Nesta noite negra o Café vem pousar
sobre sua mesa com uma resenha de Os pássaros, o livro de Hitchcock, quer
dizer, o filme de Frank Baker, não, esperem um pouco...
"Mas
um fato se destacava. Ninguém até então havia sido capaz de matar ou capturar
uma daquelas pragas. Pelo contrário, um considerável número de pessoas
engajadas em combatê-las tinha morrido. E em todos esses embates mortais,
nenhum pássaro, nem mesmo uma pena, jamais foi encontrado."
Título original: The birds
Autor: Frank Baker
Ano: 1936
Editora: Darkside books
Páginas: 304
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O primeiro
motivo que atrai as pessoas para o livro de Frank Baker é certamente o filme
homônimo de Hitchcock: Os pássaros é um daqueles longas cheios de
detalhes, cenas bem feitas, boas atuações e outras coisas que vão te fazer
bocejar e vir aqui no Café com Tripas pegar a
indicação de um filme de verdade, com cenas de peitinhos, fluídos
nojentos lançados contra nossa cara, atuações canastronas, bizarrices e todas
essas coisas que todo bom filme tem que ter. Mas mesmo não chegando aos pés de Palhaços assassinos do espaço, Um pistoleiro chamado Papacu e outros
clássicos do submundo, o filme de Hitchcock é até bacaninha e gera algum
interesse pelo livro que o suscitou.
Por isso,
acho importante começar este texto ressaltando que, caso você ainda não tenha
visto o filme, ler o livro não atrapalhará sua experiência cinematográfica, e
que, caso já o tenha assistido, a experiência do livro também não estará
prejudicada. Particularmente, acho que existe uma independência grande entre
ambas as obras que possibilita que elas possam ser apreciadas com independência
uma da outra.
Para quem
quiser, a relação entre elas é explicada num ensaio que abre o livro (que
considerei não muito esclarecedor, aliás, mas tá lá), mas a resenha aqui do
blogue ficará unicamente nas páginas do livro.
Passarinho quer dançar, o rabicho balançar, porque acaba de
nascer...
Um londrino
que sobreviveu a uma espécie de “ataque de passarinhos em escala mundial”
relata à sua filha os acontecimentos que culminaram nesse desastre.
Como as asas batem
Um dos
maiores acertos tanto do filme quanto do livro é a ausência de uma explicação
para a presença dos pássaros: eles chegam sem avisar, arrumam um cantinho no
sofá da sala e aí vão ficando. “Os incomodados que se mudem” bem que poderia
ser o lema desses bichinhos. Num primeiro momento, poderíamos interpretar que
essa ausência seria uma falha da obra, no entanto, basta que avancemos algumas
páginas para que percebamos que ela é na verdade uma lacuna criada
propositalmente a qual serve à diversas funções ao longo do texto.
Os pássaros
surgem como um objeto entre outros, porém com o tempo sua quantidade passa a
aumentar para além do normal e eles começam a apresentar comportamentos
esquisitos que não podem ser mais descritos de forma corriqueira. É mais ou
menos esse o movimento do livro pela maior parte de sua extensão, com os
animais surgindo em pequena quantidade e apenas como um detalhe na vida do
protagonista, mas ganhando cada vez mais espaço na história na medida em que
passam a permear tudo o que acontece, no entanto, esse mesmo movimento muda lá
pelas últimas cinquenta páginas do livro quando o narrador meio que descobre o
que são os pássaros e eles decidem, finalmente, atacar, sendo que desse ponto
em diante a história se torna mais dinâmica e as coisas mudam um pouco.
Como o livro
constitui um relato, uma história retirada da memória de quem viveu a chegada
dos passarinhos, o protagonista não tem grande importância como personagem,
propriamente, mas como pessoa que viveu aquele tempo. Através de seus
pensamentos, de sua vida pacata e absolutamente sem graça, vamos sabendo das
notícias da época — vindas do rádio, da televisão — e da aparição de cada
pássaro. Nesse sentido, o protagonista é uma espécie de janela para o passado
cuja personalidade, desejos, idiossincrasias são secundárias em relação à sua
capacidade de expôr seu tempo, o que torna o livro extremamente descritivo e
lento, dando bastante credibilidade ao fato de que o narrador é um velho
falando sobre o passado, valorizando demasiadamente sua experiência de vida,
etc.
Já que
durante um bom tempo no livro não importa muito responder o que são os
pássaros, então esse clima de “memórias de um homem velho e prosaico” ajuda o
leitor a entrar um pouco no clima psicológico que a obra cria, e é por aí que
ela avança. Bem dizendo, não existem muitos acontecimentos em Os pássaros;
apenas o desenrolar da vida do protagonista e o crescimento do número de bichos
e dos efeitos psicológicos que eles causam pessoas. Num determinado momento,
por exemplo, cada cidadão de Londres fica acompanhado dia e noite por um
pássaro, que o seguirá por toda a parte como uma espécie de sombra. Os maiores
acertos de Baker estão nessas coisinhas interessantes e bem pensadas, que
ajudam o leitor a entender que existe uma espécie de padrão no comportamento
dos pássaros, sem porém entregar de bandeja o motivo pelo qual eles estão lá.
