quinta-feira, 24 de maio de 2018

Resenha: Stephen King, a biografia - Coração assombrado (Lisa Rogak)


Nós sabemos bem que se você está lendo isto aqui é porque já deve ter lido um bocado de livros do Stephen King, autor que apesar de não ter muitas resenhas neste blogue, está presente como má influência para nossos pensamentos. É bem provável que existisse um dedinho podre do King já quando essa pagina de extremo mau gosto foi concebida. Particularmente, apesar de já ter lido muitos livros dele e ter me perdido em diversas histórias, hoje não falarei de seus romances, mas sim de sua vida, que não é tão assustadora quanto seus livros, porem é tão interessante quanto. Portanto, pegue seu triciclo e vamos dar uma passeada pelo coração assombrado do rei.


““Você tem de ser meio doido para ser escritor porque tem de imaginar mundos que não existem”, afirmou. “Você está ouvindo vozes, está fantasiando, está fazendo tudo o que se diz às crianças que não façam. Ou então nos mandam distinguir entre a realidade e essas coisas. Os adultos vão dizer: ‘Você tem um amigo invisível, que lindo, você vai superar isso’. Escritores não superam isso.””

Título original: Haunted heart:
The life and times of Stephen King
Autor: Lisa Rogak
Ano: 2009
Editora: Darkside books
Páginas: 315
Nessa biografia não-autorizada, a autora Lisa Rogak mergulha na vida de um dos escritores mais populares e temidos do mundo, Stephen King. Apesar de sua obra gozar de uma gigante reputação e das suas histórias estarem por todos os lugares, não é todo mundo que conhece o homem por trás dos textos assustadores.
Coração assombrado tem como objetivo desmistificar a figura de Stephen King, deixando o horror um pouco de lado e investigando as diversas fases da vida do autor (a infância pobre, o sucesso repentino, o problema com drogas, etc.). Lisa Rogak permite que o leitor conheça um pouco mais da vida de King e compreenda melhor a origem de suas historias e, consequentemente, de seus próprios medos.

Por trás dos medos

Independente de ir atrás ou não, todo leitor do King acaba conhecendo um pouco de sua vida pessoal. Não só pelos romances que carregam bastante de sua personalidade (o seu gosto musical evidente, o apreço pela cultura pop, seus medos, a importância da escrita, as indiretas...), mas também pelos prefácios em que ele conversa um pouco com você antes de partir para a história. Pessoalmente, isso é algo que sempre achei muito bacana, porque muitas vezes você passa a entender melhor o que ele está dizendo ou a origem da trama. O livro deixa de ser apenas uma história de terror e passa a ter outros significados. Afinal os monstros do King são apenas mecanismos pra falar sobre pessoas e seus medos.
Coração assombrado é como uma conversa entre fãs do King. Por ser uma biografia não-autorizada, todo o livro é composto por informações que estão espalhada por aí, entrevistas de diversas épocas, outras biografias, filmes e livros do próprio King, estudos sobre sua obra, etc. Então vira e mexe, se você é leitor, vai reconhecer algumas histórias, mas tudo é tratado com um pouco mais de profundidade, afinal envolveu muito mais pesquisa.
Um exemplo disso é Carrie, a estranha. Você provavelmente sabe que o King tinha jogado a história no lixo e que foi sua mulher Tabitha que acabou resgatando a história, falando que ela tinha potencial. No fim, Carrie acabou se tornando o primeiro livro publicado e de sucesso. Mas provavelmente você não saiba que a ideia do livro surgiu de uma aposta, que a protagonista foi inspirada em uma colega de classe, que a Tabitha ajudou em sua confecção por se tratar de uma personagem que lida com problemas femininos, etc. Assim, durante a leitura vamos descobrir diversas curiosidades que tornam as próximas leituras/releituras muito mais interessantes.
É muito interessante ver de onde vem a ideia de algumas historias, a relação que o autor teve com elas, como foi o processo de escrita, os momentos em que ele empacou em algum romance, a relação com as editoras, entre outras curiosidades. Uma coisa que eu não sabia, ou pelo menos eu não lembrava, é que O cemitério foi um livro que o King não gostava. Ele o achava muito pesado e pensava que o livro não deveria ser publicado, por isso, acabou o enviando para a editora só pra resolver algumas questões pendentes.
Apesar de ajudar a conhecer melhor a obra, a biografia também nos mostra o lado mais pessoal do autor que, para as pessoas que não estão familiarizadas, pode parecer um pouco estranho, afinal, mesmo que muito de sua personalidade surja nos livros, ele é uma pessoa bem diferente daquilo que esperamos ao ler seu texto. Desculpe decepcionar, mas o King não come criancinha no café da manhã.


