Prepare aquela xícara de Café e
sirva uma fatia daquela deliciosa torta de cereja porque hoje é dia de
investigarmos um assassinato na famosa Twin Peaks. Caso seja sua primeira vez
aqui, fique atento, pois nada do que acontece nessa pequena cidade é fácil de
explicar. Será que você consegue descobrir quem matou Laura Palmer?
“A emissora nunca quis o
programa. Eles não sabiam o que tinham e não sabiam o que fazer com aquilo.
Para ser sincero com você, acho que estávamos lidando com pessoas de QI baixo.
Sério, eles querem fazer a mesma coisa sempre e sempre. Como isso foi parar na
TV está além da minha compreensão. Eles não podiam controlar David e tinham
medo dele. Não conseguiam chegar perto dele. Em qualquer rede de televisão,
esse é o beijo da morte.”
Título original: Reflections:
an oral history of Twin Peaks
Autor: Brad Dukes
Ano: 2014
Editora: Darkside books
Páginas: 317
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Twin Peaks foi uma serie de
TV que entrou no ar em 1990 e, mesmo com apenas duas temporadas (e uma terceira
estreando agora, mais de 20 anos depois), conseguiu deixar sua marca na
historia da televisão. Carregando uma legião de fãs, e conquistando novos
públicos a cada ano que passa, a obra de David Lynch e Mark Frost é considerada
uma das mais importantes series televisivas de toda a história. Tudo começa com
o assassinato de uma jovem garota e um peculiar detetive chegando na pacata
cidade de Twin Peaks para investigar o caso. Pode parecer clichê, mas assim
como na serie, nada do que parece é.
Arquivos e memórias
A
pergunta “quem matou Laura Palmer?” continua relevante e gerando discussões. É
justamente desses debates levantados pela serie que surge o livro Twin
Peaks: arquivos e memórias. Brad Dukes teve seu primeiro contato com a
série aos nove anos e ficou fascinado por aquela cidade cheia de segredos e
pessoas peculiares. Depois de rever diversas vezes e entrar em diversos grupos
de discussões, ele montou um blog sobre Twin Peaks. Curioso e com
vontade de conhecer cada vez mais aquele estranho mundo criado por Lynch e Frost,
além de pesquisas, ele começou a ir atrás do elenco e das pessoas envolvidas na
produção para entrevistar. Com várias entrevistas e uma grande quantidade de
material coletado, Dukes percebe que tem o suficiente para iniciar um livro
sobre a série que o acompanhou desde a infância.
Welcome to Twin Peaks
Bom,
essa resenha vai ser mais uma indicação tanto do livro quanto da serie, do que
uma resenha de fato. Vou apenas dar um pincelada sobre o conteúdo, porque o
livro é composto praticamente por trechos de entrevistas e informações de
bastidores, então não há muita coisa para se discutir. Se você quer saber mais
é simples: compre o livro.
Mas
antes de falarmos sobre o livro, acho importante fazer uma breve apresentação
sobre a série, porque não tem como eu te convencer a ler o livro se você ainda
não teve contato com a obra de origem. Então vou falar um pouco sobre a trama e
o que faz Twin Peaks ser algo tão especial e peculiar, para que você
possa mergulhar nesse mundo e depois, se quiser, ir atrás dos livros e outros
materiais extras sobre a série.
A
obra de Lynch e Frost inicia com o assassinato de Laura Palmer, uma típica
garota popular americana, algo que gera bastante comoção na cidade. Para ajudar
a investigar o assassinato, o agente do FBI Dale Cooper parte para a pacata Twin
Peaks, munido de seu gravador, sua perspicácia e seu amor por tortas e
cafés.
A
partir dessa trama aparentemente simples, a cidade e os personagens vão se
mostrando cada vez mais complexos, mostrando que por trás de cada detalhe,
existem diversas camadas — é nisso que está toda a magia de Twin Peaks. Claro que
o assassinato e sua resolução são importantes, trata-se do principal fio
condutor da trama, mas ele só tem todo o impacto devido a todos os elementos
que o cercam. O desenvolvimento faz com que a cada capitulo fiquemos mais
intrigados. Até o momento da revelação do assassino, não conseguimos ter
certeza de quem se trata, pois a cada momento estamos imaginando novas teorias,
e todas elas fazem sentido.
