carnal foca mais na construção
da ambientação e dos personagens do que nas ações de fato. Não vamos ter o
protagonista correndo atrás dos responsáveis com um machado nas mãos, não
teremos chuva de sangue, nem planejamento da vingança diabólica. Sendo assim,
até os momentos finais do filme tudo permanece em completo mistério: porque o
cientista está ajudando Raquel? Quem é essa mulher ruiva que aparece diversas
vezes? Ele realmente vai se vingar? Como? Deste modo, mesmo o espectador
sabendo o que irá acontecer no final, ele acaba se surpreendendo.
Essa carne é quente mesmo?
Inferno
carnal é um filme bem
bacana e cheio de méritos, mas como em toda obra do Mojica vamos encontrar
alguns problemas. Algumas vezes esses problemas se tornam qualidades, como, por
exemplo, o filme A meia noite levarei sua
alma, mas aqui temos problemas que tornariam o filme melhor se corrigidos,
e ainda que alguns não incomodam tanto, alguns incomodam sim. O principal deles
é o ritmo na segunda metade do filme. Sim, acima eu falei que esse ritmo lento
ajuda a dar um clima de suspense pra obra e que contribui pro seu desfecho, mas
o problema aqui é a repetição: o ritmo poderia manter o mesmo, mas com um
desenvolvimento melhor. Metade do filme se resume a diversas cenas picadas de
Oliver jogando ou indo atrás de garotas, a garota ruiva se exibindo pro homem
misterioso e Medeiros falando com seus empregados para ajudar Raquel. Então
durante quase 30 minutos do filme ele se resume a praticamente isso, talvez por
não ter verba para gravar outras passagens e ter que encontrar alguma forma de
preencher o tempo.
Outro ponto que não me incomoda, mas
que tira um pouco da força da obra é a precariedade da ambientação e dos itens
que compõem a cena. No filme, Mojica interpreta um cientista muito rico que tem
um testamento bem gordo, entretanto, quando vemos o laboratório dele é algo
patético. O laboratório se resume a uma sala pequena com meia dúzia de tubos de
ensaio, o que acaba sendo bem cômico, ainda mais porque percebemos que ele não
tem muita noção daquilo que o personagem está fazendo, existem cenas em que ele
está fumando um cachimbo enquanto trabalha com compostos químicos
perigosíssimos. Outra detalhe cômico é que em seu avental não está escrito
Medeiros, mas sim o nome de seu “amigo” Oliver, devido a um problema de
comunicação entre os membros da equipe.
Apesar de gostar do filme reconheço
que pode desagradar algumas pessoas devido ao seu ritmo arrastado e pela sua
falta de orçamento gritar em diversos momentos. Se em algumas obras a “pobreza”
da produção dá charme a obra, aqui ela pode atrapalhar um pouco. Mas nem por
isso ela é uma obra ruim.
Claro que é difícil compará-la a
obras como Esta noite, A meia noite e, até mesmo, O estranho mundo
de Zé do Caixão, afinal ele tem uma temática mais voltada para o suspense
do que para o terror, mas levando em conta as limitações, a vida que estava
mais problemática que o normal e que ele gravou em menos de um mês, é uma obra
com um roteiro bem bacana. Poderia ser melhor aproveitado, sem dúvidas, mas as
coisas não acontecem como queremos, Mojica que o diga.
P.S. Apesar de ser uma obra de suspense e não
ter o mesmo clima macabro das outras, nesse filme teremos uma das cenas mais
aflitivas de toda sua filmografia. Dê o play e se contorça na cadeira
com a gente.
Assista aqui:
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