Seguindo o desafio #12MesesDePoe, o Café vem hoje para discutir um dos
temas mais recorrentes do horror, o pós-morte. Então antes de se sentar e ler a
resenha, prepare aquela bebidinha com álcool, chumbinho, solvente e as frutas
de sua preferência, e venha nos contar o que achou, tanto da resenha quanto sua
nova (não) vida.
(Obs. A parte da bebida é
brincadeira tá? Não quero ninguém se matando e jogando a culpa na gente, não
temos dinheiro nem pra pagar o Café,
quem dirá um processo!)
“Enquanto eu falava, uma visível mudança se
operou na fisionomia do noctâmbulo. Os olhos giraram e se abriram
vagarosamente, as pupilas ocultas no alto; a pele como um todo assumiu um matiz
cadavérico, parecendo-se menos com pergaminho do que com papel branco; e as
machas circulares da héctica que até então se faziam notar distintamente no
centro de cada bochecha sumiram de repente. Uso essa expressão porque a
subitaneidade com que se foram trouxe-me à mente nada menos que uma vela sendo
apagada por um sopro de ar. O lábio superior, ao mesmo tempo, encolheu-se e expôs
os dentes, quando antes os cobria por inteiro; ao passo que o maxilar inferior
caiu com um audível tranco, deixando a boca amplamente aberta, e exibindo por
inteiro a língua inchada e enegrecida. Presumo que nenhum membro do grupo
presente na ocasião estivesse desacostumado aos horrores de um leito de morte;
mas tão hedionda além de qualquer noção era a aparência do Sr. Valdemar nesse
momento que ocorreu um recuo geral das imediações da cama. ”
Título original: The facts in
the Case of M. Valdemar
Autor: Edgar Allan Poe
Ano: 1845
Lido em: Contos de imaginação
e mistério (Tordesilhas)
Paginas: 5
|
Ernest
Valdemar é um senhor que, devido a diversos problemas de saúde, não tem muito
tempo de vida. Após conversar com um amigo, entusiasta do mesmerismo, ele concorda
em ser cobaia de um experimento que até então não tinha sido realizado, a
hipnose momentos antes da morte.
Hi(Poe)nose
Narrado em primeira pessoa por um
narrador sem nome, o conto vai acompanhar esse protagonista que, sabendo da
grave enfermidade de seu amigo Valdemar, decide propor que ele faça parte de um
experimento envolvendo hipnose para saber de que forma isso agiria em uma
pessoa que está no limiar da vida.
Aceitando a proposta do amigo,
Valdemar deixa avisado que irá chamá-lo assim que os médicos perceberem que o
final está próximo. Quando os médicos que o acompanham dizem que ele não
passará do dia seguinte, o protagonista é chamado para realizar o experimento.
Tendo os médicos ao seu lado como testemunhas, Valdemar é hipnotizado pelo amigo,
momentos antes de sua morte, chegando assim aos resultados daquele experimento
nunca antes feito, que obviamente não irei dizer qual é, pois você pode
encontrar o conto aqui.
Vai ler e depois você volta pra ler
o resto. Não me venha com resuminhos.
Brincando com a morte
Como já é de costume nos contos do
Poe, vamos ter um narrador que não se identifica, mas diferentemente dos outros
contos do autor não vejo tanto a questão do narrador não-confiável presente
aqui, pois ele simplesmente diz que vai contar aquilo que viu, deixando a cargo
do leitor acreditar ou não naquele relato, porque ele mesmo diz não
compreender. Claro que pode haver um interesse do narrador por trás da
narrativa. Apesar de não sabermos sua profissão, é possível que ele trabalhe com
mesmerismo e utilize disso para dar mais credibilidade à prática, mas creio que
isso não tenha tanta relevância quanto à questão da morte.
A vida após a morte deve ser um dos
temas mais recorrentes do terror (e da ficção), sendo explorado de todas as maneiras
possíveis e imagináveis — espíritos, zumbis, céu, inferno, vampiros, múmias,
reencarnação, Jesus, etc —, mas mesmo assim Poe consegue dar uma certa
originalidade pra sua obra, abordando algo que até então eu nunca tinha visto,
que é a relação da morte com a hipnose. Apesar desse tema ser, geralmente,
tratado de uma perspectiva espiritual, aqui teremos uma busca cientifica sobre
o pós-morte, aplicando métodos médicos/psicológicos para tentar buscar
respostas e avançar nas pesquisas sobre o tema.
