terça-feira, 10 de janeiro de 2017

Literatura: Amityville (Jay Anson)


            Você acredita em fantasmas?
            Eu sabia que você iria dizer que não, mas será que não rola nenhum medinho por detrás dessa coragem toda? Aquela insegurança de abrir os olhos no meio da noite? Ou aquele momento tenso de levantar no meio da madrugada pra buscar água? Não? Ok, então posso fechar pra você o pacote com o fim de semana em Amityville? Aquele lugar onde um jovem matou os pais e os irmãos e que a família que tentou morar na casa depois da tragédia saiu correndo de medo em menos de um mês? Não? Ué, mas você não disse que não acreditava?




            “O problema tratado por esse livro, embora seja tão antigo quanto a humanidade, precisa ser trazido à luz dos criteriosos leitores contemporâneos. Todas as civilizações alguma vez já expressaram certo sentimento de insegurança e temor em relação a relatos inconsistentes, embora recorrentes, de fenômenos que levaram homens a se sentirem vítimas de seres hostis com poderes sobre-humanos. Seres humanos em diferentes sociedades reagiram a esses desafios de diversas maneiras. ”


Título original: Amityville
Autor: Jay Anson
Ano: 1977
Editora: Darkside books
Páginas: 237
            No dia 18 de Dezembro de 1975, o casal Lutz com seus três filhos se mudam para a casa número 112 da Ocean Avenue, a mesma casa onde a família DeFeo foi brutalmente assassinada pelo filho mais velho Ronald. Mesmo sabendo da tragédia e da fama de mal-assombrada que ronda a casa, a família Lutz decide se mudar devido ao preço muito abaixo do mercado e, também, ao ceticismo quanto a assuntos sobrenaturais. Mas a estadia na casa 112 se mostra muito mais conturbada do que eles esperavam.

Satanás, é você?

            Amityville é uma das principais inspirações para grande parte das produções com a temática “casa mal-assombrada”, então mesmo que você não conheça o caso, o livro ou não tenha visto o filme (e suas diversas continuações/remakes) é bem provável que você, de uma maneira ou de outra, tenha tido contato com essa história, então é normal a impressão de “já vi isso antes”. Mas, apesar de tudo, ainda hoje essa história mantém seu impacto e sua relevância, além de continuar levantando dúvidas. As portas da casa estão abertas...

*

            Aqui nesta resenha vou focar apenas no livro, porque faz alguns anos que assisti ao filme e nunca cheguei a pesquisar o caso a fundo para falar melhor sobre ele, então minhas impressões estão focadas apenas na obra de Jay Anson.
No livro vamos acompanhar o dia a dia da família Lutz, desde o primeiro dia até o ultimo dia que eles habitaram a casa em Amityville, um total de 28 dias. Conforme os dias vão passando e fenômenos não explicados vão ocorrendo, vamos percebendo a mudança de comportamento da família e também algumas informações sobre a casa vão sendo levantadas. Ao longo da narrativa vamos ter algumas informações sobre a família que morou anteriormente – os DeFeo - e alguns detalhes dos assassinatos, mas toda a trama vai girar em cima dos Lutz e do seu desespero ao lidar com algo que eles não conhecem e nem mesmo conseguem ver.
Para contar os eventos, o autor se utiliza de uma estrutura que lembra um diário no qual ele vai narrar os acontecimentos de cada um dos 28 dias dessa família na casa. Nesse desenrolar vamos ter um pouco de tudo que já conhecemos do tema: criança com amigo imaginário, pessoas mudando de comportamento, barulhos estranhos, um porão macabro, etc. A partir desses pontos é interessante ver todo o processo de construção da crença, em que diante de problemas inexplicáveis pessoas até então céticas passam a acreditar (ou não) que estão diante de algo sobrenatural. Dito isso, não há muito o que falar da história, o grande mérito do livro está no clima de tensão que consegue gerar, mesmo tendo conhecimento do final você quer saber como a família lida com essas adversidades e se há alguma explicação para os fenômenos que não apele pro coisa ruim.
Se por um lado, Jay Anson sabe criar uma narrativa atraente, por outro ele peca no que diz respeito a instigar o leitor com a dúvida.



