Você já sonhou em ser escritor? Ter
seu livro publicado, ganhar reconhecimento das pessoas e da imprensa, concorrer
a prêmios, ser um best-seller nacional e internacional, e todas essas coisas
atreladas a fama?
Agora eu te pergunto: o que te
impede? Porque você não senta essa bunda gorda na cadeira, desliga o celular e
os sites eróticos e começa a escrever? Eu sei que você vai dormir tarde todo
dia fazendo coisas inúteis na internet como ler esse blog ou pesquisar no Google
se pinguins tem joelho. Imagina o que você teria produzido em todo esse tempo
vagabundeando internet a fora?
Sim, eu sei que a verdade dói e que
você poderia estar rico nesse exato momento se não tivesse desperdiçado sua
vida (como está fazendo agora), mas eu tenho a solução: um retiro de
escritores. Nele, você vai ficar longe de tudo e de todos por 3 meses para não
ter distrações e conseguir escrever sua obra prima. Essa é a sua chance de ter
a vida que sempre sonhou. Topa?
“Pense
numa máquina de lapidar pedra, um daqueles tambores, que gira e gira vinte e
quatro horas por dia, sete dias por semana, cheia de água, pedra e cascalho.
Triturando tudo. Dando voltas e voltas. Polindo aquelas pedras feias e ásperas
até deixá-las lisinhas. Isso é a terra. Por isso ela gira. Nós somos as pedras.
É o que acontece com a gente – o drama, a dor, a alegria, a guerra a doença, a
vitória e a violência-, ora, isso é só a água e a areia nos erodindo.
Triturando-nos. Para nos polir, bem bonitos. ”
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Título original: Haunted
Autor: Chuck Palahniuk
Ano: 2005
Editora: Leya
Páginas: 505
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Um inusitado
anúncio do jornal — passar três meses isolados em um
retiro para escritores, com o intuito de deixar as obrigações de lado e se
dedicar totalmente a sua escrita sem nenhuma distração externa — chama
a atenção de dezoito pessoas que decidem se arriscar nessa empreitada, dando
uma pausa na vida para almejar o sonho de escrever algo relevante. Nenhuma
informação, além do anúncio é dada. Após entrarem em contato com o responsável,
um ônibus busca todos os candidatos e os leva para destino, que será a moradia
dessas pessoas pelos próximos 90 dias.
Quando chegam eles percebem que o
retiro é algo diferente do que imaginavam: um teatro, sem janelas e com todas
as portas trancadas. Em meio esse cenário claustrofóbico, atritos começam a
surgir levando cada um desses participantes ao limite, seja pela sobrevivência,
seja pela fama.
Bem-vindos ao retiro
Antes de conversarmos sobre o enredo
vamos falar um pouco sobre a estrutura da obra. Assombro é um romance de
histórias (como a própria capa diz), ou seja, essa sinopse acima é apenas o
ponto de partida para o principal: os contos. Os acontecimentos e os
personagens que estão presos nesse “retiro” funcionam como fios condutores para
os vinte e três contos que teremos ao longo do livro.
Tendo
isso em vista, o livro segue um padrão. Em cada capitulo vamos ter três partes:
a primeira vai narrar o que está ocorrendo dentro do retiro; a segunda, chamada
de poema, faz uma breve apresentação sobre o tema que virá a seguir; e por fim,
o conto. A primeira parte trata de um modo mais geral todos os personagens
presentes no teatro, já o poema e o conto partem de um personagem especifico em
cada capitulo.
Pode
parecer um pouco estranho e disperso, mas tudo funciona muito bem, porque essas
mini histórias contadas por cada personagem se entrelaçam com o enredo base.
Além de desenvolver personalidade, passado e motivações desses personagens tão
diferentes que estão presos a uma mesma situação, também dá complexidade e
dinâmica pro livro.
Se
você nunca leu Chuck deve estar pensando: “Tá bom, então o livro é sobre
pessoas que sonham em escrever presos em um teatro abandonado contando
historinhas? ”
A
resposta é: sabe nada inocente.
