quarta-feira, 22 de novembro de 2017

Literatura: 1977 - Enfield (Guy Lyon Playfair)


Se você acompanha o blog sabe que nós adoramos usar o “hornsbook” pra fazer amizade com um pessoalzinho do além: demônios, Poltergeists, espíritos, mortos-vivos… Não temos restrições, é só mandar solicitação de amizade, desde que goste de causar o terror por ai e sair assustando os outros.
            Sendo assim, depois de passear um pouco sobre o vale sombrio da morte e sermos apresentados a novos amigos que vivem do outro lado, nós viemos para contar um pouco das histórias que ouvimos por lá, assim como fizemos com Amityville ou até mesmo os casos investigados pelo casal Warren.
            Então, pronto pra saber um pouco mais sobre o que aconteceu em Enfield no ano de 1977?




            “A atividade poltergeist é, em si mesma, tão improvável que a maioria das pessoas racionais simplesmente não consegue acreditar em sua existência. E quando elas o veem e têm que acreditar, sentem grande dificuldade de convencer qualquer outra pessoa de que o fenômeno de fato existe. Portanto, embora eu tivesse visto muita dessa atividade no passado, e ao menos dez testemunhas externas não tivessem dúvidas de que todas aquelas coisas inexplicáveis tinham de fato ocorrido, eu queria me convencer para além de qualquer dúvida razoável. Apesar de tudo, eu estava desconfiado. Talvez fosse aquele brilho travesso nos olhos de Janet.”


Título original: This house is
haunted: The amazing inside
story of the Enfield poltergeist
Autor: Guy Lyon Playfair
Ano: 1980
Editora: Darkside books
Páginas: 269
            Em agosto de 1977, uma família de Enfield passa a vivenciar eventos estranhos em sua casa, onde batidas inexplicáveis ecoam pelos cômodos, os móveis misteriosamente mudam de posição e outros eventos incomuns se tornam cada vez mais frequentes a ponto de interferir no bem-estar daquelas pessoas.
            Apesar de existir muita desconfiança sobre a veracidade dos fatos, histórias de assombração sempre geram bastante curiosidade das pessoas, isso fez com que desde o início os eventos de Enfield tenham gerado certa repercussão na mídia local. Com a intenção de ajudar a família e descobrir a origem dos problemas, os pesquisadores Maurice Grosse e Guy Lyon Playfair (o autor do livro) passam a acompanhar a rotina da casa e documentar os acontecimentos que eles presenciam.
            1977. Enfield é uma compilação desse material coletado pelo autor.

Toc! Toc! Quem é?

            Caso você acompanhe as produções de terror, Enfield deve ser um nome familiar, afinal, além de servir de inspiração para o filme Invocação do mal 2, lançado ano passado (2016), ele também é um dos casos mais famosos envolvendo poltergeists já investigados, inspirando diversos outros materiais e sendo relevante ainda hoje, 30 anos depois.
            Apesar de já ter escutado falar sobre, eu conheci o caso melhor com o filme. Mesmo que seja uma produção totalmente focada no entretenimento, ele ajuda a ilustrar um pouco a situação que encontraremos no livro de Playfair, mas de uma forma mais hollywoodiana e mais chamativa pra um publico que clama por sustos e histórias tenebrosas. Entretanto, não estamos aqui pra falar sobre o filme, pelo menos não nessa resenha, então foco no livro.
            Por ter tido contato com o filme anteriormente, eu peguei o livro acreditando que se tratava de mais um caso investigado pelo casal Warren, mas, pelo que descobri internet a fora, eles não se envolveram e até existe uma polémica em torno disso, dizendo que o Ed se interessou no caso pelo dinheiro que poderia fazer com a história e que as únicas pessoas que dizem que eles estavam envolvidos são eles mesmos, porém, não cheguei a pesquisar a fundo e não sei até que ponto isso é verdade ou não. Caso tenham mais interessa, o google está aí para ser usado. Antes de iniciar, outro ponto que merece ser destacado é que este não é um livro de terror, ele é muito mais um livro de relatos e de materiais coletados durante o tempo que o autor passou com a família, por isso, o livro pode até causar medo se você acredita em eventos sobrenaturais e derivados mas esse não é seu foco. Nesse sentido, ele é diferente de Amityville que, mesmo sendo vendido como um relato, assume muito mais um papel de livro de horror do que um material que tem a intenção de relatar o dia a dia da família. Aliás, não me entenda errado, não estou dizendo que um é verdadeiro e o outro falso, só estou falando que eles são trabalhados de formas diferentes.
            Ok, se o livro não tem o casal Warren, se aquela freira sinistrona não existe no livro, se não tem susto, sobre que raios é o livro do Playfair?
           