Aham, senta lá Exu

Bom, vamos começar do início, o primeiro caso envolvendo a casa em Amityville é real, no que diz respeito aos assassinatos, o que torna toda a história mais pesada, entretanto, a partir do momento que uma notícia ganha popularidade, muitas pessoas passam a tentar ganhar algo em cima disso, então tudo que envolve os acontecimentos do segundo caso merecem um pouco mais de dúvida. Mas vamos nos ater ao que sabemos.
Os fatos que temos são: certa noite Ronald DeFeo, na época com 24 anos, entrou em um bar na cidade dizendo que havia baleado toda sua família, quando vão investigar a casa, encontram o corpo dos seus pais, de seus dois irmãos e duas irmãs, todos na mesma posição (de bruços com a mão na cabeça). No tribunal ele alegou que ouvia vozes frequentemente e que elas que levaram ele a matar os familiares. Ele foi condenado a prisão perpétua, onde permanece ainda hoje. Quase tudo que saia disso deve ser visto com certa desconfiança, principalmente o que permeia os relatos da família Lutz, que viveu na casa após o ocorrido.
O segundo caso, que é o foco do livro, tem como base, principalmente os relatos da própria família Lutz e de um padre que acompanhou (mais de longe do que de perto) os eventos que envolviam a casa. Se no primeiro caso estamos diante de um crime real (independente das motivações ou do fato de que houve ou não manifestação sobrenatural), no segundo não temos nada além de uma família afirmando que foi assombrada por forças demoníacas ou qualquer coisa do tipo.
Não cabe a mim falar se é verdade ou mentira, pois mesmo não acreditando não estou aqui pra julgar ou chamar os outros de mentirosos, mas é bom discutir e levantar a dúvida. Um dos principais fatos que levantam a hipótese de possessão são as vozes que Ronald disse ter escutado, mas vale lembrar que ele era usuário de drogas e o psiquiatra classificou ele com transtorno de personalidade, sem contar que anos depois ele deu uma declaração completamente diferente, que não envolvia espíritos, pra justificar os crimes. Já a família Lutz se mudou pra casa sabendo do ocorrido, ou seja, as manifestações ocorreram quando eles já sabiam do caso, e não o oposto. Outro ponto é que a família disse que não iria usar dos eventos para benefício próprio mas acabou tirando uma boa publicidade de todo o ocorrido.
Então mesmo que o autor te deixe intrigado com a história que ele está contando, por outro lado essa questão de baseado em fatos reais começa a incomodar, não pelas pontas soltas que a história deixa, mas sim pelo excesso de confiança com o qual ele conta os detalhes que envolveram aquela família, sem deixar margem de dúvida para o leitor, algo essencial nesse tipo de livro.


Duvidar para crer

Como tudo que é baseado em fatos reais, a obra levanta questões que dividem opiniões de acordo com as crenças de cada um, então algumas pessoas irão acreditar em certas coisas e outras não, de modo que tudo acaba sendo muito subjetivo e pessoal. Entretanto, mesmo sendo bem cético em relação a tudo que é narrado envolvendo forças sobrenaturais, o livro pouco me instigou em tentar abalar minhas crenças (ou falta delas), e ao meu ver, essa é a principal falha do autor.
Quando eu leio ou assisto alguma produção que se diz baseada em fatos reais eu imagino que ela pode tomar dois caminhos: o primeiro seria pegar a obra e fazer uma colagem de fatos para mostrar diversos pontos de vista e apresentar ao leitor/expectador as diversas abordagens que permeiam aquele evento, algo que se aproxima de um trabalho jornalístico, como é o caso do livro Exorcismo. A segunda abordagem possível seria se inspirar em um caso real e usar como base para criar uma obra de ficção, então sabemos que apesar de ter algo de verdade ali no geral é uma história fictícia, o massacre da serra elétrica por exemplo.
Amityville acaba ficando no meio do caminho, o que na minha opinião prejudica a obra. Ele desenvolve a história nos moldes de uma obra de ficção, o que é bom por tornar uma leitura mais atraente, mas vira e mexe tenta empurrar pro leitor que tudo aquilo é verdade, sem deixar margem pra duvida, então você não aproveita direito nem um lado nem o outro.
A organização do livro, como dito anteriormente, é como se fosse um diário, cada capitulo se dedica a descrever um dia da família na casa, algo que é interessante, mas do jeito que o autor desenvolve, o leitor sente nele uma certa onisciência, ele está a par de tudo que acontece, dentro e fora da casa. Outro ponto é que tudo parece acontecer de um jeito muito linear, como se a história fosse organizada para o melhor aproveitamento e compreensão do leitor. Não acredito que o capiroto seria tão metódico e bonzinho, respeitando o tempo de cada um, pra assombrar a casa, como também é difícil convencer que o autor tinha tudo tão bem roteirizado, com o dia exato, de cada manifestação.
Além dos pontos citados, que são pouco convincentes, eu senti falta de um maior leque de perspectivas, se você quer fazer alguém acreditar em algo você precisa levantar dados, opiniões diversas, entrevistas com pessoas envolvidas e coisas assim em vez de apenas colocar a sua versão e falar: tá aqui, aceita. Uma proposta bem diferente do que vemos em obras como Exorcismo, apesar de uma escrita mais lenta, esse segundo se preocupa em mostrar diversos pontos e deixa para o leitor decidir o que ele acredita ou não, em nenhum momento ele faz afirmações ou tenta empurrar uma verdade, ele dá os dados e pesquisas que ele levantou, se você vai comprar ou não aqueles eventos é problema seu, o importante é gerar discussão e elucidar os fatos. Isso torna a obra mais rica, porque faz o leitor pensar e tomar posições e não apenas vender uma história com o intuito de assustar, como Amityville faz.