Reality (Horror)Show
Assombro é sem dúvidas um livro do Chuck, toda a
sua essência está escarrada na trama e nos contos indigestos, absurdos e
reflexivos. Se você leu algo dele sabe exatamente o que eu estou dizendo. Por
mais violento, bizarro e chocante que possa ser a leitura, nada que está ali é
gratuito, tudo tem uma intenção bem definida e ele sabe exatamente onde está a
ferida a ser cutucada. Mas vamos lá.
Na
trama principal teremos 20 personagens, os dezoito que se candidataram mais o
Sr. Whittier — pessoa que
organizou esse retiro de escritores —
e a Sra. Clark, sua ajudante. Com exceção desses dois últimos, todos os outros
serão tratados por apelidos, mesmo que tenhamos contato com o nome deles nos
contos, a nossa maior referência serão as características
física/comportamentais que serviram de inspiração para os mesmos (Sem-pança, Lady Mendiga, Casamenteiro...). No início
isso vai parecer bem confuso, por não conhecer os personagens, mas com o tempo
as tramas vão se costurando e os apelidos passam a fazer sentido.
Logo
nesse detalhe, nomeação dos personagens, já começamos a ver a acidez da
narrativa do Chuck. Tal qual um reality show, desses que temos diariamente na
TV, a pessoa em si não tem valor, o que importa é o seu papel e sua
representação dentro daquele ambiente. Se a pessoa chama Miguel, Bruno, Wesley,
Victor ou José é indiferente o importante é aquilo que ele transmite para o
público — o maromba, o
esquentadinho, o gordo, o policial —,
ou seja, há uma redução da essência da pessoa a uma simples categoria, não
apenas nas telinha como na vida. O estigma do que a pessoa aparenta ser grita
mais alto do que o que ela é de fato.
Ainda
seguindo a mesma ideia, essa trama base vai ter muita influência dos reality
shows, como uma parodia sarcástica desse universo. Um grupo de pessoas
trancafiadas tendo que lidar com isolamento, fome, conflitos, tédio e todas as
coisas que esses programas promovem, entretanto, aqui, tudo ganha proporções
que vão muito além daquilo que conhecemos. E o principal estopim para os
surrealismos que acontecem dentro desse teatro é justamente o desejo principal
de todos os participantes de reality show: a fama.
Todos desejam estar por
trás da câmera
A
discussão predominante nessa narrativa fora dos contos é a questão de “estar
por trás das câmeras”, ou seja, ser a pessoa que dá as ordens, estar a par de
tudo e não ser apenas o boneco de manobra dos outros, por mais que você seja.
Isso tudo gira em torno da própria ideia do reality show, porque todos aceitam
fazer parte do projeto de escritores, mas ao chegar lá e ao se verem como parte
de um possível experimento, eles acabam mudando de ideia quanto ao objetivo
principal. Se antes era ir ao retiro pra escrever um livro, ao chegar o
objetivo muda, eles querem ser os protagonistas da história e não apenas mais
um mero personagem daquele estranho projeto. Então o livro deixa de ser algo
relevante e eles começam a planejar como será a melhor forma de tirar proveito
da situação. Como transformar aquele experimento do Sr. Whittier em publicidade
para as suas vidas?
Dessa
situação começa a surgir diversos questionamentos e críticas, de uma forma
sarcástica, sobre até que ponto as pessoas querem atingir a fama e serem
reconhecidas. E isso é interessante porque as pessoas ali não querem o
reconhecimento pelo que elas são de fato ou pelos seus trabalhos (como acontece
nos BBBs da vida), mas sim a fama pelo simples fato de terem participado de uma
tragédia ou de algo que venha a ter apelo público. Então ao invés de usarem seu
tempo para escrever o livro, como a proposta inicial, elas ficam arquitetando a
história que irão contar pra imprensa ao saírem dali, e assim conseguirem
vender os personagens que criaram pra si e para os outros. Pensando na própria
desgraça como a melhor arma para conseguir aquilo que almejam: o sucesso sem
trabalho.
