Faz pouco tempo que li O alienado, livro de
Cirilo S. Lemos que combina bastante com o conteúdo aqui do blogue, porém, em
meio a um monte de obrigações e coisas mais urgentes, a cabeça que se equilibra
em cima de meu pescoço decidiu que, em vez de batalhar sobre uma bela resenha
crítica sobre o livro, ela só preferia dormir e encontrar outras formas de
evitar trabalho. Sendo assim, amigos do blogue, a princípio, esta resenha não
foi pensada para o Café com Tripas, nem foi pensada
para ser uma resenha, mas apenas um comentário sucinto sobre um bom livro de um
autor pouco conhecido, então relevem por favor o tom do texto e seu tamanho
reduzido.
Como se trata de uma boa obra escrita por um autor
que não tem a seu favor aquela publicidade sacana que o faria vender milhões de
exemplares e ser conhecido por todos, achei que valia a pena abordar o texto
aqui, mesmo que brevemente. Considerando o número de leitores aqui do blogue,
imagino que isso deva ser suficiente para dar alguns milhões ao autor e incentivá-lo
a continuar escrevendo.
"Contra
a luz ligeiramente mais forte do fim do corredor, cinco sombras se erguem
simetricamente.
À
frente de todas, o Líder. Ele abre os braços quando me aproximo:
–
Estávamos aguardando sua chegada, AM013. Espero que aprecie sua estadia
conosco.
– Está
frio aqui – murmuro.
– É o
banho químico – ele responde. – E nosso aquecimento já viu dias melhores. Está
na nossa lista de prioridades para o próximo semestre. Não é mesmo, senhores?
Os
homens, todos absolutamente Iguais em aparência e trejeitos, balançam a cabeça,
concordando.
–
Venha. Vou mostrar suas acomodações.
Seguimos
com o cortejo de Iguais atrás de nós. Todos se vestem da mesma maneira, rostos
inexpressivos e artificiais como máscaras de látex. Até mesmo o Líder se parece
com eles, mas há algo que os distingue dos demais, algo indefinível, talvez um
toque de individualidade que o separa um tantinho dos outros, só o suficiente
para comandar.
A mão
direita dele toca minha cicatriz. Sente-a em toda sua extensão até a nuca. Uma
desagradável sensação de submissão.
Ele
sorri de forma insondável
– Belo
trabalho. Realmente muito bom".
Título original: O alienado
Autor: Cirilo S. Lemos
Ano: 2012
Editora: Draco
Páginas: 240
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Nada mais que umas palavrinhas...
Foi uma resenha do excelente Antonio Luiz (da
Carta Capital) que me fez prestar atenção em O alienado, ficção
científica de Cirilo S. Lemos que toca temas como manipulação mental,
conspirações, distopias e outros de uma forma bem própria. O livro (romance?)
apresenta a trajetória de Cosmo Kant, um operário com pretensões literárias e
alguns distúrbios mentais não tratados que o lançarão num mundo de estranhas
conspirações nas quais, sem saber direito por que, ele constitui uma peça
chave.
Aqueles que já leram Asimov notarão diversas
proximidades entre O alienado e a trilogia Fundação, sobretudo no tom
sóbrio da escrita, mais direto e argumentativo, menos voltado para a
imaginação, contudo, a narrativa de Cirilo possui a peculiaridade de ser fragmentária,
apresentando vários tempos narrativos, personagens que inicialmente não se
interligam, e de ser intercalada por cenas em quadrinhos, algo que, ao
contrário do que possa parecer, ocorre de maneira surpreendentemente
consistente.
Seu universo é também mais poroso ao nosso mundo
que aquele de Asimov, o que fica evidente a partir de um número razoável de
referências as quais, felizmente, entram nos momentos certos e não são usadas
para paparicar o leitor.
O maior mérito de O alienado é
provavelmente o fato de que sua narrativa desvia das alternativas fáceis —
fiquei esperando o livro todo para ver quando o autor ia derrapar, quando me
daria uma página cheia de clichês e desgostos que estão sempre rondando uma
narrativa de um gênero tão superexplorado como a ficção científica, entretanto,
isso simplesmente não aconteceu e tive que reconhecer: Cirilo é mesmo bom. Nem
dissimular profundidade ele dissimula, o livro parece o com o que é: uma boa
obra de entretenimento inteligente.
De certa forma, seu livro se desenrola através das
brechas dos temas tradicionais desse gênero: ele “toca” temas da ficção
científica, formula “algo como” uma distopia e outras coisas assim, sem porém
se aprofundar ou mesmo tentar criar um universo autônomo em relação ao livro. O
que lhe importa é o desenrolar da trama e o que está contido nela só precisa
ser explicado na medida em que serve para fazê-la avançar, inexistindo longas
páginas sobre quem seriam os metafilósofos, a Cidade Centro e outros elementos
próprios do cenário, o que torna o livro gostoso e ágil, aliás. Para o bem e para
o mal, empresa alguma vai conseguir vender bonecos, jogos e camisetas desse
universo, mas quem puder apenas apreciar uma obra sem ceder a esse fetiche já
terá um bom livro em mãos e um bom artista pra acompanhar daqui por diante.
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