Descrições, descrições e mais descrições
Como o
narrador é um expositor de um passado bem diferente do presente, muito daquilo
que ele diz é transmitido ao leitor na forma de descrições, ou seja, ele nota
algo e diz como foi, como parecia, que sensação causava e assim por diante,
sendo que as descrições são o recurso literário mais importante do livro e, sem
sombra de dúvida, o mais utilizado.
Embora não
seja muito claro como é o presente da narrativa, ou seja, esse tempo atual do
qual o narrador narra sua história, fica nítido que ele foi, de algum modo,
arrasado pelos pássaros e existe como uma espécie de mundo pós apocalíptico. O
narrador dá a entender que a vinda dos pássaros alterou a configuração política
e social do mundo de tal maneira que as pessoas que nasceram depois dos
pássaros chegam a desconhecer coisas básicas da civilização, como a burocracia,
as religiões, cidades grandes, entre outras coisas que nos são familiares. Por
conta disso, várias descrições do passado tem como objetivo apresentar a quem
está no presente coisas que não existem mais ou que não fazem mais sentido para
quem não viveu aqueles tempos. Perante o leitor, essa é meio que a chance do
autor de fazer uma exposição crítica de coisas que são naturais para nós, por
exemplo: quando fala do trabalho ele, em tese, está apenas apresentando as
coisas dos tempos antigos para seus ouvintes, contudo, na verdade ele está na
verdade usando essa descrição para realizar uma crítica do trabalho ao
ressaltar sua falta de sentido, sua monotonia e todas essas coisas. Por falar
nisso, a título de curiosidade, quem faz muito isso na literatura brasileira é
a Pagu — deem uma conferida lá em Parque industrial que vocês notarão
algo muito parecido com o que Baker realiza aqui.
Espalhadas pelo
livro todo, essas descrições, às vezes, funcionam, às vezes, são só meio
banais. Frank Baker não é nenhum Karl Marx (aliás, nem a Pagu era) apesar de
ter seus momentos. Ele possui uma visão bem liberal da sexualidade, por
exemplo, que é bacana de ir descobrindo ao longo da obra. Entretanto, o livro é
praticamente escrito sobre descrições, algo que enche a paciência em pouco
tempo e acaba se tornando um problema. Se, por vezes, a descrição é uma
apresentação crítica de algo, uma abordagem de determinado assunto com certa
penetração, outras vezes ela é só um vício de escrita que se repete a cada
página sem necessariamente levar a história ou o leitor a qualquer coisa
interessante, pois as descrições se sucedem sem porém convergir e vão se
acumulando enquanto não nos levam a nada. O narrador descreve a cidade, depois
descreve o caminho que percorre todo dia a caminho do trabalho, depois descreve
as pessoas que estavam nesse caminho, depois descreve o clima, depois descreve
o que acha de caminhadas matutinas... E para quê? Por que diabos vamos querer
saber dessas coisas? A que elas nos levarão? No mais das vezes, ao fim dessas descrições
chegamos não ao que justificaria tanto palavrório desembestado mas simplesmente
a outra descrição, e a outra, e a outra, e a mais uma, e ainda a outra, e assim
ao infinito. Com isso, por mais que em cada cena a descrição sirva como uma
apresentação das coisas que estão na circunstância do personagem, o leitor
sempre fica esperando quando isso será interessante ou o envolverá nos temas da
obra, algo que raramente acontece, tornando as cenas são longas e
desinteressantes.
É claro que
no meio disso há também coisas bacanas, algumas reflexões legais e um clima
minimamente interessante, mas o excesso de descrições atravanca a leitura,
tornando-a pesada e fazendo com que vençamos páginas e mais páginas a troco de
nada. Para vocês terem uma ideia, o tão esperado ataque dos pássaros só vai
acontecer depois de umas duzentos e cinquenta páginas de monotonia descritiva
num livro que tem pouco mais trezentas ao todo. Curiosamente, quando eu decidi
que começaria a parar de esperar do autor alguma coisa positiva nas descrições
e que as pularia dali por diante o ataque enfim começou. Mas aí eu já estava
entediado demais para me interessar por ele e só queria que o livro acabasse. E
ainda demorou um bocado.
Devo comprar um saquinho de alpiste?
Os
pássaros atrai o leitor por conta de algo externo ao próprio livro, que é o
filme de Hitchcock, e a edição que recebemos aqui no QG do Café,
vinda da parceria com a Dark side, ressalta bastante isso: capa branca
contrastada com corvos negros ganhando as páginas do livro. Tudo muito bonito e
atrativo. Apesar disso, as histórias que se passam em ambas as obras são bem
diferentes e, enquanto o filme é magnífico, o livro é fraco e cheio de
problemas, de modo que qualquer empolgação com ele vai ser assassinada
va-ga-ro-sa-men-te ao longo de suas trezentas páginas. Ao fim da
leitura, fiquei pensando que se ele fosse reduzido a um conto de umas trinta
páginas, ficaria ótimo. É uma leitura que acredito que possa ser dispensada com
algumas boas resenhas, ou só com uma, se você for doido o bastante para confiar
no que diz este blogue.
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