terça-feira, 14 de março de 2017

Literatura: O alienado (Cirilo S. Lemos)


Faz pouco tempo que li O alienado, livro de Cirilo S. Lemos que combina bastante com o conteúdo aqui do blogue, porém, em meio a um monte de obrigações e coisas mais urgentes, a cabeça que se equilibra em cima de meu pescoço decidiu que, em vez de batalhar sobre uma bela resenha crítica sobre o livro, ela só preferia dormir e encontrar outras formas de evitar trabalho. Sendo assim, amigos do blogue, a princípio, esta resenha não foi pensada para o Café com Tripas, nem foi pensada para ser uma resenha, mas apenas um comentário sucinto sobre um bom livro de um autor pouco conhecido, então relevem por favor o tom do texto e seu tamanho reduzido.
Como se trata de uma boa obra escrita por um autor que não tem a seu favor aquela publicidade sacana que o faria vender milhões de exemplares e ser conhecido por todos, achei que valia a pena abordar o texto aqui, mesmo que brevemente. Considerando o número de leitores aqui do blogue, imagino que isso deva ser suficiente para dar alguns milhões ao autor e incentivá-lo a continuar escrevendo.



"Contra a luz ligeiramente mais forte do fim do corredor, cinco sombras se erguem simetricamente.
À frente de todas, o Líder. Ele abre os braços quando me aproximo:
– Estávamos aguardando sua chegada, AM013. Espero que aprecie sua estadia conosco.
– Está frio aqui – murmuro.
– É o banho químico – ele responde. – E nosso aquecimento já viu dias melhores. Está na nossa lista de prioridades para o próximo semestre. Não é mesmo, senhores?
Os homens, todos absolutamente Iguais em aparência e trejeitos, balançam a cabeça, concordando.
– Venha. Vou mostrar suas acomodações.
Seguimos com o cortejo de Iguais atrás de nós. Todos se vestem da mesma maneira, rostos inexpressivos e artificiais como máscaras de látex. Até mesmo o Líder se parece com eles, mas há algo que os distingue dos demais, algo indefinível, talvez um toque de individualidade que o separa um tantinho dos outros, só o suficiente para comandar.
A mão direita dele toca minha cicatriz. Sente-a em toda sua extensão até a nuca. Uma desagradável sensação de submissão.
Ele sorri de forma insondável
– Belo trabalho. Realmente muito bom".



Título original: O alienado
Autor: Cirilo S. Lemos
Ano: 2012
Editora: Draco
Páginas: 240
Nada mais que umas palavrinhas...

Foi uma resenha do excelente Antonio Luiz (da Carta Capital) que me fez prestar atenção em O alienado, ficção científica de Cirilo S. Lemos que toca temas como manipulação mental, conspirações, distopias e outros de uma forma bem própria. O livro (romance?) apresenta a trajetória de Cosmo Kant, um operário com pretensões literárias e alguns distúrbios mentais não tratados que o lançarão num mundo de estranhas conspirações nas quais, sem saber direito por que, ele constitui uma peça chave.
Aqueles que já leram Asimov notarão diversas proximidades entre O alienado e a trilogia Fundação, sobretudo no tom sóbrio da escrita, mais direto e argumentativo, menos voltado para a imaginação, contudo, a narrativa de Cirilo possui a peculiaridade de ser fragmentária, apresentando vários tempos narrativos, personagens que inicialmente não se interligam, e de ser intercalada por cenas em quadrinhos, algo que, ao contrário do que possa parecer, ocorre de maneira surpreendentemente consistente.
Seu universo é também mais poroso ao nosso mundo que aquele de Asimov, o que fica evidente a partir de um número razoável de referências as quais, felizmente, entram nos momentos certos e não são usadas para paparicar o leitor.
O maior mérito de O alienado é provavelmente o fato de que sua narrativa desvia das alternativas fáceis — fiquei esperando o livro todo para ver quando o autor ia derrapar, quando me daria uma página cheia de clichês e desgostos que estão sempre rondando uma narrativa de um gênero tão superexplorado como a ficção científica, entretanto, isso simplesmente não aconteceu e tive que reconhecer: Cirilo é mesmo bom. Nem dissimular profundidade ele dissimula, o livro parece o com o que é: uma boa obra de entretenimento inteligente.
De certa forma, seu livro se desenrola através das brechas dos temas tradicionais desse gênero: ele “toca” temas da ficção científica, formula “algo como” uma distopia e outras coisas assim, sem porém se aprofundar ou mesmo tentar criar um universo autônomo em relação ao livro. O que lhe importa é o desenrolar da trama e o que está contido nela só precisa ser explicado na medida em que serve para fazê-la avançar, inexistindo longas páginas sobre quem seriam os metafilósofos, a Cidade Centro e outros elementos próprios do cenário, o que torna o livro gostoso e ágil, aliás. Para o bem e para o mal, empresa alguma vai conseguir vender bonecos, jogos e camisetas desse universo, mas quem puder apenas apreciar uma obra sem ceder a esse fetiche já terá um bom livro em mãos e um bom artista pra acompanhar daqui por diante.

Nenhum comentário:

Postar um comentário