Mais fantasma e menos lero lero

Apesar dos “fatos reais” me incomodarem (no mal sentido), Amityville, pela minha experiência, é um livro bem bacana e interessante de ler se você tratar ele como um livro de terror e não como um relato verídico. Pois como disse anteriormente, ele tem uma narrativa bem atrativa e fluida, algo que provavelmente não teria se adotasse uma perspectiva mais jornalística como vemos em Exorcismo.
Como um livro de terror ele funciona muito bem, porque ele cria um clima de tensão que consegue te tirar da zona de conforto, durante a leitura você se vê preocupado e aflito com aquela situação que a família está passando e vira e mexe se pergunta, será que isso de fato ocorreu (independente se foi por motivo sobrenatural ou psicológico)? O que eu faria no lugar deles? O que de fato aconteceu na noite em que o DeFeo matou a família? Entre outras questões que ficam em aberto e nunca teremos as respostas.



A chave está aqui, você arrisca abrir as portas?

Antes de falar se vale ou não a pena ler o livro eu preciso levantar um ponto que influenciou na minha leitura, afinal, ninguém é imparcial, muito menos na internet. Eu comecei a me interessar por livros quando eu tinha uns 16 anos (cerca de 10 anos atrás), e diferente de pessoas que começaram com Harry Potter, Senhor dos Anéis e derivados, eu comecei com Stephen King, ou seja, desde que comecei nesse mundo o terror/suspense é um dos gêneros que está sempre me acompanhando. Você deve estar se perguntando “que importância isso tem pra resenha?”
Toda, pois desde que eu comecei a ler o gênero o nome Amityville estava presente, mesmo que distante. Sempre que procurava recomendações de livros de terror, lista de melhores do gênero, livros que influenciaram filmes e etc. eu via Amityville sendo citado e nunca encontrava pra vender, ou se encontrava estava por um preço não muito convidativo. Então quando a Darkside anunciou que iriam relançar eu fiquei bem feliz que finalmente iria ler esse livro que tanto falavam sobre. E como vocês bem sabem, expectativa é uma merda...
Voltando. Apesar de ter gostado do livro, ele foi um pouco decepcionante, não por ser ruim, mas por esperar algo muito além do que ele é de fato. Então é bem provável que se eu tivesse lido despretensiosamente teria gostado mais.
A partir disso, minha opinião é que o livro vale a pena, mas tenha em mente as coisas que citei a cima sobre o “baseado em fatos reais”. Se você acredita em espíritos e demônios, vai com fé porque esse livro é pra você e vai te deixar bem intrigado/a, mas, por outro lado, se, assim como eu, não acredita nessas coisas, leia como uma historia de ficção, porque independente de qualquer coisa, os eventos que envolvem a família Lutz e DeFeo são bem interessantes.
O livro foi recebido em parceria com a Darkside books e mantém os padrões de qualidade já conhecidos da editora. Além da narrativa sobre os 28 dias dos Lutz na casa 112 da Ocean Avenue, o livro conta com um prefacio escrito pelo padre que se envolveu nos eventos, um mapa da casa pra ajudar o leitor a se localizar melhor durante a leitura e, pra fechar, o ultimo capitulo fala sobre a visita de Ed e Lorraine Warren na casa, onde são convidados para investigar os eventos sobrenaturais que tomaram conta do dia a dia daquela família.
Pegue o crucifixo antes de entrar...


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