Não
quero me aprofundar no roteiro de Twin Peaks, porque mais que uma serie,
ela é uma experiência, ou seja, é complicado falar sobre porque sinto que cada
pessoa vai extrair algo diferente. Então vou dar mais alguns motivos pra te
convencer a assistir, ok?
Alguns motivos para largar
tudo que você está fazendo e começar a assistir Twin Peaks agora mesmo!
Twin
Peaks é uma serie que
consegue misturar diversos gêneros de uma forma orgânica, sem perder a linha ou
soar forçada. Apesar da sinopse indicar que se trata de uma serie
policial/investigativa, ela é apenas parte disso, porque vemos muitos elementos
de humor, terror e drama. Então é provável que em um momento você esteja rindo
das bizarrices típicas da série e logo após intrigado, pra não dizer com medo,
das cenas do black lodge.
Seguindo
a linha da diversidade de gêneros, também podemos estender isso para os
personagens, que apesar de alguns parecerem caricaturas (garoto rebelde, menina
popular, o pai ausente, etc), todos eles são complexos e carregam diversas
características além de seus estereótipos. Então por mais que você acredite
saber onde a história está te levando, em algum momento você vai perceber que
os personagens enganam. Isso é bem legal, porque independente de gostar ou não
de alguém, eles vão te marcar de alguma forma, seja por uma atitude inesperada
ou seja por alguma característica peculiar como conversar com um pedaço de
tronco ou passar o dia abrindo e fechando cortinas.
Da
mesma forma que os personagens, a própria cidade de Twin Peaks acaba
tendo uma personalidade bem própria e características bem peculiaridades que a
tornam única. Então Twin Peaks assume um papel de entidade em toda a serie,
porque nunca chegamos a conhecer ela de fato, a cada momento mais segredos e
mistérios vão surgindo em torno dela. Com isso, diversas vezes ficamos nos
perguntando até que ponto a própria cidade acaba influenciando no comportamento
dos seus habitantes, porque aquilo que acontece em seu solo é tão peculiar que
estranharíamos em qualquer outro lugar, mas que dentro daquele contexto parece
normal e plausível.
Como
você já deve ter percebido, o surrealismo é algo que merece ser destacado.
Mesmo se tratando de uma investigação policial, em um primeiro plano, a série
está sempre flertando com o sobrenatural e jogando elementos que causam
estranhamento no espectador, desestabilizando o mesmo, sem saber exatamente
onde acaba a realidade e começa a fantasia (e vice-versa). Esse aspecto onírico
é algo que vai se intensificando a cada episodio, se tornando tão importante
quanto a própria investigação sobre a morte de Laura Palmer porque ambas as
tramas começam a se entrelaçar, sendo que para entendermos uma precisamos resolver
a outra.
Há
outras diversas razões para assistir Twin Peaks, mas para não ir muito
longe não posso deixar de comentar brevemente sobre os aspectos técnicos.
Apesar de parecer datado quando assistimos mais de vinte e cinco anos depois,
em nenhum momento ela parece velha. Ou seja, você percebe a sua idade, mas em
nenhum momento seu conteúdo parece ultrapassado. É bem curioso porque só de
bater o olho você percebe que é um episodio de Twin Peaks, pois a paleta
de cores usada nas filmagens são bem únicas: sempre vamos ter uma tonalidade
meio amarelada e desbotada (algo que muda completamente na partes do black
lodge, que a cor vermelha assume um tom quase ameaçador). Assim como a imagem,
a música também é algo importante pra serie e a trilha sonora consegue carregar
tudo aquilo que a serie quer passar, ora mais lenta e profunda, hora assumindo
um tom cômico e divertido, mas sem perder toda a profundidade da obra de Lynch
e Frost.
Welcome to Black Lodge
Arquivos
e Memórias é um livro pra
quem já assistiu e gosta da série, porque não haverá introduções e nem
explicações de nada. A obra é praticamente uma conversa sobre Twin Peaks
— gravações e bastidores —
do ponto de vista do elenco e daqueles envolvidos na produção. Então caso não
tenha visto ainda, assista. Se não gostou, você assistiu errado e precisa ver
de novo.
