terça-feira, 7 de fevereiro de 2017

Literatura: Os pássaros (Frank Baker)


            Nesta noite negra o Café vem pousar sobre sua mesa com uma resenha de Os pássaros, o livro de Hitchcock, quer dizer, o filme de Frank Baker, não, esperem um pouco...




"Mas um fato se destacava. Ninguém até então havia sido capaz de matar ou capturar uma daquelas pragas. Pelo contrário, um considerável número de pessoas engajadas em combatê-las tinha morrido. E em todos esses embates mortais, nenhum pássaro, nem mesmo uma pena, jamais foi encontrado."


Título original: The birds
Autor: Frank Baker
Ano: 1936
Editora: Darkside books
Páginas: 304
            O primeiro motivo que atrai as pessoas para o livro de Frank Baker é certamente o filme homônimo de Hitchcock: Os pássaros é um daqueles longas cheios de detalhes, cenas bem feitas, boas atuações e outras coisas que vão te fazer bocejar e vir aqui no Café com Tripas pegar a indicação de um filme de verdade, com cenas de peitinhos, fluídos nojentos lançados contra nossa cara, atuações canastronas, bizarrices e todas essas coisas que todo bom filme tem que ter. Mas mesmo não chegando aos pés de Palhaços assassinos do espaço, Um pistoleiro chamado Papacu e outros clássicos do submundo, o filme de Hitchcock é até bacaninha e gera algum interesse pelo livro que o suscitou.
            Por isso, acho importante começar este texto ressaltando que, caso você ainda não tenha visto o filme, ler o livro não atrapalhará sua experiência cinematográfica, e que, caso já o tenha assistido, a experiência do livro também não estará prejudicada. Particularmente, acho que existe uma independência grande entre ambas as obras que possibilita que elas possam ser apreciadas com independência uma da outra.
            Para quem quiser, a relação entre elas é explicada num ensaio que abre o livro (que considerei não muito esclarecedor, aliás, mas tá lá), mas a resenha aqui do blogue ficará unicamente nas páginas do livro.

Passarinho quer dançar, o rabicho balançar, porque acaba de nascer...

            Um londrino que sobreviveu a uma espécie de “ataque de passarinhos em escala mundial” relata à sua filha os acontecimentos que culminaram nesse desastre.


Como as asas batem

            Um dos maiores acertos tanto do filme quanto do livro é a ausência de uma explicação para a presença dos pássaros: eles chegam sem avisar, arrumam um cantinho no sofá da sala e aí vão ficando. “Os incomodados que se mudem” bem que poderia ser o lema desses bichinhos. Num primeiro momento, poderíamos interpretar que essa ausência seria uma falha da obra, no entanto, basta que avancemos algumas páginas para que percebamos que ela é na verdade uma lacuna criada propositalmente a qual serve à diversas funções ao longo do texto.
            Os pássaros surgem como um objeto entre outros, porém com o tempo sua quantidade passa a aumentar para além do normal e eles começam a apresentar comportamentos esquisitos que não podem ser mais descritos de forma corriqueira. É mais ou menos esse o movimento do livro pela maior parte de sua extensão, com os animais surgindo em pequena quantidade e apenas como um detalhe na vida do protagonista, mas ganhando cada vez mais espaço na história na medida em que passam a permear tudo o que acontece, no entanto, esse mesmo movimento muda lá pelas últimas cinquenta páginas do livro quando o narrador meio que descobre o que são os pássaros e eles decidem, finalmente, atacar, sendo que desse ponto em diante a história se torna mais dinâmica e as coisas mudam um pouco.
            Como o livro constitui um relato, uma história retirada da memória de quem viveu a chegada dos passarinhos, o protagonista não tem grande importância como personagem, propriamente, mas como pessoa que viveu aquele tempo. Através de seus pensamentos, de sua vida pacata e absolutamente sem graça, vamos sabendo das notícias da época — vindas do rádio, da televisão — e da aparição de cada pássaro. Nesse sentido, o protagonista é uma espécie de janela para o passado cuja personalidade, desejos, idiossincrasias são secundárias em relação à sua capacidade de expôr seu tempo, o que torna o livro extremamente descritivo e lento, dando bastante credibilidade ao fato de que o narrador é um velho falando sobre o passado, valorizando demasiadamente sua experiência de vida, etc.
            Já que durante um bom tempo no livro não importa muito responder o que são os pássaros, então esse clima de “memórias de um homem velho e prosaico” ajuda o leitor a entrar um pouco no clima psicológico que a obra cria, e é por aí que ela avança. Bem dizendo, não existem muitos acontecimentos em Os pássaros; apenas o desenrolar da vida do protagonista e o crescimento do número de bichos e dos efeitos psicológicos que eles causam pessoas. Num determinado momento, por exemplo, cada cidadão de Londres fica acompanhado dia e noite por um pássaro, que o seguirá por toda a parte como uma espécie de sombra. Os maiores acertos de Baker estão nessas coisinhas interessantes e bem pensadas, que ajudam o leitor a entender que existe uma espécie de padrão no comportamento dos pássaros, sem porém entregar de bandeja o motivo pelo qual eles estão lá.