Coração assombrado, porém bonzinho

Apesar de em diversos momentos Stephen King dizer que não consegue entender o motivo das pessoas se interessarem por sua vida pessoal, depois de ler Coração Assombrado fica claro o motivo de tantas pessoas quererem saber mais de sua vida pessoal. É claro que pra ele as suas historias são muito mais interessantes que sua biografia, mas de certo modo uma coisa complementa a outra, pois é evidente que se não fossem certos aspectos da sua vida, é bem provável que tudo fosse bem diferente e eu não estaria agora falando de um livro sobre ele, pois talvez nem existisse biografias a seu respeito.
É claro que toda biografia tem seus problemas, sempre haverá um foco maior naquilo que é relevante, e aqui não é diferente. Por mais que a Lisa Rogak se preocupe em falar sobre o autor desde a infância, de seus problemas e de sua família, o livro sempre será direcionado pro lado da carreira. Ao mesmo tempo em que esse problema é visível, porém, fica a sensação de que não daria pra ser muito diferente, porque a vida do King gira em torno da literatura; não dá pra pensar em Stephen King sem pensar em livros, seja escrevendo ou lendo.
Logo quando criança, seu pai saiu pra comprar cigarros e nunca mais voltou. Sozinha e com dois filhos, sua mãe teve uma vida bem complicada. Mesmo com as dificuldades financeiras e das varias mudanças de casa, no entanto, a mãe de King sempre estimulou seus filhos a lerem. Então, desde criança tanto Stephen quanto o irmão sempre gostaram de livros e quadrinhos. E com o tempo isso só foi se intensificando: ele começou a se interessar por cinema, e logo depois de assistir filmes ele analisava as sequencias e, até mesmo, reescrevia do seu jeito. Aos poucos ele começou a escrever as próprias historias e sua mãe lhe pagava 25 centavos por cada uma. Quando ganhou a primeira maquina de escrever passava boa parte do dia nela. Ou seja, antes da adolescência, ele já tinha sido picado pelo monstro da literatura, um monstro que nunca mais ia largar.
  Não vou adentrar muito na vida do King, afinal o intuito dessa resenha é apresentar e recomendar o livro. Além da infância, a biografia também vai falar sobre a juventude, sobre os jornais do colégio no qual Stephen participava (e os problemas que ele teve com isso), sobre o período da faculdade, o seu relacionamento com a Tabitha e as dificuldades pelas quais eles passaram, os filhos, o sucesso, o amor pelo baseball, os envolvimentos políticos, os problemas com álcool e drogas, a vida depois da fama, sua produtividade, etc. Enfim, apesar de você sentir que tá faltando muita coisa da vida dele a ser contada, a autora consegue dar um panorama bem legal sobre quem é o Stephen King.
Eu sou suspeito pra falar, afinal eu comecei a ler por causa desse moço, então só direi o seguinte: você acaba o livro querendo dar um abraço em King, pois, apesar de ser um dos autores mais vendidos e famosos, ele continua sendo uma pessoa muito simples e que sempre está disposta a ajudar os outros. Isso é algo que chega a ser bem engraçado em alguns momentos, pois apesar de estar nadando em dinheiro ele se recusava a pagar/comprar certas coisas, como, por exemplo, uma história de que ele saiu de um bar e foi pra outro pelo simples fato de que não queria pagar a taxa de 5 dólares cobrada (ou algo do tipo). Mas apesar de ser “mão de vaca” com algumas coisas ele era totalmente generoso com outras, como pagar faculdade de alguns jovens que não tinham condição.
Há vários outros exemplos disso: mesmo depois de estar com vários livros na lista de mais vendidos, ele continuava mandando contos pra revistas pequenas para ajudá-las; ele vendeu algumas de suas histórias por preços simbólicos para que pessoas pudessem fazer adaptações cinematográficas (isso explica muita coisa); mesmo depois de famoso ele aceitou dar aulas de escrita criativa, algo que ele levava muito a sério; sem contar as diversas ONGs que ele e sua mulher criaram e ajudaram.
Enfim, apesar de ter um dedinho podre na escrita, ele parece ser o tipo de pessoa que queremos por perto.