O
livro todo é todo composto por comentários. O trabalho de Dukes foi muito mais
organizar material do que escrever e cada capítulo vai tratar de um tema
envolvendo a serie — pré-produção, escolha do elenco,
filmagens, estreia, repercussão, declínio, problemas com emissora, etc. Mas, ao
invés do autor redigir um texto com todas as informações coletadas, ele vai
recortar os trechos, de diferentes entrevistas, que abordam o assunto em pauta
e os coloca em sequência, algo que dá uma dinâmica interessante pro livro,
porque cada parágrafo é a fala de uma pessoa diferente, como uma conversa.
Assim, o livro permite que possamos
conhecer um pouco mais sobre a serie a partir da perspectiva daqueles que
estavam diretamente envolvidos. Isso é bem legal porque vamos perceber que as
peculiaridades de TwinPeaks não se limitavam a serie em si, a própria produção
era repleta de eventos curiosos, principalmente quando envolve o David Lynch — o fato de ele não fazer testes de elenco,
as mudanças que ele fazia durante as filmagens, elementos importantes que não
eram planejados, a origem de personagens como a mulher do tronco e o Bob, etc.
Em alguns momentos, essa construção
do livro (trechos de entrevistas) acaba sendo um pouco repetitiva,
principalmente no inicio que se resume aos envolvidos falando sobre o quão
maravilhoso é trabalhar com o David Lynch, mas, por outro lado, é bem útil para
entender melhor algumas situações, como os motivos que levaram a serie a dar
uma decaída na metade da segunda temporada e os problemas com a emissora.
Apesar de Twin Peaks ter uma grande popularidade quando foi lançada, vivia
passando por diversos conflitos internos, desde boicotes da emissora até a
ausência de Lynch nas filmagens, coisa que apenas assistindo a serie não da pra
perceber.
A
única coisa que me incomoda um pouco no livro, mais por chatice minha mesmo, é
o fato dele ser todo composto por recortes de entrevista. Apesar dele ter uma
dinâmica boa e interessante, não sabemos exatamente o contexto em que essas
falas foram ditas, então quando esses trechos diferentes são colocados em
sequência podem gerar um novo contexto. Portanto, se você for chato como eu,
vai ficar com essa constante inquietação, mas não vai impedir de ter
experiência bacana.
“Diane, never drink coffee that has been anywhere near
a fish.”
Twin
Peaks é uma daquelas obras
que eu me sinto um pouco intimidado de falar sobre porque por mais que eu
tente, eu sei que nunca vou conseguir expressar tudo aquilo que eu gostaria.
Então espero que essa resenha seja o suficiente para te convencer a assistir e
embarcar nessa experiência doidona e aterrorizante.
Como
já comentei no inicio da resenha, esse ano, 25 anos depois do fim da segunda
temporada, Twin Peaks está de volta com uma nova temporada. Então existe
mais uma razão para você ver (ou rever) as temporadas antigas, porque por mais
que a trama traga novos elementos e personagens, existe referencias diretas que
são impossíveis de entender caso você não conheça aquilo que houve no passado.
Durante
a resenha já dei motivos suficientes para assistir Twin Peaks, então eu
realmente espero que enquanto você termina de ler essa resenha, você já esteja
com as duas primeiras temporadas na lista de downloads. Quando terminar de
assistir, eu também recomendo dar uma olhada no livro do Brad Dukes, para ter
uma experiência ainda mais completa. O livro, que foi cedido pra gente em
parceria com a Darkside, dá uma visão interna sobre a produção da serie, algo
que é bem interessante, porque mostra o lado dos envolvidos na produção, e não
dos expectadores, mostrando diversas curiosidades que nunca saberíamos ao
assistir. Além do texto, o livro também é recheado com diversas imagens da
serie, melhorando ainda mais a experiência da leitura.
Então
a única coisa que resta falar é: prepare uma xícara daquele “Damn good coffee”
e assista/leia Twin Peaks.
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