Descrições, descrições e mais descrições

            Como o narrador é um expositor de um passado bem diferente do presente, muito daquilo que ele diz é transmitido ao leitor na forma de descrições, ou seja, ele nota algo e diz como foi, como parecia, que sensação causava e assim por diante, sendo que as descrições são o recurso literário mais importante do livro e, sem sombra de dúvida, o mais utilizado.
            Embora não seja muito claro como é o presente da narrativa, ou seja, esse tempo atual do qual o narrador narra sua história, fica nítido que ele foi, de algum modo, arrasado pelos pássaros e existe como uma espécie de mundo pós apocalíptico. O narrador dá a entender que a vinda dos pássaros alterou a configuração política e social do mundo de tal maneira que as pessoas que nasceram depois dos pássaros chegam a desconhecer coisas básicas da civilização, como a burocracia, as religiões, cidades grandes, entre outras coisas que nos são familiares. Por conta disso, várias descrições do passado tem como objetivo apresentar a quem está no presente coisas que não existem mais ou que não fazem mais sentido para quem não viveu aqueles tempos. Perante o leitor, essa é meio que a chance do autor de fazer uma exposição crítica de coisas que são naturais para nós, por exemplo: quando fala do trabalho ele, em tese, está apenas apresentando as coisas dos tempos antigos para seus ouvintes, contudo, na verdade ele está na verdade usando essa descrição para realizar uma crítica do trabalho ao ressaltar sua falta de sentido, sua monotonia e todas essas coisas. Por falar nisso, a título de curiosidade, quem faz muito isso na literatura brasileira é a Pagu — deem uma conferida lá em Parque industrial que vocês notarão algo muito parecido com o que Baker realiza aqui.
            Espalhadas pelo livro todo, essas descrições, às vezes, funcionam, às vezes, são só meio banais. Frank Baker não é nenhum Karl Marx (aliás, nem a Pagu era) apesar de ter seus momentos. Ele possui uma visão bem liberal da sexualidade, por exemplo, que é bacana de ir descobrindo ao longo da obra. Entretanto, o livro é praticamente escrito sobre descrições, algo que enche a paciência em pouco tempo e acaba se tornando um problema. Se, por vezes, a descrição é uma apresentação crítica de algo, uma abordagem de determinado assunto com certa penetração, outras vezes ela é só um vício de escrita que se repete a cada página sem necessariamente levar a história ou o leitor a qualquer coisa interessante, pois as descrições se sucedem sem porém convergir e vão se acumulando enquanto não nos levam a nada. O narrador descreve a cidade, depois descreve o caminho que percorre todo dia a caminho do trabalho, depois descreve as pessoas que estavam nesse caminho, depois descreve o clima, depois descreve o que acha de caminhadas matutinas... E para quê? Por que diabos vamos querer saber dessas coisas? A que elas nos levarão? No mais das vezes, ao fim dessas descrições chegamos não ao que justificaria tanto palavrório desembestado mas simplesmente a outra descrição, e a outra, e a outra, e a mais uma, e ainda a outra, e assim ao infinito. Com isso, por mais que em cada cena a descrição sirva como uma apresentação das coisas que estão na circunstância do personagem, o leitor sempre fica esperando quando isso será interessante ou o envolverá nos temas da obra, algo que raramente acontece, tornando as cenas são longas e desinteressantes.
            É claro que no meio disso há também coisas bacanas, algumas reflexões legais e um clima minimamente interessante, mas o excesso de descrições atravanca a leitura, tornando-a pesada e fazendo com que vençamos páginas e mais páginas a troco de nada. Para vocês terem uma ideia, o tão esperado ataque dos pássaros só vai acontecer depois de umas duzentos e cinquenta páginas de monotonia descritiva num livro que tem pouco mais trezentas ao todo. Curiosamente, quando eu decidi que começaria a parar de esperar do autor alguma coisa positiva nas descrições e que as pularia dali por diante o ataque enfim começou. Mas aí eu já estava entediado demais para me interessar por ele e só queria que o livro acabasse. E ainda demorou um bocado.

Devo comprar um saquinho de alpiste?

            Os pássaros atrai o leitor por conta de algo externo ao próprio livro, que é o filme de Hitchcock, e a edição que recebemos aqui no QG do Café, vinda da parceria com a Dark side, ressalta bastante isso: capa branca contrastada com corvos negros ganhando as páginas do livro. Tudo muito bonito e atrativo. Apesar disso, as histórias que se passam em ambas as obras são bem diferentes e, enquanto o filme é magnífico, o livro é fraco e cheio de problemas, de modo que qualquer empolgação com ele vai ser assassinada va-ga-ro-sa-men-te ao longo de suas trezentas páginas. Ao fim da leitura, fiquei pensando que se ele fosse reduzido a um conto de umas trinta páginas, ficaria ótimo. É uma leitura que acredito que possa ser dispensada com algumas boas resenhas, ou só com uma, se você for doido o bastante para confiar no que diz este blogue.

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