Tire a poeira
de seu escudo, leve seu machado no ferreiro pra dar uma amolada e lustre bem
sua armadura porque hoje é dia de caçar uns monstrão.
“Foi então
que Pick percebeu a fonte da sensação estranha, perturbadora, que o assolava.
Quando espreitou tudo ao redor, ouviu precisamente nada. Passara muitas noites
na floresta para saber que sempre havia algo para ouvir. Uma floresta era viva,
com inúmeras criaturas, muitas que saíam apenas à noite, que criavam uma
tapeçaria constante de sons, mesmo na madrugada. Eram aqueles sons, a sensação
de ser rodeado por milhares de coisas vivas, grandes e pequenas, que ofereciam
conforto em noites como aquelas, dentro das florestas. Não importava o quanto a
floresta fosse escura, nunca se estava sozinho nelas.”
Título original: Abomination
Autor: Gary Whitta
Ano: 2015
Editora: Darkside books
Páginas: 313
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Temendo
o retorno das batalhas, o arcebispo oferece uma nova forma de proteção, através
de feitiços que ele descobriu em antigos pergaminhos. Mas…
Subam os portões
O livro é dividido em
duas partes, apesar de ser a mesma história apenas alguns anos depois, o ritmo
e o estilo são bem diferentes, então vamos falar sobre cada uma delas
separadamente.
Na
primeira parte vamos ter um maior foco na situação do reinado de Wessex. O rei
Alfredo, com medo de submeter o seu povo a uma nova guerra contra os bárbaros,
acaba fazendo um acordo de paz. Quando a situação começa a mudar e ele começa a
sentir que pode haver uma ruptura do trato a qualquer momento, ele precisa
encontrar rapidamente uma solução para se defender e impedir que os bárbaros
tomem o poder de Wessex. Sabendo da situação do reinado e com o objetivo de
oferecer uma solução pra Alfredo, o arcebispo diz que pode ter descoberto uma
forma de resolver os problemas em alguns pergaminhos antigos, pedindo
autorização para o rei para continuar com os estudos. Mesmo desconfiado,
Alfredo, sem outra opção, acaba dando permissão. Com o tempo esses estudos
começam a ficar cada vez mais duvidosos e violentos, mas já é tarde demais
quando Alfredo ordena que o arcebispo pare com as sua experiências.
É
aqui que vamos conhecer o protagonista da história, Wulfric. Ele foi um notável
guerreiro nas últimas batalhas e tem uma grande proximidade com o rei, devido a
alguns acontecimentos do passado. Acabada as guerras, Wulfric se mudou para uma
fazenda no interior onde vive com sua esposa grávida, pra quem jurou que tinha
abandonado as guerras. Mas ele acaba sendo convocado pra uma missão pelo próprio
Alfredo, devido a todos os problemas causados pelo arcebispo. Vou parar por
aqui para não entregar muito sobre a trama.
Essa
primeira parte vai tratar de diversas questões, como ética, honra e cobiça,
colocando o rei Alfredo entre o arcebispo que passou por cima de todos os
dilemas morais para conquistar poder, mesmo que isso tenha preços bem altos, e
o guerreiro Wulfric, um velho amigo que mesmo deixando de lado a vida antiga de
batalhas para virar um tranquilo fazendeiro, nunca abandona um amigo e sempre
está pronto para servir o seu rei.
Nessa
guerra entre a magia negra e a honra de um homem, haverá muito sangue e
criaturas nem um pouco amigáveis.
“As correntes se arrastam pela
floresta...”
Na
segunda parte, toda essa questão do reino fica um pouco de lado e toda a trama
vai se voltar para basicamente dois
personagens.
O
primeiro deles é um homem que, para fugir de assuntos do passado, passa a viver
sozinho na floresta evitando qualquer tipo de contato humano. Por algum motivo,
esse homem, tratado pelos outros como um mendigo, passa o dia inteiro com uma
grande e pesada corrente enrolada em seu corpo, tanto por uma questão de
necessidade como, também, uma forma de penitencia, mostrando que o peso das
correntes se assemelha ao peso de seu passado.