Isso
é bem curioso, pois, de certa forma, ele brinca com a questão da morte. Ao
invés do conto dar uma resposta para a situação através da hipnose, ele só
aumenta as perguntas. Quando o Sr. Valdemar morre mas, de alguma forma,
continua preso no corpo devido ao transe, se comunicando com o protagonista e
com os médicos, não sabemos o que de fato está acontecendo. Mesmo tentando
explicar o fenômeno por meio de métodos psicológicos, os personagens presentes
se deparam com algo que vai além daquilo que conhecem, sem saber se ele
continua vivo, pois realmente existe algo além do plano terreno ou não passa de
uma manifestação psicológica que perdurou devido ao transe, como as reações
pós-mortem. Diante disso, mesmo não sendo tratado diretamente no texto, fica a
pergunta: se o seu corpo está morto, o que provoca essas manifestações? Será
que a hipnose afeta a alma e não a mente? Será que a mente independe do corpo?
Será que era ele que estava, de fato, respondendo? Nunca saberemos.
A
única coisa que sabemos é que, de alguma forma, o moribundo está preso ao corpo
devido à hipnose, mas o por quê da morte do organismo não cessar totalmente as
atividades é uma questão que o Sr. Valdemar levará para o tumulo.
É
justamente essa prisão, que nos levara a outra questão.
A ética cessa com a vida?
Já
adianto que isso aqui é uma reflexão que vai além do texto, que em nenhum
momento é discutida, mas é algo que me ocorreu durante a leitura, que é a ética
daquelas pessoas diante do corpo do Sr. Valdemar.
Com
a hipnose seguida de morte do personagem, vamos ver que apesar de seu corpo não
responder, ele, de alguma forma, ainda consegue se comunicar, mesmo que
precariamente, com o narrador e os médicos presentes. Com isso, todos os dias
esses personagens retornam ao leito para se comunicar com o Sr. Valdemar e ver
se conseguem algo além dos grunhidos habituais do moribundo. Entretanto, na
esperança de encontrar respostas ao pós-vida, o narrador e os medico perduram
esse experimento por mais de sete meses. Esse detalhe me deixou mais atormentado
que a própria questão do pós-morte/hipnose e definhamento.
Como
vemos nas reações de Valdemar após sua morte, fica claro que ele não está
confortável com a situação, ele não tem controle do corpo e mesmo a fala, que
permanece possível em sua condição, parece exigir muito esforço, tanto que
muitas vezes o máximo que consegue é uma vibração na língua. Mesmo nessas
condições, os personagens prolongam esse sofrimento por cerca de sete meses,
que só termina quando o moribundo implora a morte ou o sono. Então até que
ponto vai esse desejo pela busca de respostas? Claro que existe o lado dos
médicos e cientistas, afinal o que aconteceria se ele fosse acordado? Eles
seriam os responsáveis pela morte do morto de certa forma. Mas imagina ser
importunado por sete meses depois de morto sem poder se mexer, sem falar
direito e sem o movimento do seu corpo, apenas sendo diariamente tratado como
uma cobaia, impedindo seu sono eterno?
Então
vou deixar avisado pra vocês que estão lendo, se um dia eu chegar no estado do
Sr. Valdemar, nada de hipnose pro meu lado.
Esqueça o outro lado,
apenas morra em paz
Os fatos do caso do Sr.
Valdemar é uma daquelas
histórias que tem como princípio a busca por questões não esclarecidas, nesse
caso, sobre a morte, porém no fim acabam levantando mais dúvidas e
questionamentos do que respostas de fato, algo que nosso querido Poe faz tão
bem.
Outro
ponto que merece ser mencionado é que, além da história e da premissa bem
bacana, aqui vamos ter um apelo visual bem interessante, em que o autor flerta
com o gore, trabalhando tanto o horror psicológico quanto o físico, mostrando a
capacidade de atormentar tanto a mente quanto os olhos de seus leitores.
qual o tempo dessa narrativa?
ResponderExcluirTempo no sentido de "que época"?
Excluir