Olá, eu sou o poltergeistinho, vamos brincar?

O caso de Enfield vai começar como todos os outros casos de poltergeist que eu me lembro: primeiro a família começa a escutar uns barulhos estranhos, depois os moveis mudam de lugar de forma inexplicável, presenciam objetos flutuando e sendo arremessados sem ninguém encostar neles, e isso vai progredindo para situações cada vez mais intensas. Mas diferentemente do que já conhecemos pela maioria dos livros e filmes sobre o assunto, aqui vamos ter um relato mais concreto do fenômeno.
O livro narra desde o começo das manifestações até o fim delas, sendo que logo no inicio vamos ser apresentados a família Harper: uma mãe solteira que vive com seus quatro filhos (2 meninos e 2 meninas) no subúrbio de Londres. Certo dia, as filhas se queixam com a mãe de que um móvel está se movimentando sozinho, algo que, a primeira vista, ela não acredita estar acontecendo, porém tenta tranquilizar as crianças, apesar disso. Pouco depois disso, a sra. Harper fica apavorada ao ver que o móvel está realmente se movendo sem motivo nenhum. Sem saber o que fazer, ela busca ajuda dos vizinhos e da polícia, que acabam contemplando ainda mais manifestações que não são capazes de explicar, batidas, movimentos de objetos, etc.
Apesar dos vizinhos e da policia também presenciarem aquelas coisas estranhas na casa, não haveria muito o que fazer, afinal, como se lidam com tais manifestações? A partir disso, a família acaba entrando em contato com um jornal pra ver se poderiam ajudar de alguma forma, de modo que a partir desse contato dois especialista se interessam pelo caso e decidem ajudar: Maurice Grosse, um investigador paranormal que teve uma experiência curiosa pouco antes de se envolver no caso de Enfield, e Guy Lyon Playfair, investigador e escritor que anos antes do caso estava no Brasil pesquisando sobre espiritismo.
Esses dois investigadores passam a ter uma vivência quase diária com a família, registrando todas as manifestações e investigando para saber os motivos que levaram o poltergeist até aquela família, se é que existiu um poltergeist.


Horror para uns, documento para outros

Bom, como você deve ter percebido, Enfield é um livro que lida com um caso um caso real, no sentido de que essa família existiu e que o autor junto com Maurice foram investigar esses supostos fenômenos se existiram espíritos ou não já é outra história.  Ou seja, o livro não foi escrito com a intenção de ser uma história de terror, mas sim como uma forma de relato daquilo que os investigadores vivenciaram naquela casa com a família.
Ué, mas se o livro fala de espíritos e de uma família sendo atormentada por eles, é um livro de terror, não? Afinal, não é a partir disso que se inicia todas as produções do gênero? Bem, não necessariamente. Na introdução, o próprio autor diz que se você procura por um livro de terror é melhor procurar outra coisa pra ler, porque esse livro não é pra você.
Sim, aqui vamos ter vários pontos que vamos relacionar com produções de terror, no entanto a abordagem é completamente diferente: enquanto em filme e livros há uma necessidade constante de manter um clima de tensão e amedrontar, aqui o autor está mais interessado na abordagem científica de encontrar respostas e soluções para aquele caso tão estranho. Por conta disso, além dos dois investigadores, várias outras pessoas e especialistas vão passar pela narrativa para ajudar ou dar seu parecer sobre o caso.
Justamente por isso, o livro pode não ser nem um pouco atraente que esperam uma historia de terror tradicional como a encontrada no filme inspirado no caso. Esse evento de Enfield durou por um longo tempo, com manifestações constantes, desde coisas simples como batidas ou barulhos até coisas mais complexas, porém mais raras, como materializações, objetos atravessando parede, possessões e etc. Devido a isso, dependendo do seu interesse e do seu envolvimento com o livro, pode ser bem cansativo e repetitivo, por que vamos ver várias e várias vezes o autor documentando um evento e tentando descobrir a origem, ou descrevendo o dia a dia da família em que teve um barulho de manha, logo depois uma cadeira apareceu em um local diferente, e algum comportamento estranho de uma das filhas. Resumindo, todos os eventos do livro carecem da emoção encontrada nos filmes, tudo é descrito de uma maneira mais fria, mesmo os eventos mais inexplicáveis, pra evitar que o leitor (e o próprio autor?) se envolva emocionalmente e passe a olhar pra tudo aquilo de uma maneira menos racional. Então por mais que possa afastar muitos leitores ávidos por sustos, essa é uma qualidade do livro, que instiga o leitor a ver o caso poltergeist por uma perspectiva diferente.
Pode ser que você sinta medo ou até mesmo se assuste com Enfield, mas isso vai depender das suas crenças e do quão sensível você é sobre o assunto, porque em nenhum momento o autor se preocupa em tentar criar um clima sombrio ou induzir o leitor a ficar com medo, pelo contrario, a todo momento ele está colocando e levantando duvidas sobre a veracidade de tudo aquilo.