Para
falar da segunda personagem é bom saber antes um pouco sobre o panorama da
história. Devido aos problemas gerados pelo arcebispo anos anteriormente, o
reinado criou uma ordem de guerreiros destinados a ir atrás das criaturas que
restaram na região. Com o tempo essas criaturas foram sendo exterminadas e,
consequentemente, a ordem foi perdendo poder. Indra, mesmo contra a vontade do
pai, o responsável pela ordem, faz todo o treinamento para ser uma guerreira e
lutar contra esses monstros. Como teste de conclusão, para poder finalmente ser
reconhecida como uma guerreira da ordem, ela precisa matar uma dessas criaturas
para mostrar que é digna do título.
Diferentemente
da primeira parte que trata de um problema que envolve a todos, afinal tanto as
criaturas do arcebispo quanto os bárbaros são uma ameaça pro reino, essa
segunda parte vai lidar com questões mais pessoais dos personagens. Isso é bem
interessante porque o autor consegue mostrar que dentro de uma mesma história
ele pode desenvolver perspectivas diferentes de uma mesma situação. Na primeira
parte, apesar de Wulfric ser o protagonista, é bastante perceptível a questão
do coletivo, em que um necessita do outro para conseguir resolver determinado
problema. Eles precisam se juntar pra lutar contra algo em comum. Na segunda
parte, a situação sai do coletivo e vai pro indivíduo, a batalha deixa de ser
contra o outro e passa a ser contra ele mesmo, tanto pra Indra quanto para o
cara das correntes.
O
caminho desses dois personagens vão se cruzar nas florestas próximas de Wessex,
levantando diversos sentimentos sobre o passado e o presente, em uma viagem
sobre os medos, culpas e perdas desses dois personagens tão diferentes, mas tão
parecidos.
...e os vikings?
Bom, já vou adiantar que não gostei muito do livro, não porque ele
seja ruim, mas sim por ser algo bem diferente do esperado.
Se
não me engano, já devo ter falado em alguma resenha que não sou um leitor de
fantasias. Eu até me interesso pelo assunto, mas é um gênero que eu tenho um
pouco de preguiça - guerreiros, magos e coisas do gênero não são minha primeira
opção. Então é difícil eu ver algum livro que realmente me interesse, mas claro
que existem exceções como O gigante enterrado do Ishiguro. Mesmo assim,
quando Abominação foi anunciado, eu fiquei bem curioso pra ler, afinal
sempre que falavam sobre ele se referiam também a Vikings, Game of Thrones e
H.P. Lovecraft, três coisas que gosto e me interessam.
Então
eu passei o livro todo esperando os vikings dando e levando muita porrada, várias
tramas e conflitos políticos/familiares ao estilo de GoT e, claro, todo o
horror cósmico do Lovecraft. A leitura aos poucos foi me deixando cabreiro “já
to na metade e ainda não vi os vikings”, “falta 100 páginas e até agora nada de
trama política/familiar”, “sério mesmo que é essa a referência sobre o
Lovecraft?”, “Já acabou, será que li o livro certo?”, entre outras coisas que
ia me perguntando a cada fim de capítulo. Isso foi desgastando um pouco a minha
leitura, se o livro tivesse sido vendido como ele de fato é, talvez eu teria
aproveitado melhor, porque não passaria todo o tempo esperando algo que eles
prometeram e não entregaram.
Você
deve estar perguntando “mas você não falou de vikings no inicio da resenha?”.