O King é pop

Uma questão bem interessante que é discutida na obra, e que sempre esteve presente na vida de King, é o eterno embate entre o popular e a “alta literatura”. Desde a infância, King sempre se interessou e viu beleza na cultura popular, algo que trouxe diversos conflitos nos tempos de faculdade. Ele nunca entendeu de fato o motivo de existir essa divisão entre a “boa” e a “má literatura”, afinal ambas tem seus valores. Tanto que sempre que alguém o via lendo livros de terror ou coisas do gênero, acabavam torcendo o nariz e perguntando porque ele tava lendo aquelas “porcarias”, principalmente em um curso de letras.
Apesar das críticas e de ter tido contato com os grandes nomes da literatura, ele nunca abandonou os “livros baratos de capas horríveis”. Não sei se estou interpretando corretamente, mas me parece que o King achava uma certa ingenuidade você se aprofundar em uma literatura clássica e simplesmente ignorar as produções contemporâneas populares, pois são esses livros que estão dialogando diretamente com as pessoas. Sem contar que muitas vezes essa segregação é baseada em puro preconceito, como se o popular fosse sinônimo de baixa qualidade.
Isso sempre foi e provavelmente continua sendo uma luta dele. Logo na faculdade, percebendo a hostilidade dos colegas e professores com a literatura mais comercial, além das diversas discussões, ele se propôs a montar aulas pra discutir esses livros ignorados na academia. Mas, apesar da opinião forte sobre isso, dá pra sentir na biografia que é algo que ainda o chateia um pouco, porque ele é sempre visto como um escritor de terror e muitas pessoas acabam não o levando a sério. Sempre que ele recebe prêmios de literatura os críticos acabam menosprezando e falando que ele não merecia ou coisas do tipo, já que ele não escreveria literatura, mas sim livros de terror. Assim, por mais que ele seja um dos autores mais vendidos e continue relevante há mais de quarenta anos, ele ainda parece sentir por não ter sua obra reconhecida como literatura.


Devo me assustar mais com o King?

Obviamente. E depois de ler a biografia você vai ficar ainda mais interessado em ler/reler as obras dele.
Apesar de não ler King na mesma quantidade que lia antigamente, ele é um autor que eu sempre tento acompanhar e ler algo de vez em quando. Mas depois de terminar Coração Assombrado eu fiquei com muito mais vontade de voltar a mergulhar em suas histórias, tanto as novas quanto aquelas que eu já conheço. É bem interessante porque é uma leitura que permite você redescobrir a obra dele, afinal muito de suas inspirações vem de suas vivências e de coisas que ele observa.
Mesmo sendo uma biografia, ela tem um ritmo bem legal. A autora organizou todas as informações em ordem cronológica, escrevendo de uma maneira bem direta e sem muitos cortes, formando um livro bem coeso e dinâmico. Mas é claro que o livro também sofre dos problemas que toda biografia de uma pessoa ainda viva sofre: ele parece incompleto e fica a sensação de que acaba do nada. Ainda mais no que diz respeito a uma pessoa como o King, que tem um ritmo totalmente maluco de produção (só o tempo que levei pra escrever essa resenha ele ja deve ter publicado uns três livros novos).
Coração assombrado foi publicado pela Darkside, que mando pra gente em parceria, e tem uma edição bem bacana. Além do texto, o livro também conta com uma cronologia, que mapeia por data os eventos importantes na vida do King e, também, as referencias bibliográficas usadas pela autora, algo que é bem interessante caso você tenha interesse em se aprofundar mais na vida/obra do King. Apesar da edição estar bem bonita, com uma capa bem chamativa, o corte das paginas em branco e vermelho e diagramação bacana, eu senti falta de fotos e imagens que complementassem o texto. Posso estar meio mal acostumado, mas é meio estranho uma biografia que não conta com esse tipo de coisa.
Enfim, Coração assombrado é um livro que merece ser lido não só pelos fãs de King, mas por todo mundo que tenha algum interesse pelo autor. Se você nunca leu nada, mas tem alguma curiosidade, essa biografia seria bem interessante pra se familiarizar com o autor e entender um pouco do seu trabalho. Então pode ir atrás do seu livro sem medo... ou melhor... com medo.   

Nenhum comentário:

Postar um comentário