Um escritor, um investigador e uma família em desespero

Bom, o livro vai consistir basicamente dos relatos atípicos do dia a dia da família e dos dois investigadores tentando encontrar respostas seja para os eventos sobrenaturais e os motivos para eles terem começado, ou até mesmo para saber se havia alguma fraude nesses eventos, porque em diversos momentos havia uma desconfiança de que uma das filhas poderia estar simulando e mentindo sobre algumas coisas que aconteciam na casa.
Essa desconfiança trás uma dinâmica interessante para o livro, pois apesar dos pesquisadores acreditarem em eventos sobrenaturais, já terem participado de diversos casos envolvendo espíritos e derivados, a todo momento eles levantam dúvidas sobre aquilo que estão escrevendo e vivenciando na casa. Em muitos momentos eu sentia que ele acreditava em tudo aquilo, mas levantava as dúvidas e mostrava contrapontos só para se mostrar imparcial e acabar dando mais autenticidade para o seu relato. Apesar disso, ainda é algo interessante, porque o leitor a todo momento está se sentindo instigado a duvidar das próprias crenças, sejam elas acreditar nos espíritos ou não.
Por fim, uma coisa que eu senti durante todo o livro, mas que pode ser consequência da escrita do autor, é a falta do sentimento de urgência em ajudar a família. Desde o inicio você sente o tormento da família e o desespero em acabar com tudo aquilo que está acontecendo na casa, entretanto, quando os dois investigadores chegam na casa, deixa a sensação de que documentar os eventos e criar um material solido acaba sendo mais importante do que ajudar aquelas pessoas. Sim, de certa forma eles estavam ajudando, mas passa a sensação que eles estão muito mais interessados em ficar estudando aquilo do que dar um fim e deixar a família viver em paz. Em nenhum momento eu senti que eles realmente estavam empenhados em buscar ajuda, parecia que eles queriam resolver aquilo por eles mesmos, não importando o tempo que eles submeteriam aquelas pessoas ao caos em que estava a vida delas.
Não vou julgar se eles estavam mais interessados na fama do que na ajuda, afinal, como disse, pode ser apenas uma impressão da leitura, como também pode ter sido algo inconsciente, de achar que está ajudando, mas não perceber que as próprias atitudes podem ser duvidosas, no entanto, ao fim da leitura, o sentimento que fica é esse.


Em caso de poltergeist, quem devo chamar?

Pode ligar pra gente, nós adoramos nos comunicar e aprender com as almas perturbadas que compartilham do mesmo espacinho no inferno. O que? Você achou que estávamos vivos? Não tolinhos, essas fotos do lado é de quando éramos vivos, esse blog nasceu justamente porque estávamos entediados la na morada do capeta, e convenhamos, incomodar, assustar e desvirtuar os humanos é umas das coisas mais legais da vida... ou pós-vida. Bom, mas voltemos ao livro, qualquer duvida sobre o inferno conversamos mais tarde, se é que você  me entende.
Diferente do que muitos leitores possam esperar, Enfield não é um livro de terror, mas sim um livro de relatos sobre uma possível manifestação sobrenatural. O autor vai relatar quase tudo que acontece de estranho naquela casa, o que pode ser um pouco repetitivo e cansativo, e buscar explicações para aquilo, sejam respostas céticas ou que expliquem por um viés sobrenatural. Eu particularmente achei o livro interessante por fugir do padrão já conhecido das obras de terror, tratando do tema poltergeist com um foco mais realista e menos fantástico. Apesar de continuar não acreditando muito nesse tipo de coisa, é algo que sempre me chamou atenção e continua sendo uma leitura curiosa. Mas caso você busque por sustos, histórias elaboradas e uma narrativa mais ágil, acho melhor ir atrás de outros títulos.
O livro foi enviado pra gente pela Darkside Books, e ele segue o padrão de qualidade da editora. Além disso, durante a leitura vamos ter diversas imagens de fotos tiradas pelos investigadores, tornando a leitura ainda mais imersiva, ajudando a ter uma panorama ainda melhor de tudo aquilo que está acontecendo na casa dos Harpers.

Enfim, caso você tenha interesse por casos reais e quer saber mais sobre o caso de Enfield, fica a sugestão. Além disso, pode ser uma leitura útil, nunca se sabe quando as manifestações em sua casa podem começar.

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