Sim, os vikings são mencionados, eles são contemporâneos à história, tudo se
desenrola porque existe uma ameaça da invasão dos bárbaros, mas tudo isso é
dito na primeira página para dar um panorama e uma base pra que a história de
fato se desenrole, mas nada além disso. Pode até haver uma menção ou outra, mas
em nenhum momento da narrativa um viking aparece. Se você tava esperando
aquelas batalhas louconas tipo do seriado Vickings, esqueça.
Quanto
a Game of Thrones eu estou até agora tentando encontrar a semelhança entre os
dois, pois tirando o fato de ambos terem castelos e espadas, não dá pra fazer
nenhuma outra ligação relevante. Não é porque existe uma ambientação semelhante
que eles são parecidos, afinal temos milhares e milhares de obras com esse tipo
de características e nem por isso são iguais. Isso também serve pra questão do
Lovecraft. Eu creio que as pessoas devem ter feito a relação devido as
criaturas que aparecem na obra, mas em nenhum momento ele exala a essência
lovecraftiana. Os monstros criados pelo Whitta me remetem mais aos filmes trash
dos anos 80 do que ao mestre do horror cósmico de fato.
Apesar
de alguns outros problemas, a principal questão, pelo menos pra mim, foi a
forma como o livro foi vendido. Porque a publicidade em torno dele ofuscou
muitas de suas qualidades atrás de referências que nunca se concretizam.
Devo enfrentar essa batalha?
Como
disse anteriormente, eu não sou um leitor de fantasias e me interessei pelos
aspectos de terror e por temas que não foram desenvolvidos no livro — como
vikings, política e etc —, então eu vou falar minhas impressões gerais. Mas
caso você goste de fantasia, eu recomendo olhar a resenha de pessoas ligadas ao
gênero para ter uma segunda opinião, que pode ser bem diferente da minha.
No
geral, a leitura foi bem agradável, em nenhum momento eu fiquei entediado, da
mesma forma que, apesar de divertido, não foi empolgante. Você até cria uma
aproximação com os personagens, quer saber como vai acabar, mas o livro como um
todo fica na superficialidade, isso faz com que ele acabe caindo nos clichês do
gênero — o guerreiro que se aposentou, mas acaba voltando pro campo de batalha;
a mulher que se torna guerreira apesar de todas as adversidades; o garoto pobre
ferreiro que se torna o melhor lutador; o bruxo malvado; as traições em busca de
poder; o rei bonzinho que se fode; etc. Então ele acaba sendo bem previsível,
quando o livro joga aquilo que deveria ser uma puta revelação, você só olha pra
ele e pensa: “mas isso eu já sabia”.
O
livro tem algumas boas ideias, a questão das criaturas é bem interessante, a
divisão do livro em duas partes que ocorrem em momentos diferentes, os
conflitos de alguns personagens, etc. Além disso, a escrita é bem fluida. Por
ser bem direto e não enrolar com coisas desnecessárias, ele nunca fica
cansativo. Enfim, é uma leitura bem bacana, mas quando acaba você percebe que o
livro é igual aqueles filmes da sessão da tarde, é gostosinho de ler, ajuda a
passar o tempo, mas no fundo fica aquela sensação de já vi isso em vários
outros lugares antes.
A
edição, cedida em parceria com a Darkside, tá muito bonita. A capa com o
besouro e sangue reflete bem o que será entregue na história, algo que você irá
descobrir o significado durante a leitura. O corte das páginas tem manchas
vermelhas, simulando que escorreu sangue nas
suas beiradas e a parte interna segue o padrão da editora, há uma ou
outra imagem incluindo o mapa e aqueles detalhes no incio de cada capítulo, já
tradicional da editora.
Então
se você gosta de histórias de fantasia com magias, sangue e criaturas monstruosas,
saque sua espada e não deixe que as abominações invadam o castelo, talvez elas
lhe proporcionem uma batalha empolgante. Mas caso você esteja procurando uma
história sobre vikings e/ou horror, apenas vá para outro campo de batalha,
porque você já deve ter visto essa mesma luta outras vezes.
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