Paralelamente
a isso e a tudo que vai se desenrolar dentro desse teatro, os personagens vão
contando breves histórias sobre suas vidas, permitindo ao leitor compreender
quem são. E já adianto que dificilmente você iria gostar de conhecer alguma
dessas pessoas.
Pequenos contos sobre
nossas grandes desgraças
Não
entrarei em detalhes sobre os contos, porque não vou ficar falando sobre cada
um dos 23 — só
vou adiantar que o primeiro conto da obra é bem famoso por ter feito (supostamente) pessoas
vomitarem e desmaiarem durante algumas leituras ao vivo, ele é bem interessante
mas adianto que tem outros melhores (mas caso tenha interesse em testar seu
estomago e sanidade basta procurar pelo conto “Tripas”) —,
mas darei um apanhado geral do que os une.
Assim
como na trama que envolve as pessoas dentro do teatro, os contos também
carregam o estilo do autor no qual, a partir de situações absurdas mas não
impossíveis (pelo menos a maioria delas), ele vai expor o que há de pior e de
mais surreal nas atitudes humanas. Isso tudo faz com que você esboce aquele
sorrisinho de canto enquanto internamente sofre por perceber que, por mais
bizarro que tudo aquilo seja, é perfeitamente possível pensar e aplicar essas
coisas no seu dia a dia. Afinal, todo dia escutamos histórias sobre: cobiça,
busca pela fama, gente passando por cima dos outros, busca pelo prazer,
revistas com notícias manipuladas, etc. etc. etc.
Portanto,
todos os contos do livro, direta ou indiretamente, acabam sendo reflexões sobre
a nossa sociedade, em que através do improvável e de uma descrição nem um pouco
agradável ele mostra o quão doente e toxico nós somos, sejam pros outros, seja
pra nos mesmos. E isso é o mais me agrada no livro, o autor consegue, por ser
um livro de contos, tratar de diferentes assuntos e ainda manter uma conexão,
porque todos estão ligados por uma mesma ideia, todos fazem parte do mesmo
sistema, todos estão inseridos na mesma sociedade e todo o problema parte de um
objeto comum: o homem.
Deste
modo podemos dizer que Assombro é um livro sobre limites e sobre como as
pessoas estão dispostas a ultrapassá-los para atingir aquilo que almejam.
Devo assinar o payperview
desse reality dos escritores?
Claro,
leitor, vai dizer que você não adora ficar vendo a vida das pessoas pela
telinha? Quem não adora um barraco ou uma safadeza no Big Brother pra ficar
comentando sobre a pouca vergonha que é esses programas — mas não perde um
único episódio?
Quanto
ao livro... Eu sou um pouco suspeito pra falar sobre porque o Palahniuk está
entre meus autores favoritos, então pode ter certeza que essa resenha não é nem
um pouco imparcial. Logicamente, tentarei convencê-los a vir pro meu time. Se
eu achar que você merece, é claro. Mas vamos lá: não apenas Assombro mas
como outros livros do autor (Clímax, Snuff, Monstros
invisíveis...) são obras que são para um público especifico, portanto é
perfeitamente compreensível não gostar. São livros que não tem dó do leitor,
tanto por sua linguagem quanto pelo conteúdo, pois são indigestos e incômodos
na medida em que o autor não apenas mostra o pior do homem como também faz
questão de esfregar na sua cara, ora de um jeito irônico e divertido, ora
apelando pra violência e escatologia.
Contudo,
se você está nesse blog, por livre e espontânea vontade — sem uma arma em sua
cabeça te obrigando a navegar nesse antro de sexo, tripas e café — e bem
provável que você tenha uma certa inclinação a gostar dessas coisas estranha
que nós do blog tanto gostamos. Então minha indicação é sim, vá atrás do livro
e se lambuze, a escrita do Chuck é super divertida, vira e mexe você se pega
rindo sozinho do seu humor ácido e cheio de maldade, o que torna a leitura leve
apesar do conteúdo nem um pouco bonito. Além disso, todos os contos são bem
interessantes, cada um à sua maneira, e todos conseguem trabalhar temas
cotidianos de uma maneira que você nunca imaginará ou irá encontrar em outro
lugar.
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